Vittorio Medioli
A delação é detestada por quem acaba
desmascarado, mas aplaudida por 90% da população, que sofre as consequências
dos desmandos do Executivo e Legislativo públicos, acumpliciados com facínoras
de variadas espécies.
A prática de delação se firmou nos últimos dois anos como forma certeira no combate à corrupção. Ajudou a desvendar o sistema tentacular de malandragem que está na origem do retrocesso econômico ocorrido de 2013 a 2017. Tanto crescemos, tanto retrocedemos, perdendo os avanços acumulados de 2006 a 2012.
Como instrumento, a delação serviu para destocar o mal maior e revirar suas raízes ao sol. Firmou-se ao conceder redução na execução das penas para quem revela e fornece provas de esquemas delituosos.
O delatado uma vez encurralado, se quiser alívios, deve contribuir para tirar de circulação outros culpados e estancar esquemas criminosos. Nessa corrente denunciatória, as peças do dominó da corrupção nacional caíram. Mesmo assim, os acordos de leniência, limitados a pagamentos de longo prazo, deixam os corruptores nas mesmas posições estratégicas para tornar a desfrutar e se esbaldar de fraudes. O ganho deles não está nas atividades, nos lucros delas, mas exatamente nas fraudes e desvios monumentais que a relação com os cofres públicos permite realizar.
Mais recentemente evoluiu-se da mera delação para a mais abrangente “colaboração premiada de fato”, como no caso da JBS, com executivos engajados na gravação, filmagem e apresentação de provas que permitiram flagrar malas de dinheiro e mochilas passando do setor privado para detentores do poder público.
A delação se consolidou na Itália para desbaratar a máfia e levar à prisão vitalícia 300 líderes mafiosos, que, aos poucos, vêm envelhecendo e falecendo atrás das grades. Serviu em seguida também para dar um golpe certeiro com a operação Mani Pulite (inspiradora da Lava Jato) na podridão política.
“Mors tua, vita mea” quer dizer “tua condenação me deixa vivo e livre”, essa a lógica rasteira da colaboração. Corre-se dessa forma o risco de que delações fantasiadas e sem provas façam perder tempo e, quando vazadas, abalem indevidamente reputações. Disso a necessidade de precauções, concedendo as garantias tempestivas de conhecimento das acusações. Isso na Itália é determinado pelo “aviso de garanzia”, que permite, no decorrer da juntada de provas ao inquérito, a apresentação de contraprovas pela defesa. Aqui não ocorre para legitimar as conclusões de uma investigação. Trata-se de uma forma mais primitiva, do Velho Oeste.
Existem países orientais e mediterrâneos onde a corrupção é pervasiva (se insinua facilmente em ambientes e se enraíza), e o Brasil, mesmo separado das águas mornas do Oriente, se apresenta impregnado pelo vício. Nesse ambiente facilmente corruptível é difícil que as dinâmicas sociais ou as transações sejam totalmente isentas de interesses pessoais, de atitudes do levar vantagem. A partir do mau flanelinha que ameaça riscar um carro, até subir os degraus mais altos do poder, a forma de apresentar dificuldades para vender facilidades se enraizou e se apresenta como praga.
A burocracia se vale da legislação medieval brasileira para garantir recorde de corrupção nos atos públicos, praticados nas formas mais sutis e perversas. O Estado aparece como um déspota, um monstro.
Na China, que historicamente viveu à mercê da cultura da corrupção, em 1997 decidiu-se quebrar a simetria das penas da corrupção ativa e passiva, e deixar o corrompido com ônus maior. Partiu-se do princípio de que quem paga é achacado pelo corrompido, destinando assim penas escorchantes e até a morte para o funcionário público, que por determinação constitucional precisa ser colaborativo, imparcial, solícito e imprescindivelmente honesto.
Pode ser contestado o método chinês, pois os grandes corruptores, os donos do poder no Brasil, elegem e nomeiam de regra nos cargos estratégicos públicos os que serão corrompidos. Veja-se a fórmula de Eduardo Cunha de se infiltrar nos postos-chave da administração pública e de entidades-peças que atendem o conluio e malversação.
As assimetrias das penas levaram até a execução por fuzilamento os corrompidos, mas renderam uma drástica redução da corrupção visceral da China.
A assimetria de penas representa a quebra do círculo, deixando de compensar um lado castigando o outro.
No Brasil, haja vista a gravidade e o peso da corrupção na vida de qualquer indivíduo, que perde serviços sociais e ainda contribui com impostos elevados, quer dizer, assume privações, implantar-se penas duras já vem com atraso. Eliminar os sigilos e instituir um órgão que fiscalize a evolução patrimonial dos detentores dos cargos mais altos, criar órgãos de combate especializado e tribunais dedicados, determinar o banimento vitalício, penas de valor muito superior aos prejuízos, etc.
Ocorre que propostas dessa envergadura não saem de um Congresso que tem entre seus líderes os mais atingidos pelo endurecimento das penas. O país está sentado em seu rabo e não conseguirá se levantar tão cedo.
A prática de delação se firmou nos últimos dois anos como forma certeira no combate à corrupção. Ajudou a desvendar o sistema tentacular de malandragem que está na origem do retrocesso econômico ocorrido de 2013 a 2017. Tanto crescemos, tanto retrocedemos, perdendo os avanços acumulados de 2006 a 2012.
Como instrumento, a delação serviu para destocar o mal maior e revirar suas raízes ao sol. Firmou-se ao conceder redução na execução das penas para quem revela e fornece provas de esquemas delituosos.
O delatado uma vez encurralado, se quiser alívios, deve contribuir para tirar de circulação outros culpados e estancar esquemas criminosos. Nessa corrente denunciatória, as peças do dominó da corrupção nacional caíram. Mesmo assim, os acordos de leniência, limitados a pagamentos de longo prazo, deixam os corruptores nas mesmas posições estratégicas para tornar a desfrutar e se esbaldar de fraudes. O ganho deles não está nas atividades, nos lucros delas, mas exatamente nas fraudes e desvios monumentais que a relação com os cofres públicos permite realizar.
Mais recentemente evoluiu-se da mera delação para a mais abrangente “colaboração premiada de fato”, como no caso da JBS, com executivos engajados na gravação, filmagem e apresentação de provas que permitiram flagrar malas de dinheiro e mochilas passando do setor privado para detentores do poder público.
A delação se consolidou na Itália para desbaratar a máfia e levar à prisão vitalícia 300 líderes mafiosos, que, aos poucos, vêm envelhecendo e falecendo atrás das grades. Serviu em seguida também para dar um golpe certeiro com a operação Mani Pulite (inspiradora da Lava Jato) na podridão política.
“Mors tua, vita mea” quer dizer “tua condenação me deixa vivo e livre”, essa a lógica rasteira da colaboração. Corre-se dessa forma o risco de que delações fantasiadas e sem provas façam perder tempo e, quando vazadas, abalem indevidamente reputações. Disso a necessidade de precauções, concedendo as garantias tempestivas de conhecimento das acusações. Isso na Itália é determinado pelo “aviso de garanzia”, que permite, no decorrer da juntada de provas ao inquérito, a apresentação de contraprovas pela defesa. Aqui não ocorre para legitimar as conclusões de uma investigação. Trata-se de uma forma mais primitiva, do Velho Oeste.
Existem países orientais e mediterrâneos onde a corrupção é pervasiva (se insinua facilmente em ambientes e se enraíza), e o Brasil, mesmo separado das águas mornas do Oriente, se apresenta impregnado pelo vício. Nesse ambiente facilmente corruptível é difícil que as dinâmicas sociais ou as transações sejam totalmente isentas de interesses pessoais, de atitudes do levar vantagem. A partir do mau flanelinha que ameaça riscar um carro, até subir os degraus mais altos do poder, a forma de apresentar dificuldades para vender facilidades se enraizou e se apresenta como praga.
A burocracia se vale da legislação medieval brasileira para garantir recorde de corrupção nos atos públicos, praticados nas formas mais sutis e perversas. O Estado aparece como um déspota, um monstro.
Na China, que historicamente viveu à mercê da cultura da corrupção, em 1997 decidiu-se quebrar a simetria das penas da corrupção ativa e passiva, e deixar o corrompido com ônus maior. Partiu-se do princípio de que quem paga é achacado pelo corrompido, destinando assim penas escorchantes e até a morte para o funcionário público, que por determinação constitucional precisa ser colaborativo, imparcial, solícito e imprescindivelmente honesto.
Pode ser contestado o método chinês, pois os grandes corruptores, os donos do poder no Brasil, elegem e nomeiam de regra nos cargos estratégicos públicos os que serão corrompidos. Veja-se a fórmula de Eduardo Cunha de se infiltrar nos postos-chave da administração pública e de entidades-peças que atendem o conluio e malversação.
As assimetrias das penas levaram até a execução por fuzilamento os corrompidos, mas renderam uma drástica redução da corrupção visceral da China.
A assimetria de penas representa a quebra do círculo, deixando de compensar um lado castigando o outro.
No Brasil, haja vista a gravidade e o peso da corrupção na vida de qualquer indivíduo, que perde serviços sociais e ainda contribui com impostos elevados, quer dizer, assume privações, implantar-se penas duras já vem com atraso. Eliminar os sigilos e instituir um órgão que fiscalize a evolução patrimonial dos detentores dos cargos mais altos, criar órgãos de combate especializado e tribunais dedicados, determinar o banimento vitalício, penas de valor muito superior aos prejuízos, etc.
Ocorre que propostas dessa envergadura não saem de um Congresso que tem entre seus líderes os mais atingidos pelo endurecimento das penas. O país está sentado em seu rabo e não conseguirá se levantar tão cedo.
Jornal O
TEMPO
Nenhum comentário:
Postar um comentário