sábado, 30 de setembro de 2017

A inevitável Intervenção Cívica Constitucional

Jorge Serrão

Muita bobagem tem se falado sobre “Intervenção Militar”. Ela não vai acontecer. Descarte a hipótese de uma quartelada. As Forças Armadas não vão botar tropa na rua para dar “golpe” do jeito convencional. Nenhum General vai subir no cavalo para proclamar uma Nova República. Os militares brasileiros nunca tiveram tanta clareza da importância democrática: a Segurança do Direito, que viabiliza a Ordem Pública, e garante a vida - focada na obediência consciente às leis e voltada para a paz social. Só quem pode assegurar isto é o povo – por mais idiota que seja ou pareça ser.

Ainda sob hegemonia do Crime Institucionalizado, o gravíssimo momento brasileiro tem novidades históricas. A primeira é que a população atinge níveis recordes de indignação e emputecimento contra o Estado-Ladrão e seus dirigentes: políticos ou burocratas que formam uma espécie de baronato criminoso. A segunda é que grupos com análise estratégica e capacidade pensante se unem para formular soluções viáveis para o Brasil, raciocinando sobre conceitos corretos – coisa que era rara no País das “idéias fora do lugar” ou copiadas de outros lugares, inaplicáveis à nossa realidade.

Terceira: a onda conservadora (tendência mundial) engole uma esquerda burra, incompetente e criminosa, ao mesmo tempo em que ridiculariza e neutraliza uma zelite estúpida, oligárquica, rentista, escravagista, que ainda se acha dona do Brasil. Os dois extremos são estadodependentes. Só sobrevivem na máquina estatal ou em função das benesses estatais, nem sempre legítimas ou “legais”. Por isso dependem de relações promíscuas com as bandas apodrecidas do Executivo, Legislativo Judiciário e dos diversos aparelhos repressivos do Estado-Ladrão. O Crime se organiza na relação delitiva entre bandidos de toda espécie e a burocracia estatal – gigantesca e cada vez mais caríssima.

Esses “extremos” de canalhas e corruptos estão apavorados com a “intervenção Militar” que não vai acontecer. Os imbecis deviam ter medo, de verdade, da outra ação em andamento: a inevitável Intervenção Cívica Constitucional. A mudança cultural e institucional é promovida pela parte do tal “povo” capaz de pensar, formular soluções, agir racionalmente e liderar mudanças focadas na Democracia. O fenômeno é facilmente perceptível nas redes sociais e nas ruas. É ignorado pela mídia tradicional, emburrecida pelo gramscismo e contaminada pela canhotice. O rentismo também finge que não percebe a realidade, alternando euforia com ganhos fáceis e imediatos e com faniquitos emocionais a cada pequena perda, enquanto dá uma especulada na bolsa de valores, uma golada no whisky, uma baforada do charuto ou uma inútil aposta nas requintadas mesas de jogos de azar, em clubinhos seletos.

O povo que rala para sobreviver, do jeito que pode, começa a perceber que ele pode ser o protagonista da História. Em protestos de massa, já percebeu que pode ajudar a derrubar incompetentes do poder. Ao mesmo tempo em que descobriu que não é fácil depor bandidos profissionais. A maioria já identificou que existem três “culpados” (dolosos ou culposos): o Estado-Ladrão, sua atual Constituição (com um infindável aparato de leis contraditórias e sem legitimidade) e uma gigantesca burocracia, incluindo o segmento que mais criticado e odiado – os políticos. Os “culpados” são parasitas que roubam recursos das pessoas e da Nação.

A boa novidade é que os “culpados” tomam tanta porrada ultimamente que nunca estiveram tão acuados. Eles se borram de medo da “Intervenção Militar” que não acontecerá. Deviam ter medo real da Intervenção Cívica Constitucional em andamento... O problema é que vivem em outro planeta ou no ilusório mundo da “burrocracia”... Só levam uma vantagem: o Estado-Ladrão é tão gigante no Brasil que qualquer mudança estrutural é naturalmente sabotada pelo tamanho exagerado da máquina. Acontece que uma “Intervenção Cívica Constitucional” tem capacidade de romper, no tempo certo, com a estrutura criminosa.

O Brasil caminha para a formulação de uma Constituição enxuta, com declarações de princípios legais e liberais, entendida por qualquer um para ser facilmente cumprida (sem necessidade de “interpretações” pelo Judiciário). Este é o desenrolar da inédita Intervenção Cívica Constitucional. Neste processo – agora sim para cagaço generalizado (sem trocadilho) dos bandidos -, o povo conta com imenso apoio dos militares – que são estudiosos da realidade brasileira, por formação e dever legal. Patriotas, os militares também clamam por mudanças. Em livres debates com a sociedade, no limite legalista em que a atuação deles permite, oficiais de nossas Forças Armadas participam de debates de alto nível para o aprimoramento institucional brasileiro.

É por isso que a polêmica em torno de uma manifestação livre e democrática do General Mourão gerou tanto frisson – no “braço forte” que defende uma “intervenção” contra o Estado-Ladrão e na “mão inimiga” da ladroagem e do rentismo Capimunista. Pessoas de bem ou bandidos amadores e profissionais, é bom que vocês saibam que a Intervenção Cívica Constitucional é um processo histórico sem volta no Brasil. O fenômeno está em andamento. A velocidade vai depender do grau de degradação da máquina estatal que produz muita roubalheira, injustiça, impunidade, rigor seletivo e violência descontrolada.

O Crime Institucionalizado será legitimamente “golpeado”, não por meras quarteladas, mas sim por um movimento cidadão e muito bem estruturado de mudanças focadas na Democracia.

Está se formando e consolidando um Núcleo Monolítico do Poder Nacional. Tudo ocorre a partir da fusão indissolúvel e legítima do povo com suas Forças Armadas. O Alto Comando Militar, sobretudo no Exército, tem clareza deste fenômeno Histórico. Outro poder com capacidade de moderação social, o Judiciário, começa a entender isto, na base da pressão popular e da atitude corajosa e correta de alguns de seus membros, principalmente nas primeiras instâncias.

Breve, teremos uma nova Constituição para debater livremente. Chega de ficar nas redes sociais fofocando, brigando feito idiota, falando abobrinha ou fingindo que faz uma revolução ficando a bunda diante de um computador ou teclando no smartphone. O mundo em conflito precisa de um Brasil em equilíbrio e livre do domínio do Crime. Por isso, as mudanças são inevitáveis e inadiáveis.

Quem tem medo de “Intervenção” é porque tem culpa (ou dolo) no “Cartório”... Deve tomar remédio para dor de barriga, se recolher ou se mudar para Cuba (ou Miami)...

Enquanto prepara a “mudança”, responda, com sinceridade: Como é que um Presidente com apenas 3% de aprovação faz projeto entreguista de privataria, para alegria de alguns rentistas sem noção?

Alerta Total


A desigualdade oculta

José de Souza Martins

De que desigualdade se trata quando as estatísticas nos dizem que os ricos estão mais ricos, e os pobres, imobilizados na mesma pobreza? Ricos de que e pobres de quê? É claro que é esse um sinal de que a sociedade brasileira vai mal. Mas onde está o conteúdo social dessa diferença? Milhões de brasileiros estão fora das estatísticas, tanto os muito pobres quanto os muito ricos. Pouco sabemos sobre a economia clandestina dos pobres e a economia oculta dos ricos. As revelações da corrupção política apontam milhões de reais circulando por fora da rede e dos meios fiscais de vigilância da decência econômica.

As diferentes teorias do desenvolvimento capitalista nos dizem que é da natureza dos ricos ficarem mais ricos. Se não o fazem, estão traindo a missão histórica que lhes cabe, que é a de gestores da produção capitalista da riqueza. Foi Karl Marx quem disse isso no primeiro tomo de "O Capital". Tenho notícia de um único grande empresário brasileiro que foi leitor de Marx: Roberto Cochrane Simonsen, um dos fundadores da Fiesp. O parceiro de Marx, aliás, foi um industrial têxtil, Frederick Engels.

O capitalista tem a responsabilidade social de administrar o capital que lhe está nas mãos como bem privado, mas que é, de fato, um bem público pelas funções sociais que tem. Ele é um funcionário de seu próprio capital, e não um patrão de si mesmo. Fracassa quando é mau empregado. Essa impessoalidade foi analisada por Max Weber em seu clássico estudo sociológico sobre "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo".

Capitalista que não acumula capital é o que vai a caminho da falência. Como é um traidor de sua classe social o capitalista que acumula por meio da corrupção. O fracasso do capitalista é o fracasso do sistema que lhe define a vocação, o chamamento para fazer o sistema funcionar. Se ele não ficar cada vez mais rico, não atuará empresarialmente para criar emprego para trabalho e remuneração dos mais pobres, para integrá-los na sociedade de consumo, para fazê-los sujeitos da sociedade baseada na premissa contraditória de que é uma sociedade de pessoas juridicamente iguais e economicamente desiguais.

É esse o fundamento da crítica social que faz da sociedade capitalista tema e referência dos julgamentos morais. Julgamentos que dizem alguma coisa que não pode ser ignorada por aqueles que tem a responsabilidade de assegurar o equilíbrio das relações sociais e aquilo que se chama de justiça social.

Distribuição desigual não é apenas distribuição desigual da riqueza, mas sobretudo distribuição desigual da consciência social e dos meios culturais que permitem a todos compreender as iniquidades constitutivas do sistema e a possibilidade da sua correção.

Para discutir as desigualdades sociais e a injusta distribuição da renda é preciso ir muito adiante das estatísticas que nos dizem que os ricos ganham cada vez mais e os pobres ganham o mesmo que ganhavam ou ganham menos. É necessário fazer a listagem das iniquidades que respondem pela involução social na evolução econômica. E isso não estamos fazendo. Não estamos fazendo a crítica social e política do pseudoneoliberalismo que manda a conta dos riscos da acumulação da riqueza aos desvalidos, aos aposentados, às futuras gerações, aos pobres de meios para se defenderem da prepotência dos que tudo podem e nada percebem. E não aos corruptos, aos inescrupulosos, ao Estado voraz de tributos e mesquinho nas retribuições pelos tributos que recebe.

Desigualdade não é só nem principalmente desigualdade de rendimentos. Desigualdade é, também, desigualdade de percepção, compreensão e consciência das consequências sociais dos ganhos desiguais e injustos, das privações que daí decorrem. As desigualdades são socialmente constitutivas desta sociedade unicamente enquanto os desiguais a aceitam e legitimam. Enquanto as vítimas com elas se conformam na esperança de que nela ainda haja um lugar para si, seus filhos e netos.

Porém, quando surge a consciência de que a desigualdade é expressão de uma iniquidade sem saída, essa legitimidade desaparece. Estamos vivendo o momento perigoso desse limiar do abismo. São tantos os indícios de revolta e indisciplina contra as desigualdades sociais, em face da impunidade dos agentes da corrupção que as acentua, um crime de lesa-pátria, da serenidade dos que nos tratam como idiotas culturais, na indiferença ante nossa indignação, que não há como negar que ultrapassamos a fronteira da reprodução serena do capitalismo subdesenvolvido que é o nosso. É a difundida consciência de que talvez já não tenhamos presente e que o futuro está ameaçado pela irresponsabilidade e insensibilidade dos que nos iludem e nos enganam.

Valor Econômico


sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Ministério Público sem controle externo é uma aberração no regime democrático

Editorial

A Constituição de 1988 foi um valioso instrumento para consolidar a redemocratização do País, resgatando o respeito a importantes direitos e garantias fundamentais. Deve-se reconhecer, no entanto, que ela também trouxe alguns sérios problemas, que até hoje dificultam o desenvolvimento político, econômico e social da Nação. Várias reformas constitucionais foram feitas, mas os desequilíbrios ainda persistem e, em alguns casos, foram agravados. Basta ver, por exemplo, o tratamento dado pelo texto constitucional a supostos direitos, sem a necessária contrapartida e, pior, sem condicioná-los à existência de recursos. Um grave problema fiscal foi introduzido no próprio fundamento do Estado.

Outro sério problema institucional trazido pela Constituição de 1988 foi o tratamento dado ao Ministério Público, contemplado com uma autonomia que, a rigor, é incompatível com a ordem democrática. Num Estado Democrático de Direito não deve existir poder sem controle, interno e externo. Não há poder absoluto. Explicitamente, a Constituição de 1988 não confere poderes absolutos ao Ministério Público, mas, da forma como ele está organizado, sem hierarquia funcional, cada membro da instituição torna-se a própria instituição.

Ao longo dos anos, esse problema foi agravado por dois motivos. Em primeiro lugar, consolidou-se nos tribunais uma interpretação extensiva das competências do Ministério Público. Obedecendo a uma visão unilateral, que olhava apenas para os supostos benefícios de uma atuação “livre” do Ministério Público, permitiu-se que procuradores se imiscuíssem nos mais variados temas da administração pública, desde a data do vestibular de uma universidade pública até a velocidade das avenidas. Parecia que o Estado nada podia fazer sem uma prévia bênção do Ministério Público.

A segunda causa para o agravamento da distorção foi uma bem sucedida campanha de imagem do Ministério Público, que, ao longo dos anos, conseguiu vincular toda tentativa de reequilíbrio institucional à ideia de mordaça. Qualquer projeto de lei que pudesse afetar interesses corporativos do Ministério Público era tachado, desde seu nascedouro, de perverso conluio contra o interesse público. O resultado é que o País ficou sem possibilidade de reação.

Na prática, a aprovação no concurso público para o Ministério Público conferia a determinados cidadãos um poder não controlado e, por isso mesmo, irresponsável. Nessas condições, não é de assustar o surgimento, em alguns de seus membros, do sentimento de messianismo, como se o seu cargo lhes conferisse a incumbência de salvar a sociedade dos mais variados abusos, públicos e privados. Como elemento legitimador dessa cruzada, difundiu-se a ideia de que todos os poderes estavam corrompidos, exceto o Ministério Público, a quem competiria expurgar os males da sociedade brasileira.

Nos últimos três anos, esse quadro foi ainda reforçado pelos méritos da Lava Jato, como se as investigações em Curitiba conferissem infalibilidade aos procuradores e um atestado de corrupto a todos os políticos. Os bons resultados obtidos ali foram utilizados para agravar o desequilíbrio institucional.

Construiu-se, assim, a peculiar imagem de um Ministério Público inatingível, como se perfeito fosse. Basta ver, por exemplo, o escândalo produzido quando o Congresso não acolheu suas sugestões para o combate à corrupção. A reação dos autores do projeto foi radical: ou os parlamentares aceitavam todas as vírgulas – com seus muitos excessos – ou seriam comparsas da impunidade.

Pois bem, esse monopólio da virtude veio abaixo nos últimos meses de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ações radicais e destemperadas deixaram explícita a necessidade de que todos, absolutamente todos, estejam sob o domínio da lei, com os consequentes controles. Poder sem controle não é liberdade, como alguns queriam vender, e sim arbítrio.

Na crise da PGR envolvendo a delação de Joesley Batista há uma incrível oportunidade de aprendizado e de reequilíbrio institucional. Com impressionante nitidez, os eventos mostram que também os procuradores erram.

Estadão

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Com barraco destruído por 'guerra' na Rocinha, ex-'dona do morro' diz que não há heroísmo no tráfico: 'é um ponto final na vida do sujeito'

BBC-Brasil

Os novos confrontos na Rocinha, os tiroteios, as paredes esburacadas, o tanque na porta, um menino que viu um morto na rua com os olhos abertos, a sensação de que voltar para casa é "chegar ao inferno" - tudo isso vem dado uma sensação de déjà vu a Raquel de Oliveira.

"A história se repete", afirma a escritora e moradora da Rocinha, de 56 anos, dizendo-se triste pelo presente e "completamente cética" em relação ao futuro.

Raquel já esteve do outro lado dessa guerra, chefiando o tráfico da Rocinha, na zona sul do Rio, no fim dos anos 1980, "missão" herdada depois da morte de seu namorado, o traficante Ednaldo de Souza, o Naldo, que foi "dono do morro". 

Ela revisita o passado de violência em seu primeiro romance, A Número Um(Casa da Palavra, 2015), uma obra de ficção inspirada em sua trajetória no tráfico, que incluiu três guerras na Rocinha e muitos "condenados à morte".

A mais recente guerra na maior favela do Rio, precipitada por uma disputa pelo controle do tráfico, levou a cúpula de segurança do Estado a pedir o apoio do Exército, com o envio de 950 homens das Forças Armadas à Rocinha na sexta-feira passada.

Ao ver mais um surto de violência, Raquel diz não sentir culpa nem arrependimento pelo envolvimento que teve na história violenta do local.
"Como eu poderia ir por outro caminho, se só tinha aquela estrada ali?", questiona, em entrevista à BBC Brasil. "Você cria a criança no meio de ladrões e quer que ela seja um empresário famoso de moda?"

Ela considera ter tido muita sorte por sair de um caminho que costuma ser sem volta, "um ponto final", graças a pessoas que a ajudaram a largar o tráfico e a superar o pesado vício em cocaína, uma luta diária que a acompanha há 12 anos.

Mas diz que a Rocinha agora está "entre a cruz e a espada", temendo que o vácuo dê margem à entrada de uma nova facção criminosa ou mesmo de milicianos.

Raquel conta que começou a usar drogas aos seis anos. Com essa idade também foi vítima de uma tentativa de abuso do pai, pedófilo, e a mãe passou a mantê-la trancada por dias a fio em seu barraco. Cheirava cola para enganar a fome, depois passou para a maconha. Aos 9 anos, foi vendida pela avó a um bicheiro do morro. Aos 11 anos, ganhou sua primeira arma e passou a trabalhar "intensamente" para o jogo do bicho.

Descobriu na escrita o caminho para superar a dependência. Na reabilitação, foi incentivada a escrever para conseguir extravasar suas emoções, e descobriu um prazer e um talento até então insuspeitos.
Depois disso, completou o ensino médio, se formou em pedagogia em 2014, publicou poesias e contos em coletâneas da Festa Literária das Periferias (Flup) - e agora está escrevendo um novo romance, a ser publicado pela Companhia das Letras, e comemora que seu A Número Um em breve sairá em Portugal e na França e teve os direitos comprados para o cinema - o roteiro do livro está em fase de produção e o longa-metragem deve ser lançado em 2019.

BBC Brasil - Como você passou essa última semana na Rocinha? Sua casa foi afetada pelas trocas de tiros?
Raquel de Oliveira - A minha casa fica numa linha difícil, um beco que é caminho (rota do tráfico). Teve confronto aqui e a cozinha foi atingida. As paredes ficaram todas esburacadas, quebrou janela, porta, furou o piso de cerâmica. Isso começou de madrugada, eram 5h da manhã, estávamos dormindo. Graças a Deus o quarto é nos fundos. A gente colheu as balas que ficaram na parede, tinha bem umas quinze. E tinha dois defuntos no beco. Agora tem um tanque de guerra no meu portão.

Essa é a casa da minha mãe, onde moro e onde nasci. Eu tenho outra casinha na Rua 2, que alugava para ter alguma renda. Deu perda total. Não sobrou nada, está tudo furado de bala. A família (de inquilinos) saiu e nem pagou o mês. São barracos, né, não são casas não. Sou muito pobre, minha filha. Tudo o que o tráfico me deu, a cocaína levou. Cheirei tudo.

Mas eu dei sorte, não furou a minha caixa d'água, não furou o fogão nem a geladeira, não pegou em ninguém. Está tudo bem, graças a Deus.

BBC - A senhora nasceu na Rocinha em 1961 e assumiu o tráfico na favela nos anos 1980 depois da morte do Naldo. Como se sente diante de um novo conflito em torno da disputa do poder no morro?
Oliveira - Essa semana foi bem difícil. A história se repete. Fico muito triste. Porque foi uma guerra anunciada, tanto do lado da polícia quanto da comunidade.
O bagulho é um barril de pólvora, vinha crescendo e deu nisso. Acaba explodindo. É uma tradição da Rocinha. Nada que é do mal coopera para o bem. A tendência é as coisas entrarem nos eixos e o tráfico de drogas ser restabelecido, como foi na minha época.

BBC - Qual é a história que você diz que se repete?
Oliveira - Essa história da entrada da polícia e do Exército aqui. Teve isso quando implantaram esse fracasso da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), teve isso quando o Nem foi preso (Antônio Bonfim Lopes, ex-chefe do tráfico na Rocinha, preso em 2011). Na minha época, nas operações Mosaico 1 e 2, o Exército tampou a favela (as operações Mosaico foram uma série de investidas em favelas cariocas no fim dos anos 1980, planejadas pela Polícia Federal para conter o crescimento do tráfico de entorpecentes). Hoje digo graças a Deus, porque foi preciso o apoio do Exército para apaziguar a situação. Entre aspas, né?
Enquanto não houver um programa sério para a questão da dependência química e da droga, não vamos a lugar nenhum. Vi um delegado falando que são os ricos de São Conrado que vêm comprar cocaína na Rocinha. P*rra nenhuma. Quem mantém o tráfico dentro da favela é o usuário regular, aquele que usa todo dia, que vende o liquidificador, a TV, o sapato, a criança, o corpo para comprar a droga. Esse é o usuário que banca o tráfico. Esse é o dinheiro que entra certinho todo dia, como um salário.
Eu conheço o Rogério 157 há muito tempo (Rogério Avelino da Silva, que estava chefiando o tráfico na Rocinha até a disputa que começou semana passada). Éramos conhecidos de vizinhança. Ele nem tinha vida no crime ainda, era um menino, normal. Com o tempo nessa posição (de chefe do tráfico), ele foi enlouquecendo. Fui a um churrasco em que ele apareceu muito transtornado, drogado, as pessoas ficaram com medo dele. A droga tira a noção de realidade.

BBC - Como foi para você encontrá-lo assim?
Oliveira - Nós conversamos, ele queria o meu livro. Eu vejo com uma certa dó. Não estou vitimizando ninguém. Mas são caminhos que a pessoa trilha que não têm volta.
Quem usa droga e vai para o tráfico, isso é um ponto final na vida do sujeito. Um sujeito como Rogério. Uma pobreza miserável. Virou ladrão. Começou a fumar maconha. Foi preso. Na cadeia, aceitou ajuda do tráfico. Se você tá na cadeia e aceita esse tipo de ajuda, tá ferrado. Porque quando sair de lá, tá escravo. Agora, se tivesse mais oportunidade para essas pessoas lá atrás, será que elas chegavam nesse ponto final? Será que as nossas cadeias estavam tão cheias?
Eu não faço apologia ao crime. Porque isso não é vida para ninguém. É aquela parada: pague para entrar, reze para sair. Eu até me emociono. Eu amo tanto a Rocinha. É um lugar tão rico e ao mesmo tempo tão miserável.

BBC - Você parou para pensar que, em outros tempos, poderia ter sido você por trás de parte daqueles tiros?
Oliveira - Eu tive momentos de déjà vu muito grande. Continuo tendo. Quando voltei para casa esses dias de ônibus, cheguei na Via Apia (na entrada da Rocinha) e pensei: "Chegamos no inferno". Vi o rosto pesadão dos outros passageiros. Eu tinha essa sensação quando estava lutando para parar de usar droga. Em 2009, eu passava o dia no tratamento intensivo, jantava e vinha embora. O ônibus entrava na Rua 1 e eu pensava, "cheguei no inferno".
É muito difícil ter a sorte que tive de superar o uso de drogas, de encontrar a recuperação, de trilhar o rumo da literatura, de encontrar pessoas maravilhosas como o Júlio Ludemir e o Écio Salles, da Flup (os idealizadores da Festa Literária das Periferias). Isso me deu um objetivo de viver, tive um despertar espiritual. Isso é raro.

BBC - Mas olhando para toda essa violência, você se arrepende de ter sido parte disso no passado?
Oliveira - Eu não tenho arrependimento. Eu sinto é uma dó desgraçada de uma vida desperdiçada. Eu tinha grandes possibilidades. Eu tenho QI (quociente de inteligência) de 180. Consegui terminar a faculdade agora, fiz Enem, gabaritei a prova de redação, fiz poesia a partir da recuperação de drogas (Raquel começou a escrever durante o tratamento para superar o vício). Se eu tivesse tido uma estrutura familiar saudável e uma boa educação, onde eu estaria hoje?
gora, eu não tenho arrependimento. Eu agi conforme a lei que eu conhecia. Como eu poderia ir por outro caminho, se só tinha aquela estrada ali? À minha volta era só aquilo. Não tinha como, meu bem.
Você cria a criança no meio de ladrões e quer que ela seja um empresário famoso da moda? Você não consegue colher coisa boa se só planta coisa ruim. Se só dá um caminho para a pessoa andar. Vai ser pedra até o fim.
Que outro caminho teria para uma pessoa que passou por tudo que passei? Fui até feliz. Consegui tirar o melhor do pior. Dei uma sorte ferrada. Eu poderia estar lá até hoje, ou ter morrido de arma da mão. Ter dado a vida em troca de nada. Porque tudo isso é uma ilusão. É uma guerra inútil.
O arrependimento desgraçado que eu tenho é do uso de drogas na minha vida, que acabou com tudo que eu poderia ter.

BBC - Você teve uma história muito sofrida já desde criança. O que te levou a se envolver com drogas tão cedo?
Oliveira - Eu tive uma infância miserável. Meu pai era pedófilo. Isso eu fui descobrir com 6 anos, mas graças a Deus ele não conseguiu consumar o ato. A minha mãe era passiva e eu fiquei trancada dentro do barraco. Ficava até uma semana trancada dentro do barraco. Eu tinha 6 anos.
Comecei a sair pela janela e a andar em cima dos telhados da favela. A gente passava muita fome. Cheirava cola para enganar a fome. A maconha já rolava entre os mais velhos e a gente passou a fumar também.
Quando eu tinha nove anos, a minha avó me vendeu para o sistema político vigente na época, que era o jogo de bicho. Isso era uma prática comum aqui e no Morro da Providência. E aí eu dei uma sorte danada. Pela misericórdia eu não fui transformada em prostituta nem usada sexualmente por esse homem que me comprou. Ele teve que me assumir como padrinho. Aí entra um sincronismo religioso. Ogum nasceu na terra e deu a ordem. O bicheiro era muito ligado a São Jorge, que na umbanda é Ogum. Eu dei essa sorte, aconteceram uns sinais.
Quando eu tinha 11 anos, ganhei a primeira arma e fui trabalhar no barracão do bicho. Limpava as armas, depois passei a fazer a contabilidade, registrar os pagamentos dos agiotas, das putas, ia recolher o dinheiro. Até os 15 anos, trabalhei intensamente para o jogo de bicho.

BBC - E depois você foi para o tráfico. Como você compara os dias de hoje à época em que você, e antes o Naldo, comandavam a venda de drogas no morro?
Oliveira - Hoje tem toda uma outra tendência. Aquela coisa de heroísmo, do bandido Robin Hood, isso aí não existe mais. Na minha época a gente era tratado como herói, pela falta absoluta de assistência pública, de qualquer tipo de apoio do estado, dentro das favelas.
Mas a história se repete. É uma história perpétua de luta pelo poder. Não é a luta pela boca de fumo, pelos pontos de venda de drogas. A droga você vende em qualquer esquina, vai ali no Baixo Gávea que tem gente vendendo. A disputa é pelo poder. Vai muito além. Na minha época era pelo território. Hoje é por poder econômico.

BBC - Como você recebeu a entrada das Forças Armadas na sexta-feira passada?
Oliveira - Eu tive que ir para o meio do fogo cruzado para buscar a minha neta na creche. Quando eu saí, estava lotado de bandido aqui na entrada. E eu gritando, eu vou passar nessa p*rra! Mais pra baixo, tinha um grupo de policiais acuados.
Com o tiroteio, a gente nem se lembrou que era aniversário da minha mãe. Ela mora comigo. Fez 88 anos no dia 22 (a sexta-feira em que os militares chegaram à Rocinha). Quando a situação acalmou que a gente lembrou. Caramba! É aniversário da velha. Aí compramos um bolinho e um sorvetinho na padaria e cantamos um Parabéns. O pedreiro já tinha começado a tapar os buracos de tiros na cozinha.
Eu agradeço muito essa tomada do Exército, foi primordial. Se não tivesse acontecido, não teríamos conseguido um pouco de paz, um período de rendição.
Mas fico muito triste que os militares só vieram para acudir depois que a situação chegou lá a São Conrado. Quando um ônibus foi incendiado no asfalto o secretário de Segurança Pública (Roberto Sá) e o (governador Luiz Fernando) Pezão voltaram atrás e admitiram que a Rocinha precisava de intervenção militar. Enquanto isso a gente estava aqui vivendo o terror.

BBC - Em todos esses anos na Rocinha, você viu alguma melhora? Você tem esperança que as coisas melhorem no futuro?
Oliveira - Eu sou completamente cética. Não tenho esperança nenhuma de que vai acabar o tráfico de drogas. Sei o rumo que isso vai ter e só peço a Deus que não sejamos entregues nas mãos do Comando Vermelho (CV). Eu gostaria muito que a Rocinha continuasse nas mãos da ADA (Amigos dos Amigos), porque se for para o CV, o que vai entrar na favela é o crack, essa pá de cal (a ADA proíbe a venda da droga nas favelas que domina). Aí vou fazer minhas malas e sair daqui. Porque não quero ver o cenário de degradação que o crack traz.
A gente fica nessa situação, entre a cruz e a espada. E não pode orar a Deus e pedir para a polícia tomar conta, que vai virar milícia. Aí vai subir o morro e ter que pagar pedágio. Eu me sinto assim num cenário nostálgico, vendo a história se repetindo, se repetindo, se repetindo.


'Cego, surdo e de dentes quebrados': pais de estudante americano acusam Coreia do Norte de torturar sistematicamente seu filho

BBC-Brasil
(*)

Os pais de Otto Warmbier, o estudante americano que morreu em junho após passar 15 meses em uma prisão na Coreia do Norte, revelaram detalhes do estado de saúde do filho quando foi libertado e repatriado.

Em entrevista à rede de TV Fox, a primeira desde a morte de Warmbier, Fred e Cindy Warmbier acusaram os norte-coreanos de "sistematicamente torturarem" seu filho. O casal chamou seus captores de "terroristas".
Warmbier foi preso em Pyongyang no início do ano passado após roubar um pôster de um hotel da capital.

Ele foi libertado por razões médicas em junho deste ano, mas chegou aos EUA gravemente doente e morreu dias depois.

O governo norte-coreano afirma jamais ter maltratado Warmbier e alega que ele teve botulismo - uma grave intoxicação bacteriana - e tinha entrado em coma na prisão.

No entanto, médicos que cuidaram de Warmbier nos EUA não encontraram qualquer traço da doença.

'Não foi acidente'
Os pais do estudante disseram que a entrevista foi motivada pelo desejo de "contar a verdade sobre as condições em que Otto se encontrava".

Médicos americanos disseram que Warmbier se encontrava em um estado de "acordado, mas sem responder a estímulos", acrescentando, porém, que estava longe de ser um coma.

Fred Warmbier disse que quando viu o filho, ele estava "perambulando, tendo espasmos violentos e emitindo sons e uivos que não pareciam humanos".

"Sua cabeça tinha sido raspada, ele estava surdo e cego. Suas pernas e braços encontravam-se totalmente deformados e ele tinha uma imensa cicatriz em um dos pés".

"Parecia ainda que alguém tinha usado um alicate para trocar de lugar seus dentes inferiores", acrescentou.

"Otto foi sistematicamente torturado e ferido intencionalmente by Kim (Jong-un, líder da Coreia do Norte) e seu regime. Isso não foi um acidente."
Mas ele também criticou o governo americano e a comunidade internacional por terem "abandonado meu filho".

Um jornal americano, o Cincinnati Enquirer, questionou as alegações do casal, porém. A publicação disse ter conseguido acesso ao atestado de óbito de Warmbier, baseado em observações externas e que revelaram diversas pequenas cicatrizes, mas nada que indicasse tortura.

O Cincinnati Enquirer citou ainda o legista que examinou o estudante para dizer que seus dentes estavam "em bom estado" e que ele pareceu ter morrido por causa de danos cerebrais causados por falta de oxigênio. Os pais de Warmbier não permitiram que ele tivesse autópsia.

Cindy Warmbier disse que a Coreia do Norte apenas mandou o filho para casa porque não gostaria que ele morresse no país.

Ela pediu ainda que as pessoas não visitem a Coreia do Norte, afirmando que o turismo serve à propaganda de Pyongyang. O governo americano proibiu desde setembro que seus cidadãos viajem para o país asiático.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conhecido por sua predileção pela Fox News, tuitou que a entrevista do casal foi "grande" e que "Otto foi torturado de forma inacreditável pela Coreia do Norte".

O comentário de Trump, assim como o "timing" da entrevista dos Warmbiers, poderá acirrar ainda mais as tensões entre Washington e Pyongyang, que há semanas trocam acusações e ameaças.

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  eu fico a imaginar se um estudante norte-coreano roubasse um pôster em um hotel americano e fizessem com ele o que os norte-coreanos fizeram com este rapaz.
A esquerda brasileira entraria em total parafuso. No mínimo teriam ataques epilépticos. Iriam para a rua babando na gravata. Mas como foi o contrário, nem uma palavra a respeito.
Bem, não sei porquê me admiro. A hipocrisia está no DNA da esquerda, não só brasileira. A verdade para eles é muito triste, pois vivem da mentira e para a mentira. O mais equilibrado esquerdista é psicopata de carteirinha.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Patrimonialismo, privilégios e corrupção

Maria Clara R. M. do Prado
(*)

Recente estudo do FMI revela que quanto mais alta a corrupção, maior é a desigualdade de renda. A correlação é direta

De repente, os economistas brasileiros descobriram que as benesses distribuídas a determinados grupos estão na raiz da má distribuição de renda no Brasil. É uma iniciativa bem-vinda. Coloca foco em práticas sedimentadas desde o período colonial, reforçadas nos 67 anos do Império e perpetuadas a partir da República Velha. Com a particularidade de subsistirem em meio ao processo de modernização econômica do século XX.

Tratar da mesma forma o público e o privado, sem distinção, é uma característica dos regimes absolutistas, onde predomina o Estado patrimonialista. A República brasileira, a despeito do avanço das instituições, manteve ao longo dos anos um pé no patrimonialismo, favorecendo os privilégios a determinados grupos sociais, via de regra nos segmentos de maior renda, em detrimento do progresso da sociedade como um todo.

A corrupção, como se sabe, facilmente frutifica naquele tipo de conjugação, mas vamos primeiro tratar da preferência por "poucos" e os sinais de subdesenvolvimento que fazem do Brasil um país desigual, basicamente atrasado em aspectos que são hoje fundamentais no processo de desenvolvimento: a melhoria do padrão de vida, o aumento da produtividade, a construção de um mercado robusto e a imparcialidade institucional.

O fosso educacional é o pecado número um. Sempre lembrado, estudado e debatido, tem se reduzido muito lentamente nos últimos anos. Até parece que a elite brasileira, apesar do discurso, prefere manter o status quo eternamente. O medo de perder privilégios alimenta as garras de influência sobre o poder político.

Chega a ser incompreensível que um país com gasto educacional equivalente a 5,4% do PIB, um dos mais altos do mundo, registre mais de 50% da população entre 25 e 64 anos de idade com educação secundária incompleta.

O Estado brasileiro gasta, em média, US$ 3,8 mil por estudante nos cursos primário e secundário, enquanto que a média dos países da OCDE é de US$ 8,7 mil por estudante do primeiro grau e de US$ 10,1 mil do segundo grau. Na educação terciária (nível universitário) o gasto médio no Brasil é de US$ 10,6 mil por estudante, muito próximo da média dos países.

Os dados são da série "Education at a Glance", de 2017, (Educação ao Primeiro Olhar), anualmente divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento da Economia).

Além da educação estar longe da qualidade recomendável nos níveis do ensino fundamental e secundário, a distorção do sistema educacional brasileiro é gritante quando se compara com o gasto nas universidades públicas, gratuitas. Sustentadas com dinheiro do contribuinte, são frequentadas majoritariamente por alunos com renda alta. Esse é um dos privilégios que subsiste na sociedade.

Outro aspecto é o elevado nível da tributação no país, semelhante a de países desenvolvidos, e o descompasso revelado pela precariedade dos serviços públicos, não só na educação, mas também na saúde e na segurança. Pior, além de ser obrigada a sujeitar-se a imensas filas no SUS e de ficar cada vez mais refém dos bandidos que atuam nas comunidades e favelas, os mais pobres são os que pagam, relativamente, mais impostos no país. Isto pela predominância dos impostos indiretos.

Há ainda os casos conhecidos dos privilégios dos aposentados do setor público, sem falar nos altos salários das diversas esferas de governo e nos benefícios distribuídos a senadores e deputados como verbas adicionais, moradia gratuita etc...

A lista dos privilégios é imensa e se perpetua pela falta de transparência fiscal, pelas exigências burocráticas que concentram o poder na mão de poucos e pela inépcia das classes mais baixas que, por desinformação e falta de preparo educacional, não cobram dos políticos a melhoria dos serviços públicos pelo qual pagam boa parte de sua renda na forma de tributos.

Falou-se acima que a corrupção tende a florescer em sistemas paternalistas. No fundo, está tudo junto e misturado. Um recente estudo publicado no blog do FMI revela que quanto mais alta a corrupção, mais alta é a desigualdade de renda. A correlação é direta e estreita.

David Lipton, primeiro vice-diretor gerente do FMI, Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental, e Carlos Gonçalves, economista do Departamento de Pesquisa, dedicaram-se a levantar indícios de corrupção, maior ou menor, nos países latino americanos em comparação com outras regiões no estudo "Corruption in Latin America: Taking Stock" (Corrupção na América Latina: Fazendo um Inventário), publicado há seis dias.

Eles estimam que a redução nos níveis de corrupção que afetam desde o quartil mais baixo (em termos de renda) até a mediana (média da renda da população) poderia elevar a renda per capita na América Latina em torno de U$ 3 mil, acima da renda média correspondente. Admitem, no entanto, a dificuldade em mudar um padrão de comportamento que se solidificou ao longo de anos.

Em seu livro "A Nova Sociedade Brasileira", o sociólogo Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, faz uma análise do patrimonialismo no Brasil e de como evoluiu, adaptando-se aos processos de urbanização e ao avanço do capitalismo. "A legitimação do Estado brasileiro, na segunda metade do século XX, fundou-se basicamente na sua capacidade de gerar crescimento econômico, com descaso pelas dimensões sociais, em particular a educação e a saúde", escreve ele, acrescentando que "o esforço de racionalização do Estado nunca chegou a livrar-se do patrimonialismo".

A imbricada relação entre o público e o privado, tão pouco estudada no Brasil, explicitou-se com a Operação Lava-Jato. A pergunta é o que virá depois? Conseguirá o país por um fim no vício do patrimonialismo em prol de uma sociedade mais igualitária e próspera?

Valor Econômico

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  artigo primoroso. Continuamos na república com todos vícios da monarquia. Os objetivos da Revolução Francesa nunca alcançaram o Reino de Portugal, pois este preferiu fugir para sua colônia e com isto perdeu o bonde da história.
Desde que venho desenvolvendo o projeto Capitalismo Social, que me refiro à Brasília como nossa Corte e ao regime como Monarquia Republicana, pois os cortesãos apenas afastaram os Bragança e passaram eles a disputar o trono, através de referendos que eles chamam de eleições, pois só nos cabe referendar quem eles nos impõe.

Uma eleição, dois vencedores

Editorial

São raros os líderes mundiais que hoje têm de administrar um “problema” como o que paira sobre a mesa da chanceler Angela Merkel. A Alemanha registrou superávit fiscal em conta corrente de € 263 bilhões no ano passado, aproximadamente 8,5% do PIB, e saldo orçamentário nas contas públicas de € 24 bilhões apenas no primeiro semestre deste ano, o maior desde a reunificação do país, em 1990. Com números tão vistosos e situação de quase pleno-emprego, o governo precisa decidir entre o corte de impostos e o aumento dos gastos públicos.

Com as contas da Alemanha bem administradas, era previsível a recondução da chanceler Angela Merkel para o seu 4.º mandato à frente da maior economia europeia. Entretanto, o que poderia ter sido um triunfo acachapante na eleição de domingo passado foi ofuscado pela ascensão da extrema direita ao Bundestag, a Câmara dos Deputados, pela primeira vez desde o final da 2.ª Guerra.

A União Democrata-Cristã (CDU), partido de Angela Merkel, saiu do pleito com 32,9% dos votos, porcentual suficiente para dar-lhe a vitória, mas 8,6% menor do que o obtido nas eleições de 2013 e o pior desempenho eleitoral da legenda desde 1949.

Com 20,6% dos votos, o Partido Social-Democrata (SPD), que compõe a coalizão centrista com a CDU, também obteve um resultado 5,1% menor do que o registrado nas últimas eleições.

Tão marcante como a vitória da CDU e a recondução de Merkel para mais um mandato, tida como certa, foi a substancial ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), movimento nacionalista criado há pouco mais de quatro anos. A AfD quase triplicou seu desempenho eleitoral em relação ao pleito de 2013, saltando de 4,7% dos votos naquele ano para 13% na eleição de domingo.

O desempenho da AfD pode dar novo alento aos partidos nacionalistas europeus, como a Frente Nacional da francesa Marine Le Pen, que também obteve uma votação expressiva nas eleições de maio, quando recebeu cerca de 35% dos votos, ante os 65% dados ao presidente Emmanuel Macron.

Como líder do partido com o maior número de votos, a chanceler Angela Merkel deverá formar o novo governo e, assim, poderá igualar os 16 anos de poder de seu mentor político, o ex-chanceler Helmut Kohl. Não será uma tarefa fácil. Além da ascensão da AfD ao Parlamento, Merkel terá de lidar com a defecção do SPD, antigo aliado na coalizão que governa o país desde 2005. Martin Schulz, o líder social-democrata, declarou que irá migrar para a oposição.

Resta a Angela Merkel tentar compor uma heterogênea aliança entre a CDU, o Partido Verde, de centro-esquerda, e o Partido Liberal-Democrático (FPD), que trará à mesa de negociação para a formação do novo governo um pacote de profundas divergências.

“Naturalmente, esperávamos um resultado melhor. Mas nós temos a tarefa de formar um novo governo e contra nós nenhum governo poderá ser formado”, discursou Merkel na sede de seu partido, em Berlim, pouco após o anúncio do resultado das eleições.

O discurso um tanto resignado da vencedora contrasta com a confiança demonstrada por Alice Weidel, vice-líder da AfD. “Estaremos em condições de governar em 2022. Queremos agradecer aos milhões de eleitores que nos confiaram a missão de uma oposição construtiva”, disse.

O sucesso eleitoral da AfD, formada como um movimento antieuro em 2013, está fortemente amparado pela enérgica crítica que o partido fez durante a campanha à política de abertura da Alemanha aos refugiados da África e do Oriente Médio encampada pelo governo de Angela Merkel. A Alemanha é o país europeu que mais acolheu refugiados de guerra e de crises econômicas. “Se a Europa fracassar na questão dos refugiados, sua estreita relação com os direitos civis universais estará destruída”, defende a chanceler.

A vitória de domingo coloca sobre os ombros de Merkel o desafio de constituir não só o novo governo alemão, mas o de reforçar o seu papel como líder do chamado mundo livre.

O Estado de S. Paulo

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Orçamento e Gasto Público

Hélio Duque
(*)

O tripé desafiador a ser enfrentado pelo governo a ser eleito em 2018, na administração do Brasil, não será fácil: 1- Ajuste estrutural na economia; 2– desequilíbrio fiscal que é gravíssimo; e 3– deve priorizar a estabilidade econômica.  Sem estabilização das contas públicas torna-se impossível a sustentação de taxas de crescimento no médio e longo prazo. Acrescente-se que a dívida pública, em permanente crescimento, deverá merecer prioridade no seu estancamento e redução gradual ao longo dos anos. Sem o enfrentamento dessas realidades com propostas e visão de estadista, o futuro do desenvolvimento brasileiro será perringuinchante.
                  
Facilmente comprovável: em 2017, as despesas do governo federal apontadas pelo Tesouro Nacional têm perfil gravíssimo e desconhecido dos brasileiros. Na composição das despesas, o gasto com pessoal ativo, na maquina pública, representa 4,34% do PIB (Produto Interno Bruto). Em valores são R$ 285 bilhões. Já os gastos no sistema previdenciário e agregados representa 9,34% do PIB. Em valores se traduzem em R$ 613 bilhões. O comprometimento do Orçamento Federal, somente nesses dois itens, demonstra que é impossível a manutenção dessa realidade no futuro.
                  
O economista do BNDES, Fábio Giambiagi, constatou que nos últimos 25 anos o crescimento médio real das despesas se deu na média de 5% ao ano. No artigo “Escolhas Decisivas” (Valor, 11-8-2017), aprofunda análise sobre a composição das despesas do governo federal e o estrangulamento do Orçamento. Sua indagação é oportuna: “O que se pode esperar da evolução dessas variáveis, nos próximos anos?” A resposta deve frequentar o cotidiano dos brasileiros conscientes, quando comparecerem as urnas de votação em 2018.
                  
Observem, com atenção redobrada, que no Orçamento de 2017, a saúde deverá receber R$ 98 bilhões e a educação R$ 94,5 bilhões. O binômio saúde e a educação, nos Estados modernos é recebedor de dotações à altura das suas importâncias para o desenvolvimento. No Brasil receberão R$ 182,5 bilhões, enquanto as despesas com pessoal representam R$ 285 bilhões. Comprovando a existência de um Estado inchado pelo empreguismo e excesso de pessoal, em muitos setores. É uma realidade que exige e impõe urgência de reformas estruturais.
                  
Paralelamente o setor público carece de recursos para investimento na infraestrutura, reduzindo a capacidade de estímulo na geração de renda. No garroteamento do Orçamento, o sistema previdenciário, fundamentalmente a previdência pública (inclui União, Estados e Municípios) é uma bomba de efeito retardado. O déficit atuarial da previdência social brasileira, no seu todo, é insustentável. A reforma estrutural no sistema previdenciário está na ordem direta de maior equilíbrio das contas públicas. E garantia da sua própria sobrevivência no futuro, atendendo aos milhões de beneficiários.
                  
Reformar o sistema previdenciário transformou-se em debate ideológico e oportunista. No poder, Lula e Dilma defendiam a importância dessa reforma.  Igualmente FHC no seu governo. Agora, um governo impopular teve a coragem de coloca-la na ordem do dia. Quem  no passado era a favor, agora é contra por conveniência da demagogia eleitoral.
                  
Infelizmente coerência e sintonia com os verdadeiros interesses nacionais, não frequenta a agenda da classe política brasileira. Lastimável.

Catve.com

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  "Comprovando a existência de um Estado inchado pelo empreguismo e excesso de pessoal, em muitos setores. É uma realidade que exige e impõe urgência de reformas estruturais".
Demorou para cair a ficha. Empreguismo é ROUBO. Digo isto desde que iniciei o projeto Capitalismo Social, em 1975.
Quem desvia recursos públicos com aparência de legalidade, não tem mais moral para,  posteriormente, evitar a seqüência de fraudes.
Temos 11 milhões de empregados públicos, a metade sem trabalho. Realidade facilmente comprovável.
Déficit da União este ano: R$ 159 bi.
Custo com excesso de pessoal à nível Brasil: R$ 264 bi/ano.
Todas Prefeituras e todos estados falidos. Prefeituras buscando socorro nos seus estados, estados buscando socorro na União e União buscando socorro nos rentistas.
Depois se perguntam porque o juro é caro, ou, a SELIC é alta.
Dinheiro é a mercadoria do banco e a procura por parte do governo é maior do que a oferta. Sem contar o spread pelo risco de calote, normal quando se trata do governo brasileiro.
Não enfrentam o problema do empreguismo porque todas correntes ideológicas (monarquistas, conservadores, liberais e socialistas) locupletam-se desavergonhadamente nos cofres públicos, desde 1808. É esporte nacional, já é cultural.
Se a reforma estrutural e política não atacar de frente o tema empreguismo, vamos acabar em guerra civil. A hora que o governo não tiver mais recursos nem para bancar  suas folhas de pagamento inchadas, e os rentistas ficarem com medo de emprestar, a vaca vai pro brejo.


É tudo ou nada

Martim Berto Fuchs

Não sou contra o lucro, pelo contrário. Tenho o lucro como o fermento indispensável ao crescimento. Sou contra a concentração do lucro. Numa empresa, normalmente o lucro é todo direcionado aos acionistas. Considero isto um erro e por mais de uma razão.

Primeiro. Não existe produção sem a participação de trabalhadores, e considero como trabalhador TODOS envolvidos na produção de determinada empresa, desde o Presidente até o trabalhador de menor renda.

Segundo. Nas empresas de capital aberto, o lucro maior é muitas vezes gerado nas Bolsas de Valores, mais até que na produção.  

Terceiro. Quem diminui o lucro do acionista não é o trabalhador, é o governo, que separa para si, a troco de apenas se manter (governo como fim em si mesmo), 1/3 parte do faturamento da empresa, cobrando impostos sobre a produção, sobre a renda, e ainda insatisfeitos, começaram taxar o faturamento, mesmo que a empresa esteja no prejuízo.

Assim, acho justo e de boa prática, além de inteligente, a repartição em partes iguais - capital & trabalho - do lucro gerado pela produção dos trabalhadores, pois sem eles não haveria lucro algum, nem haveria valorização das ações (lucro) em Bolsa gerada pelas expectativas futuras, que, frize-se, permanece todo com o acionista.

A proposta de Capitalismo Social se baseia num pressuposto: é um projeto completo, logo, não é para ser fatiado e implementado em partes, ou, apenas as partes que interessarem ao governante de plantão. Descaracterizado, não trará as recompensas pretendidas e se não trouxer, será condenado no todo. 

E, não foi desenvolvido pensando em agradar uma das partes já envolvidas com as agruras do nosso cidadão-contribuinte-eleitor, tendo monarquistas, conservadores e liberais de um lado, versus marxistas, socialistas, bolivarianos de outro. Com esta briguinha de comadres estamos envolvidos desde que D.João VI e sua turma de bon vivant aportaram por aqui. À cada par de décadas os militares tem que intervir - benditos sejam - para por ordem na casa e depois tudo volta ao "normal", ou seja, os otários voltam a sustentar os malandros que vivem as custas dos cofres públicos. Aliás, prática que se tornou esporte nacional, já incorporada à cultura.

É tudo ou nada.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Juiz libera candidatura sem partido para advogado que quer ser eleito em 2018

Matheus Teixeira
(*)

Os tratados internacionais ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária. E, como o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que não prevê a filiação partidária como requisito para ser votado, as candidaturas avulsas são legais e têm amparo jurídico.

Com esse argumento, o juiz Hamilton Gomes Carneiro, da 132ª Zonal Eleitoral de Goiás, em Aparecida de Goiânia, acolheu ação ordinária interposta pelo advogado Mauro Junqueira e permitiu que ele participe das eleições de 2018 mesmo sem ter vínculo partidário. O tema tambémestá no Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário com Agravo, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

Carneiro sustentou que essa regra já deveria estar em vigor, porque um acordo internacional, após ser assinado, passa a ter aplicação imediata, sendo desnecessária a aprovação da norma em dois turnos do Congresso Nacional. O artigo 5º da Constituição Federal, argumentou, é uma cláusula aberta com a finalidade de incorporar tratados de direitos humanos ao rol das garantias constitucionalmente protegidas e, por isso, são equiparadas a emendas constitucionais. Na decisão, ele também citou a Convenção sobre Direitos de Pessoas com Deficiência, que segue o mesmo entendimento sobre o tema e do qual o Brasil faz parte.

“Sendo assim, o cidadão não pode ficar a mercê dos dirigentes partidários e partidos políticos em suas regras que excluem àquelas pessoas ditas independentes”, avaliou. Como qualquer alteração em regra eleitoral deve estar vigente um ano antes da eleição, “é eminente a urgência da tutela pleiteada”, decidiu o magistrado.

O presidente da União Nacional dos Juízes Federais, Eduardo Cubas, que é
amicus curiae no processo, comemora a decisão do juiz: “É um avanço do ponto de vista da cidadania. E ainda aguardamos respostas em relação a ações similares em tramitação em outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Distrito Federal. Além, claro, do STF, onde ingressamos como amicus curiae”.

MP entra em campo
Também nesta semana, o Ministério Público de Goiás ingressou com uma ação civil pública na primeira instância da Justiça Federal com o mesmo objetivo: liberar as pessoas sem filiação partidária a concorrer a cargos públicos. Segundo a instituição, a ação se justifica pelo fato de as notícias recentes demonstrarem a existência de um “relevante movimento social” nesse sentido, além de, só em Goiás, ter quase uma dezena de processos parecidos.

Do ponto de vista jurídico, o promotor eleitoral Fernando Krebs, autor da ação, usa o mesmo argumento apresentado na decisão do juiz Hamilton Carneiro: a prevalência dos acordos internacionais em relação à lei que proíbe os candidatos independentes: “A obrigatoriedade de filiação não é constitucional, mas apenas da lei ordinária vetusta e já sem eficácia jurídica pelos termos da noviça redação da emenda à constituição oriunda dos tratados”, diz.   

Consultor Jurídico

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  é um começo. Mas, salvo que o candidato avulso uma vez eleito seja um orador muito bom e bastante combativo, ele não conseguirá passar suas pautas. O corporativismo, aliado ao cinismo e ao roubo puro e simples efetuado pelos quadrilheiros entrincheirados nos partidos políticos, o derrotará em suas demandas.


Em dois anos, partidos em formação duplicam no Brasil: 68 legendas buscam assinaturas

Fernanda Odilla

Para cada um deles ser uma legenda com direito a lançar candidatos e a receber uma fatia do Fundo Partidário, que, no ano passado, atingiu R$ 819 milhões, é preciso apresentar quase meio milhão de assinaturas que devem ser coletadas em pelo menos nove Estados - e de quem não é filiado a nenhuma sigla.

Na lista, tem sigla para todo o tipo de causa. Tem o dos Animais, o Militar, o Frente Favela Brasil, o Nacional Indígena, o da Família Brasileira e até o Movimento Cidadão Comum. Seis deles carregam a palavra "cristão" no nome.

As possíveis novas legendas defendem causas aleatórias que vão da proteção aos animais e ao meio ambiente a pautas específicas como o direito à segurança e defesa dos interesses de servidores públicos e privados e também dos pequenos e microempresários.

Há ainda releituras de legendas como a Arena e a UDN, que ajudaram a escrever a história política do Brasil, disputas por siglas como a Prona, do ex-deputado Enéas Carneiro (1938-2007), e até movimentos como o Conservador, que há mais de 20 anos tenta, sem sucesso, sair do papel.
Dos 68 partidos na fila, apenas dois estão em processo mais adiantado. São eles o Partido da Igualdade (ID), que defende a causa de pessoas com deficiência física, e o Muda Brasil (MB), que tem entre os idealizadores o ex-deputado Waldemar da Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no processo do mensalão.

O número de partidos em formação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais do que dobrou em dois anos, como tentativa de driblar a legislação eleitoral, que passou a exigir fidelidade partidária dos eleitos a partir de 2007.

Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que deputados federais, estaduais, distritais e vereadores podem perder o mandato caso troquem de partido, a menos que migrem para legendas recém-criadas.
Essa regra, contudo, não se aplica a cargos majoritários, ou seja, aos eleitos presidentes da República, governadores, senadores e prefeitos, conforme decisão da corte de 2015.

Se conseguirem o registro, as novas legendas dividirão com as 35 já existentes o auxílio financeiro distribuído pelo TSE, que vem do orçamento federal, de multas e doações.

Poderiam ainda abrigar deputados federais e vereadores já eleitos em seus quadros, que, ao trocarem de legenda, levariam com eles o tempo de TV no horário eleitoral gratuito proporcional aos votos recebidos por esses parlamentares.

Reforma política
As futuras novas legendas, contudo, podem ser as mais afetadas pelas mudanças nas regras eleitorais que estão sendo discutidas no Congresso. Debatida de forma fatiada, a atual reforma política ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado até o 7 de outubro para valer nas eleições de 2018.

Mas a Câmara já aprovou o fim das coligações partidárias a partir das eleições municipais de 2020 e novas regras para distribuir o fundo partidário. Os deputados ainda precisam votar destaques para, em seguida, o Senado analisar as mudanças.
O texto-base que passou na Câmara estabelece a chamada cláusula de desempenho nas urnas já partir da eleição de 2018. Pelas novas regras, só terão acesso à assistência financeira e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV os partidos que preencham os seguintes requisitos: obtenham ao menos 1,5% dos votos válidos na eleição para deputados federais, distribuídos por ao menos nove Estados (com mínimo de 1% dos votos em cada um desses Estados); ou elejam ao menos nove parlamentares vindos de pelo menos nove Estados.
As barreiras aumentariam progressivamente até 2030, dificultando ainda mais a atuação de partidos novatos ou dos conhecidos como nanicos, título que a maioria das legendas com pouca ou nenhuma representatividade no Congresso rechaçam.

Se todos os partidos em formação saíssem do papel e fossem parar nas urnas eletrônicas, seria de mais de cem o número de legendas no Brasil. Aumentaria, assim, a concorrência entre as siglas, muitas delas dependentes do Fundo Partidário, em especial depois que as doações de empresas foram proibidas pelo STF.

Ideologia
De acordo com o texto aprovado pela Câmara para o fim das coligações, siglas com afinidade ideológica poderão, a partir de 2020, se unir em federações para disputar eleições para deputados federal, estadual e vereadores.

Se juntas atingirem as exigências da cláusula de desempenho, mantêm acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Mas, em contrapartida, serão obrigadas a se manter unidas, atuando como um bloco parlamentar durante toda a legislatura.

Entre os partidos em formação, nem todos decidiram se seriam progressistas ou conservadores nem têm posições definidas sobre, por exemplo, qual deve ser a participação do Estado na economia.

"Obrigatoriamente teremos que nos posicionar em relação a todos os temas, mas isso fica para um momento seguinte, depois que virarmos um partido", diz Alexandre Gorga, presidente do Partido dos Animais.
Registrada em cartório no ano passado, a legenda se autointitula o "primeiro movimento político no Brasil visando a ampla defesa dos animais não humanos em todas as suas representações biológicas". Gorga diz que a sigla conta com o apoio de 102 ativistas veganos, integrantes de mais duas dezenas de ONGs e de protetores independentes em 18 Estados.

Mas o que os motivou a tentar tirar do papel um partido, em vez de defender a causa por meio de ONGs ou movimentos em defesa dos animais?

"Associações já tem muitas. Queremos mudanças que venham debaixo para cima. Estamos cansados de ver os políticos aparecendo de quatro em quatro anos e nenhum deles defendendo realmente a nossa causa", argumenta Gorga, que é funcionário público em Brasília.

Já o Partido Pirata do Brasil, ou simplesmente Piratas, quer "hackear" o sistema político por dentro para mostrar as disfuncionalidades do modelo brasileiro e "buscar o empoderamento popular", diz um de seus representantes, Daniel Amorim.

A possível sigla surgiu no Brasil enquanto movimento no final de 2007, a partir da rede Internacional de Partidos Piratas, que defendem acesso à informação, compartilhamento do conhecimento e transparência na gestão pública.

Questionado sobre se definirem como de direita ou de esquerda, Amorim diz: "Defendemos a democratização da economia e isso dá um bug nas pessoas" diz, emendando que no estatuto do Piratas está previsto ainda a liberdade de expressão, a plena autodeterminação individual e o ativismo hacker.

Dificuldades
Mas Amorim admite que, para um partido de militância como o Piratas, é muito difícil passar por todas as barreiras impostas pela legislação.
Como foi registrada em cartório em 2012, a legenda não precisa, por exemplo, recolher assinaturas em até dois anos - regra imposta pela Justiça Eleitoral para os partidos em formação criados a partir de 2015.Ainda assim, o representante afirma que o processo é caro e os entraves burocráticos, muitos.

"A lei de partidos é vaga, e às vezes falta um entendimento mais consistente por parte do próprio Tribunal Eleitoral. Tudo fica difícil e caro. Conseguir um CNPJ, abrir conta em banco, publicar o estatuto no Diário Oficial foi complicado para nós", diz.

Segundo ele, coletar mais de 460 mil assinaturas, número exigido pelo TSE, é também um desafio para quem não tem dinheiro. Além de informações pessoais, a assinatura precisa estar igual à do título do eleitor do apoiador.
Há mais de 30 anos o fotógrafo e arquiteto Elton Moreira tenta tirar do papel o Partido Conservador. Na sua opinião, no passado era ainda mais difícil conseguir cumprir todas as regras - mas convencer um eleitor a apoiar a criação de um partido está cada vez mais complicado.

"Muitas pessoas resistem e dizem que não querem apoiar o ladrão do futuro", lamenta Moreira, citando a decepção de muitos eleitores com os partidos e os políticos.

A ideia de criar o Conservador, que chegou a ser registrado em cartório em 1995 como PACO, renasceu no ano passado, quando Moreira e seus amigos viram que pautas como Estado mínimo e bandeiras contra o aborto, a legalização de drogas e a união homoafetiva passaram a ganhar mais adeptos.

O deputado federal Jair Bolsonaro é o nome que mais combina com as ideias do PACO, afirma ele.

O parlamentar, atualmente filiado ao PSC, está sendo cortejado e apoiado por diferentes legendas já criadas e outras em formação.

O nome é meu
O PEN (Partido Ecológico Nacional) conseguiu seu registro de partido oficial em 2012, mas decidiu mudar de nome para garantir a filiação de Bolsonaro. Adilson Barroso Oliveira, líder da sigla, fez uma consulta virtual para saber se seus apoiadores queriam manter o nome original ou se preferiam Patriota ou Prona.
Venceu Patriota, sugestão do próprio Bolsonaro, diz ele.

Mas na lista de partidos em formação há uma sigla com nome muito parecido: Patriotas. "O nosso é no singular", assinala Oliveira, que diz ter recebido um telefonema do presidente da possível legenda que leva o nome no plural pedindo para reavaliar o nome.

O PEN, contudo, deve levar a ideia adiante e pedir a troca de nome no TSE. "Ter ecológico no nome acaba sendo confundido com radicalismo. Não somos radicais, defendemos o sustentável", justifica Oliveira.
Ele espera poder usar o nome Patriota já na próxima eleição, mas isso depende da agilidade do TSE em aprovar o pedido.

Outro partido que ainda nem saiu do papel, mas já apoia Bolsonaro é o Partido Militar, cujo principal mentor é o deputado federal José Augusto Rosa, o Capitão Augusto (PR-SP). A sigla em formação também tem uma relação próxima com a palavra "patriota".
"Assim como os petistas se chamam de companheiro, nós, no Partido Militar, nos chamamos de patriota", diz o parlamentar.

A ideia de criar o Partido Militar, diz Rosa, surgiu em 2010, quando ele se deparou com pesquisas que mostravam que uma grande parcela do eleitorado brasileiro não se identificava com nenhum partido e que um montante expressivo se declarava conservador.

Ele admite que foi criticado por colocar a palavra militar no nome do partido, mas diz que não há motivos para se ter qualquer tipo de receio de associação com o regime militar. Além disso, garante, a legenda não é nem será classista, ou seja, não é para membros das Forças Armadas. Mas vai defender a ordem, o progresso e a segurança pública, afirma.

Em 2010, para criar a legenda, ele conseguiu fazer um encontro virtual, com autorização da Justiça Eleitoral, que reuniu mais de 18 mil pessoas. Agora, corre contra o tempo para coletar as assinaturas que faltam para o Partido Militar poder disputar a próxima eleição.
"Não falta muito", diz, otimista.

Segundo ele, ainda há um esforço no Congresso para mudar a legislação em vigor e jogar para março de 2018 o prazo final para filiação partidária. Atualmente, é preciso se filiar um ano antes para disputar um cargo público.

Apesar de estar à frente de um partido em formação, o deputado acha que a Justiça Eleitoral precisa conter o aumento das legendas que não têm representatividade. "Ter partido é um grande negócio. Dá poder e dinheiro", diz, referindo-se ao que chama de "legendas de aluguel" por negociarem apoios em período eleitoral.

"Não acho que tenham que restringir a criação, mas tem que garantir a representatividade", completa.

BBC Brasil em Londres