Felippe Hermes
Entender
por que determinados países se desenvolvem e outros não tem sido até aqui um
grande desafio para a humanidade. Para muitos autores que se aventuram a
dar respostas a esta pergunta, a solução parece estar em uma palavra simples:
instituições. Como lidamos e organizamos as instituições que nos cercam
explica, segundo eles, boa parte dos nossos dilemas.
Quer um
exemplo? Imagine qualquer instituição que receba verbas do governo para
funcionar. Pode ser um sindicato, alguma entidade estudantil, um partido
político ou mesmo uma associação de bairro. Em seguida, procure uma prestação
de contas desta entidade detalhando onde os recursos foram aplicados. Quando
você se der conta que nem mesmo os partidos políticos brasileiros, tão
fiscalizados por tribunais de contas, conseguem explicar onde gastam suas
verbas, você verá um exemplo claro de que a falta de zelo com o dinheiro
público não se dá apenas com aquele político notoriamente corrupto, mas
está enraizada a fundo no nosso país.
Fiscalizar
a aplicação destes recursos, conferir prestações de contas e exigir
transparência é uma tarefa que envolve inúmeros órgãos da administração
pública. Apenas os tribunais de contas da União e dos Estados nos custam cerca
de R$ 10,8 bilhões ao ano para cumprir essa tarefa. A Controladoria Geral da
União, criada em 2001, nos custa outros R$ 843 milhões. Parece muito? Apenas o
valor obtido de volta no Petrolão cobriria o orçamento da CGU (agora
transformada em ministério) por 5 anos.
Graças a
essa fiscalização, por exemplo, cerca de 4,7 mil entidades são proibidas de
receber recursos públicos do governo federal por conta de irregularidades (a
lista cobre desde a Associação Brasileira de Cordel até a União Nacional dos
Estudantes). Apenas em São Paulo, são outras 900 entidades irregulares. O
motivo? Cerca de 2/3 delas não apresentaram prestação de
contas de forma satisfatória. Algumas entidades até permitem que seus balanços
sejam fiscalizados, mas utilizam notas frias ou usam o recurso público sem o
devido direcionamento, como foi o caso da UNE, acusada pelo TCU de usar
recursos do Ministério da Cultura para a compra de bebidas alcoólicas.
Apesar
de todo o aparato de fiscalização existente, ainda somos surpreendidos
rotineiramente por casos de mau uso do dinheiro público. Segundo o Ministério
da Cultura, cerca de R$ 3,8 bilhões concedidos pela Lei Rouanet nos últimos
anos não possuem um paradeiro conhecido. Como perder de vista tantos bilhões? O
ministério não soube explicar, mas não é improvável que tenha contado também
com a má vontade de artistas e empresas que não acharam muito necessário
explicar como gastaram o dinheiro que receberam.
Muito
mais do que o amadorismo de entidades em prestar contas, no entanto, o TCU e
outros órgãos públicos têm se notabilizado nos últimos anos pela eficiência com
que desmontam grandes esquemas de corrupção e desvios de dinheiro público. Ainda
que o valor estimado seja muito maior (segundo o coordenador da Operação
Lava Jato, Dalton Delagnol, o país enfrenta cerca de R$ 200 bilhões anuais em
corrupção), alguns casos dão a dimensão do problema. Abaixo, listamos os 10
maiores casos conhecidos de corrupção da nossa história.
10 – ANÕES DO ORÇAMENTO (DÉCADA DE
80 E INÍCIO DOS ANOS 90)
VALOR DESVIADO: R$ 800 MILHÕES
O mais
antigo entre os citados aqui, o caso dos “Anões do Orçamento” ocorreu entre o
final dos anos 80 e o início dos anos 90. Para investigar o caso, foi aberta
uma CPI em 1993, que acabou investigando 37 deputados. Destes, seis foram
cassados e quatro renunciaram.
No
centro do esquema, segundo a CPI, o deputado João Alves de Almeida, membro
desde 1972 da Comissão do Orçamento no Congresso, justamente onde o esquema se
dava.
Para
desviar os recursos, os deputados adotavam três esquemas distintos. No primeiro deles, incluíam
emendas para entidades filantrópicas detidas por parentes ou laranjas. No
segundo e mais representativo, incluíam verba para grandes obras públicas
mediante comissões de empreiteiras.
No
terceiro caso, prefeituras acordavam o pagamento de taxas para incluir obras
públicas no orçamento, que seriam pagas por meio da contratação da construtora
Seval, do próprio deputado João Alves.
Para
lavar o dinheiro, João Alves comprava “bilhetes premiados” na loteria. Segundo
o próprio, ele teria ganho 200 vezes o
prêmio. Era um cara de sorte, dizia.
Dentre
os deputados cassados, constavam membros de apenas dois partidos: PTB e PMDB.
9 – NAVALHA NA CARNE (2007)
VALOR DESVIADO: R$ 1,06 BILHÃO
Descoberto
em 2007, o esquema da Operação Navalha envolvia, a exemplo do caso dos Anões do
Orçamento, o uso de emendas parlamentares para a realização de obras públicas.
No centro do esquema, a empreiteira Gautama.
Ao todo
49 pessoas foram presas, incluindo o ex-governador do Maranhão, Jackson Lago.
Iniciado
na cidade de Camaçari na Bahia, o esquema se estendeu por dez estados,
sugando verbas de quatro ministérios (Minas e Energia, Transportes,
Cidades e Integração Nacional).
Fraudes
em licitações, obras não explicadas, como o caso de uma ponte que liga o nada a
lugar nenhum, foram responsáveis por sugar recursos da ordem de R$ 1,06 bilhão.
Segundo
apontou a revista IstoÉ, o esquema envolveu inúmeros políticos
conhecidos, além do próprio ex-governador maranhense. O atual presidente do
senado, Renan Calheiros, teria conhecido pessoalmente o presidente da
empreiteira. Obras sob responsabilidade de Olavo Calheiros, irmão de Renan,
estão listadas entre aquelas colocadas sob suspeita pela Polícia Federal.
8 – JUIZ LALAU E O TRT-SP
(1992-1998)
VALOR DESVIADO: R$ 2 BILHÕES
Liderado
pelo juiz Nicolau dos Santos Neto e pelo ex-senador Luis Estevão, do Distrito
Federal, este foi o oitavo maior esquema de corrupção da nossa história,
e desviava verbas na construção do fórum do Tribunal Regional do Trabalho
em São Paulo.
As obras
do fórum se iniciaram ainda em 1992, por meio de uma licitação que
premiou a construtora Incal como vencedora. No mesmo ano, o TCU iniciou a
auditoria no processo e chegou à conclusão, já em 1995, que haviam
irregularidades na obra.
Em 1998,
um mês após o juiz Nicolau abandonar a comissão responsável pela
construção, a obra foi então abandonada. Auditorias constatam que apesar
de 98% da verba ter sido liberada, apenas 64% das obras estariam prontas.
Dos R$
232,5 milhões destinados à construção, R$ 169,5 milhões foram devidamente
desviados.
Após
investigar o caso em 1999, o Congresso descobriu transferências de recursos e
do próprio capital da construtora Incal para o Grupo OK, do senador Luiz
Estevão. Em 2001, Estevão chegou a ser preso, mas iniciou sua batalha judicial
com um pedido de habeas corpus.
Em 2016,
há poucas semanas, o ex-senador foi finalmente preso, condenado a 25 anos.
A CGU
cobra R$ 2 bilhões de Estevão, valor que ele contesta. Pelo
acordo firmado pelo Grupo OK com a CGU, mensalmente o governo teria de receber
R$ 4 milhões. Para garantir o cumprimento, cerca de 1,2 mil imóveis do
ex-senador estariam bloqueados. Sim: mil e duzentos imóveis.
7 – JORGINA DE FREITAS (1991)
VALOR DESVIADO: R$ 2 BILHÕES
Jorgina
de Freitas atuou durante muito tempo como advogada e procuradora
previdenciária. Durante dois anos, ela liderou uma rede responsável por fraudes milionárias no INSS, incluindo supostas
indenizações concedidas a supostos beneficiários da previdência.
Em março
de 1991, uma investigação interna do INSS acabou descobrindo que um único
beneficiário, um motorista de empilhadeira, havia sido beneficiado em US$ 90
milhões, em valores atuais. A sentença em favor de Alaíde Fernandes Ximenes foi
julgada improcedente em 2010, quando a Advocacia Geral da União conseguiu anulá-la,
evitando um prejuízo de R$
880 milhões à época, superior a R$ 1 bilhão em valores atuais.
Em 1992
Jorgina fugiu, com ajuda de um mafioso chileno, envolvido com esquemas com PC
Farias. Em 1997, acabou sendo presa na Costa Rica, e no retorno ao Brasil, foi
condenada pela Justiça e obrigada a devolver R$ 200 milhões. Jorgina foi solta
em 2010.
Na época,
o valor desviado pela quadrilha equivalia à metade de toda arrecadação do INSS.
6 – FUNDOS DE PENSÃO (2015)
Valor desviado: R$ 3 bilhões
Criados
para garantir aposentadorias e pensões de funcionários de empresas estatais, os
fundos de pensão são hoje gigantes que englobam 2 milhões de beneficiários e
detém cerca de 15% da dívida pública. Boa parte deles, como a PREVI, dos
funcionários do Banco do Brasil, detém participações significativas em grandes
empresas, como a Vale do Rio Doce, a Embraer e outras tantas.
São as
pequenas transações, envolvendo compras de títulos privados, porém, que
levantaram suspeitas na CPI dos Fundos de Pensão. Após meses de avaliação, a
CPI, realizada em 2015, concluiu que parte do prejuízo superior a R$ 77,8
bilhões que os fundos acumulam hoje, se deve a contratos fraudados ou
suspeitos.
O
prejuízo estimado pela CPI, que pediu o indiciamento de mais de 200 pessoas, é
de R$ 3 bilhões, apenas nos principais fundos de empresas
estatais. Os valores podem alcançam cifras ainda maiores.
5 – BANCO MARKA (1999)
VALOR DESVIADO: R$3,7 BILHÕES
Durante
4 anos, igualar o real e o dólar foi um dos principais pontos do Plano Real. A
medida atrelou fortemente a inflação brasileira à inflação americana, muito
menor do que a nossa, e foi um dos principais fatores para levar a inflação
brasileira abaixo de 1% em 1998, pela primeira em mais de um século.
Sucessivas
crises cambiais em países emergentes, porém, fizeram com que esta medida se
tornasse cada vez mais difícil de ser mantida, requerendo elevadas taxas de
juros por parte do governo brasileiro. Em 1999, foi a vez da própria moeda
brasileira tornar-se alvo de dúvidas, e o Banco Central se viu obrigado a
desvalorizar o real.
Em
janeiro de 1999, quando o BC decidiu elevar de R$ 1,22 para R$ 1,32 o
teto do
dólar, o banco Marka, do banqueiro Salvatore Cacciola, foi pego de surpresa. O
banco possuía 20 vezes o seu patrimônio líquido em contratos de venda de dólar
futuro. Com o aumento do preço da moeda americana, Cacciola sofreu um revés
bilionário, e correu para o BC para pedir ajuda. O que aconteceu em seguida?
Como você deve imagina, o banqueiro foi prontamente atendido, em uma ação
que teria causado prejuízo de R$ 1,5 bilhão na época, ou R$3,7 bilhões em valores
atuais.
Em 1999,
o banco foi alvo de uma CPI, onde descobriu-se que Cacciola possuía informações
internas no BC – o que provocou a demissão de diretores da instituição. O
presidente da instituição, Francisco Lopes, recebeu pena de 10 anos de prisão.
Em 2008,
Cacciola foi preso em Mônaco, após uma viagem em que saiu da Itália, onde se
refugiou.
4 – VAMPIROS DA SAÚDE
(1990-2004)
VALOR DESVIADO: R$4,08 BILHÕES
Descoberto
pela Polícia Federal em 2004, o esquema dos vampiros da saúde operava
envolvendo empresas, funcionários do Ministério da Saúde e deputados federais
ao menos desde 1990. O esquema principal do grupo consistia em fraudes de
licitações, gerando sobrepreços na compra de remédios e hemoderivados – daí o
nome da operação.
Segundo
estimou a PF, o esquema teria causado um prejuízo de R$ 2 bilhões, o que corrigido pela inflação, equivale hoje
a R$4,08 bilhões.
Cerca de
17 pessoas foram presas, na grande maioria, membros do Ministério da Saúde.
3 – ZELOTES (2015)
VALOR SONEGADO: R$ 19 BILHÕES
Iniciada
em março de 2015, a operação Zelotes ainda está em andamento. Pelo que se sabe
até agora, porém, a operação, que apura corrupção no CARF, o Colegiado de
Administração de Recursos Fiscais, envolve dezenas de grandes empresas
nacionalmente conhecidas.
Segundo
apura a PF, tais empresas e empresários teriam pago propinas, por intermédio de
lobistas, para anular multas aplicadas pela Receita Federal. Dentre os nomes
suspeitos até agora, mais de 70 empresas, como Gerdau, Bradesco, Santander, RBS
(afiliada da Rede Globo no RS) e o Banco Safra.
Segundo
a PF apura, o esquema gerou um prejuízo estimado em R$ 19 bilhões aos cofres públicos. Até o presente
momento, a operação continua investigando e intimando para depor suspeitos
e testemunhas.
Na
quarta fase da operação, o ex-presidente Lula foi intimado para depor sobre
suspeitas de compras de medidas provisórias que beneficiariam montadoras em seu
governo. A empresa de seu filho mais novo, Luiz Claudio, é suspeita de ter recebido valores por parte de
lobistas que atuavam para as montadoras.
André
Gerdau, presidente da siderurgica Gerdau e o ex-Ministro da Fazenda, Guido
Mantega, também foram alvos da PF, sofrendo mandatos de condução coercitiva na sexta e sétima fase da operação.
2 – BANESTADO (1996)
VALOR ENVIADO IRREGULARMENTE AO
EXTERIOR: US$ 30 BILHÕES. VALOR
SONEGADO: INCERTO.
Enviar
recursos ilegalmente para o exterior tornou-se durante muito tempo o
principal serviço ofertado pelo Banestado, o Banco do Estado do Paraná. Durante
anos, centenas de empresas, de muita gente rica e famosa no país, enviaram para
a agência do banco em Nova York, recursos por meio de contas CC5, uma espécie
de conta criada pelo Banco Central para permitir que brasileiros residentes no
exterior pudessem trocar a moeda nacional por moeda estrangeira de forma
simplificada.
Em 1996,
ao ser detectada uma irregularidade de US$ 228,3 mil por um dos agentes de
câmbio da instituição, o esquema foi descoberto de forma definitiva, uma vez
que o agente não apenas revelou detalhes do próprio crime, mas de 107 outras
contas mantidas pela instituição.
Com a
instalação da CPI em 2003, os deputados puderam por meio de quebras de sigilo,
verificar desvios da ordem de US$ 30 bilhões (ou R$ 30 bilhões na época do
ocorrido).
Apesar
dos recursos em si não serem necessariamente ilegais, o não pagamento do
imposto envolvido configura o crime neste caso. Não é possível, portanto,
estimar que todo o valor enviado tenha sido um “prejuízo” ou pago em propina.
Apenas uma parte disso causou prejuízo ao governo pela não arrecadação.
O caso
foi ainda o primeiro levar os holofotes ao juiz Sérgio Moro, que recebeu
críticas pela rigidez com que condenou os envolvidos (posteriormente todos
inocentados pelo STF). O doleiro Alberto Yousseff, também envolvido no
esquemao, saiu do caso Banestado com uma pena menor, pois colaborou com o MP
entregando os demais doleiros.
Ao sair
da prisão meses depois, Yousseff descobriu que era ele o maior doleiro em
operação no país, uma vez que todos os outros haviam sido presos por
denúncias dele próprio. Tal fato colaborou para fazer de Yousseff o principal
doleiro no caso a seguir, o maior esquema de corrupção da história do país: o
Petrolão.
1- OPERAÇÃO LAVA JATO (ATUALMENTE)
VALOR DESVIADO: R$ 42,8
BILHÕES. PREJUÍZO CAUSADO: R$ 88,8 BILHÕES APENAS NA PETROBRÁS.
Com mais
de dois anos de andamento, a operação Lava Jato apresenta números superlativos. Foram mais de 1.200 processos instaurados, 160 prisões
(incluindo prisões temporárias), 52 acordos de delação premiada, 209 acusados,
105 condenados, 5 acordos de leniência, 16 empresas envolvidas e mais de R$
42,8 bilhões desviados.
Trata-se
também da maior operação da história do país em termos de valores reavidos pelo
Estado. Foram mais de R$ 2,9 bilhões, sendo R$ 700 milhões repatriados. Ao todo
são R$ 37,6 bilhões em pedidos de ressarcimento. À frente da
operação, a maior força tarefa já montada pela Polícia Federal.
Os
condenados nos crimes somam penas de 1.140 anos. O motivo mais relevante: fraudes em licitações
na Petrobras.
À frente
do caso, quase uma década depois de ter julgado o Banestado, o juiz federal
Sergio Moro.
Envolvendo
praticamente todos os grandes partidos nacionais, a Lava Jato destaca-se não
apenas como a maior operação em números, mas especialmente pelo rigor com que
têm sido punidos os envolvidos. Apesar de nenhum deles ter sido ainda
condenado no STF, e inúmeros processos ainda estarem sob sigilo, por envolverem
nomes de autoridades com foro privilegiado, a operação já ganhou destaque
e, para inúmeras autoridades, como o ministro Augusto Nardes do TCU, não há
dúvidas de que já seja a maior da história do país.
Como
estes, existem inúmeros casos de corrupção no país que ainda merecem ser
citados. Esquemas envolvendo o fechamento da SUDAM e SUDENE, o Escândalo dos Precatórios ou a Operação Satiagraha são
alguns dos exemplos cujas cifras atingem bilhões. Nestes casos, porém, não se
tratam de esquemas diretos onde é possível definir um corrupto e um corruptor.
Tratam-se de somas de esquemas diversos em uma mesma instituição.
Na
prática, o Brasil hoje é mais transparente, e a despeito de a Polícia Federal
ter sofrido severos cortes em seu orçamento de investimentos, continua a
investigar.
Inúmeras
autoridades, como a presidente afastada, o presidente do Senado, ministros
e ex-ministros, já foram acusados, ou ainda estão sendo acusados de buscar
impedir o andamento da Operação Lava Jato. Garantir o bom funcionamento de
operações como esta, que prezem pela transparência e a responsabilidade pela
coisa pública, é parte fundamental do papel da mídia, mas especialmente da
população, a quem cabe cobrar e fiscalizar.
SPOTNIKS