quinta-feira, 31 de agosto de 2017

OH, PAULO FREIRE, VENHA DAR UMA OLHADA NO ESTRAGO!

Percival Puggina

Por mais que se busque ocultar a influência do professor sobre seus alunos, por mais que Paulo Freire dissimule aquilo que realmente acontece nas salas de aula quando o adulto que sabe mais fala quase todo o tempo, marca a presença e dá nota, a realidade sai pelos corredores tão logo termina a classe. E essa realidade indica a influência do professor, num "saber" que se nivela pelo dele. Durante as recentes invasões de prédios escolares, vazaram cenas em que pequenos grupos (sempre foram praticadas por pequenos grupos, aquelas invasões) apareciam reunidos com um professor "trocando opiniões" e "construindo saberes". O fato de que, ao final, esses saberes e opiniões coincidissem com os do professor deve ser mera coincidência... Ou, então, nem isso, tornando-se mera obediência, como nos tantos casos em que os invasores, indagados por alguém, com uma câmera diante de si, não sabiam o que dizer sobre os motivos que os haviam levado a invadir a escola onde estudavam.

É inevitável que seja animada por um sentimento de ira a mente juvenil insistentemente estimulada a ver o mundo com olhos de oprimido, exposta à ideia ou à figura real de um suposto opressor indicado como causa de tantos males quantos se lhe possa atribuir. O trabalho anterior faz parte da "conscientização". A ira gera energia para a práxis. Che Guevara, por quem Paulo Freire nutria inequívoca estima e reverência, bebia dessa ira sem rolha nem dosador:

“Ódio como elemento de luta; ódio cruel do inimigo, impelindo-nos acima e além das limitações naturais das quais o homem é herdeiro e transformá-lo numa efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar.” (Trecho da Mensagem de Che à Tricontinental).

Por mais que o patrono vá em frente, falando sobre sentimentos nobres, a raiva é uma brotação que, em mentes imaturas, vai da interjeição mais desbocada à vidraça quebrada. Quando sai barata. E note-se que Paulo Freire sai em busca de exemplos ainda mais extremos, como os que foram da ira à luta armada. Entre eles, o comandante Fidel. Seria Fidel um pedagogo, na perspectiva de Paulo Freire? Teria Fidel algo a ver com esse professor que, supostamente, constrói seu odiozinho junto com os alunos? Parece que sim.

"A liderança de Fidel Castro e de seus companheiros, na época chamados 'aventureiros irresponsáveis' por muita gente, liderança eminentemente dialógica, se identificou com as massas submetidas a uma brutal violência, a violência de Batista. Com isso não queremos afirmar que esta adesão se deu tão facilmente. Exigiu o testemunho corajoso, a valentia de amar o povo e por ele sacrificar-se." Pedagogia do oprimido (ed. Paz e Terra, p. 94, ano 1994).

Sem comentários a esse suposto amor e sacrifício! Mas, diga-se de passagem, usar os seis anos da ditadura de Batista para justificar a ditadura totalitária e sanguinária criada por Fidel Castro – que, à época da publicação da Pedagogia do oprimido, já levava onze anos, mantinha um estado policial vigilante contra qualquer manifestação de dissidência, e se encaminha para o 57.º aniversário – vai além do dialógico porque atropela o lógico. É indefensável. Comparado com Fidel e as 22 mil vítimas de seu regime, Batista deveria ser conhecido como o Breve. E, talvez, até como o Compassivo. Legitimar uma ditadura totalitária comunista por uma anterior não comunista é apontar para uma rosca sem fim, é jogar pá de cal nas expectativas da bela ilha caribenha que ainda sonha, um dia, romper esse ciclo para se encontrar com a liberdade e a democracia.

A conscientização sobre a própria realidade, a raiva como motivadora para a práxis já produzem números. A edição de Zero Hora do dia 12 de agosto de 2016 exibiu reportagem com o tema da educação prejudicada por insegurança. São dados alarmantes porque se referem, precisamente, ao espaço e à atividade dos quais se esperam soluções para o problema civilizacional brasileiro. Afinal, é ali, bem ali, exatamente ali, que nossos pedagogos, saídos do forno onde é cozida a massa sovada pela pedagogia freireana, deveriam estar aplicando sua educação redentora, libertadora.
Oh, Paulo Freire, venha dar uma olhada no estrago!

Eis os números revelados por Zero Hora: 23.930 atos de indisciplina em sala de aula, 4.861 atos de violência física entre alunos, 4.811 agressões verbais a professores e funcionários, 1.275 depredações ou pichações dentro da escola, 294 casos de posse ou tráfico de drogas,199 agressões físicas a professores ou funcionários. E não eram números referentes a todas as escolas, nem cobriam um ano letivo inteiro. Os dados foram coletados em apenas 1.255 educandários estaduais (menos da metade da rede) e informavam ocorrências relativas a seis meses letivos (os dois últimos de 2015 e quatro primeiros de 2016). Então, no processo de "conscientização" e construção da cidadania, o caso da professora que levou um soco no rosto, é apenas um ovo quebrado, como o que ela considerou merecido por Dória, na omelete da revolução. Um entre milhares.


Blog do Puggina

Impostos para o século 21

Editorial

Com tributação pesada, injusta e disfuncional, o Brasil vem sendo há muitos anos prejudicado por um dos piores sistemas de impostos e contribuições do mundo. Crescer de forma duradoura e segura, com produção competitiva, só será possível com um modelo tributário mais parecido com o de países mais eficientes e mais dinâmicos – garantidos, é claro, indispensáveis avanços no acerto das contas públicas e na reforma da Previdência. Ao apresentar sua proposta de modernização dos tributos, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) realizou a façanha, muito rara em Brasília, de propor um debate sobre todo o sistema de impostos e contribuições. As discussões políticas sobre o assunto raramente ultrapassam tópicos muito limitados, como os efeitos setoriais desta ou daquela cobrança, a distribuição regional dos valores arrecadados ou a questão – nunca enfrentada para valer – dos benefícios ilegais da guerra fiscal. Pior: muito raramente enfocam necessidades essenciais da economia para operar no século 21.

Um dos principais objetivos da reforma proposta pelo deputado Hauly é a simplificação. O sistema brasileiro é complicado tanto pela multiplicidade enorme de tributos como pela diversidade das normas, “um manicômio”, segundo ele. No caso do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), há 27 conjuntos de normas, criados em cada Estado e no Distrito Federal (DF). Além disso, há regras instáveis. Empresas consomem centenas e até milhares de horas para cuidar dos detalhes formais – o custo financeiro é outra história.

A mudança proposta pelo deputado inclui a extinção de dez tributos e a criação de dois, um federal e um estadual. O ICMS desapareceria. Os Estados e o DF passariam a dispor de um tributo sobre o valor agregado, com o nome de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um sobre Propriedade de Veículos Automotores. Recolheriam também contribuições para a Previdência de seus funcionários e taxas e contribuições de melhoria. Velhos conceitos, como circulação de mercadorias, operações interestaduais e até estabelecimento, seriam eliminados. A transmissão de propriedade de bens e a prestação de serviços onerosos seriam os fatos geradores (como “no resto do mundo”, explica o autor do projeto).

A União recolheria um Imposto Seletivo (IS), semelhante à excise tax de países desenvolvidos, incidente sobre petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, produtos de fumo, eletricidade, telecomunicações, bebidas, veículos, pneus e autopeças. A União continuaria a cobrar o Imposto sobre a Renda, assim como contribuições previdenciárias, além de itens menos importantes. Não se propõe mudança no financiamento da Previdência: o tema é deixado para a reforma em discussão no Congresso.

A ideia é manter a carga tributária. Nenhum ente federado perderá arrecadação nos cinco primeiros anos, de acordo com a proposta. A ideia enunciada é criar um sistema de impostos e contribuições mais funcional, socialmente mais equilibrado (com menor peso sobre o consumo e maior sobre a renda), alguma redistribuição da receita (com vantagem para os municípios) e maior simplicidade. Além disso, novas formas de administração, como um Superfisco Nacional para cuidar da cobrança do IBS, favorecerão a solidariedade e o fim da competição entre Estados, segundo o deputado Hauly.

Os detalhes são muito mais complexos que aqueles indicados neste resumo, mas o conjunto aponta para um sistema economicamente mais funcional, mais favorável à competitividade e mais administrável pelas empresas. Especialistas podem apontar problemas no projeto, dificuldades de implementação, talvez alguma inconsistência. Mas a proposta, já discutida em dezenas de palestras e reapresentada resumidamente em evento promovido pelo Estado, destaca-se pela amplitude e pela preocupação com a funcionalidade e a equidade. Fica muito distante dos habituais projetos de remendos surgidos nas duas últimas décadas.

O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O atraso é nosso

Vittorio Medioli

Não é segredo para quem trabalha seriamente que, quanto menor é a presença do Estado, maiores são o êxito econômico e o resultado social. Hoje o Estado é visto e sentido como inimigo do progresso, um sinônimo de corrupção e de bandalheiras. Os próprios bons servidores vêm perdendo autoestima e conceito.

O Estado, tomado por quadrilhas partidárias de assalto, existe não para ajudar, mas para atrapalhar, chantagear, subjugar e arruinar o progresso nacional.

Temos no agronegócio, com sua pujança que sustenta a arrecadação nacional, o setor mais bem-sucedido, exatamente por ser o mais diluído num imenso território e distante do cerne do problema. Fora de concursos são as obras públicas que resolvem com propinas seus problemas e chegam a pagar bilhões de reais, sem que a fiscalização pública se aperceba das montanhas de desvios.

Também precisa considerar que nem todos os Estados e municípios são iguais, alguns, como Minas Gerais, conseguem ser piores que os outros. E isso não é de hoje, é uma tradição secular que teve poucas tréguas, como foi o governo de Rondon Pacheco, que deu partida aos maiores projetos de Minas e, sobretudo, deixou um exemplo. Daquela só os cacos sobraram.

Apesar das supostas precauções burocráticas, as reservas amazônicas estão desaparecendo, as clareiras são visíveis a olho nu em qualquer mapa tirado pelo satélite. Como se pode constatar, o ambientalismo tupiniquim de salto alto não serviu e não serve a nada, a burocracia defende a possibilidade de cobrar pedágios da serra elétrica. As leis pantagruélicas são ineptas e derretem ao calor das propinas.

O caos alcançado em solo brasileiro é proposital e cultural, embebeceu o lado mau da alma brasileira, que como nenhuma outra no planeta sabe impingir dificuldades a troco de facilidades.

A tirania estúpida se agravou, o gigantismo da “inutilidade” alcançado em Brasília se multiplicou nos cabides de emprego que geram currais eleitorais. A Lava Jato confirma que todos os cuidados geraram um monstro cleptocrático e tirano.

Exemplos sobram, mas coloco aqui um que merece o repúdio. Estive no Ministério da Justiça, em Brasília, para tentar reverter a devolução de uma verba de cerca de R$ 600 mil, que se encontra depositada nas contas da Prefeitura de Betim há mais de quatro anos. Foi ativada por mim, como prefeito, em maio, quatro meses após minha posse, interrompendo a inépcia de 40 meses do governo anterior. Tudo funcionando muito bem há dois meses, prestando contas da distribuição de microssalários de R$ 190 a 70 mulheres e 90 jovens, para serem portadores de cartilhas que estimulem a paz social. Exatamente nos bairros que assistem à maior violência e à pior criminalidade. Em julho, depois de ativado o programa, veio a ordem de devolver os recursos, cerca de 90% do total.

Em três semanas, depois do aviso, protocolamos pedidos de reconsideração, fizemos quatro visitas, e na última fui pessoalmente com amplo relato de fotos, vídeos, manifestações da comunidade. Nada serviu. Fiquei na cadeira de espera por 40 minutos, apesar de não ter fila e ninguém sair da sala do chefe. Assisti a duas recepcionistas dotadas cada uma de dois computadores e duas telas de LED sem que fizessem deles qualquer uso em algum momento. Passei pela sala da secretária, que nem sequer levantou a cabeça, e cheguei ao “atarefado” chefe para ouvir que não tinha saída, tinha que desativar, dispensar e suspender tudo pelas falhas que já tinham sido sanadas. Essas mulheres, na penúria por que passa a prefeitura, infelizmente foram suspensas no meio de lágrimas e pesares. Os recursos devolvidos para um governo que está entre os mais corruptos e cruéis de todos os tempos. Acham que a justiça divina não existe.

Esse é o Estado-excremento que faz do Brasil um país líder em corrupção e injustiças, além de estupidez.

Em Betim, minha terra, transcorreram alguns anos para dar um alvará de funcionamento a uma associação de catadores de papel que arranquei na marra. O local e as instalações foram doados pelo governo federal e executados também com contrapartidas municipais.

Mas sem alvarás de licenciamento da prefeitura e dos bombeiros, sem estudo ambiental e por aí afora. Deixar para essas humildes pessoas as obrigações do poder público, complexas, onerosas e penosas. Tudo fora do alcance delas. Esse é o Estado que dá com uma mão e tira com a outra.

Mostrei aos entes fiscalizadores que essas pessoas foram traídas em sua inocência e que o Estado tem que resolver e entregar tudo licenciado. E, ainda, obras doadas pela iniciativa privada, interessada em apressar o que o “público” só promete em dia de eleição, sofre atrasos por picuinhas. Como se o mínimo que o “público” devesse fazer fosse ajudar a solucionar o problema fazendo-se presente e ativo.

Isso infelizmente não é compreendido, não se entende que apenas com o desenvolvimento se arrecadam recursos para pagar salários e atender a demanda da população.

Nas atitudes do Estado se enxerga o equívoco, o não concatenamento de causas e efeitos.

Por isso, vivemos e pagaremos por muitos anos o castigo do desemprego e da miséria.

Jornal O Tempo

Justiça da Guatemala bloqueia expulsão de missão anticorrupção da ONU

JOSÉ ELÍAS

Presidente guatemalteco Jimmy Morales pede expulsão de juiz que investiga casos de corrupção desde 2013

Neste domingo, o presidente da Guatemala, Jimmy Morales, recorreu à única carta que ainda tinha na manga para barrar o trabalho do juiz Iván Velásquez: o declaroupersona non grata e exigiu sua expulsão do país da América Central. Colombiano, Velásquez está à frente da Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig) que, criada pelas Nações Unidas em colaboração com o Governo guatemalteco, em 2006, é responsável por ter levado à Justiça políticos, empresários e militares envolvidos em esquemas de corrupção. O pedido de expulsão expedido por Morales, contudo, foi barrado provisoriamente pelo Tribunal Constitucional da Guatemala. Em uma decisão por três votos contra dois, os magistrados da Corte advertiram os ministros de Exterior, Defesa e Interior de que a ordem de expulsar Velásquez da Guatemala perdeu efeito. A decisão foi aplaudida veementemente por centenas de manifestantes que se reuniram diante do tribunal.

A Cicig é uma das instituições mais respeitadas regionalmente no combate à corrupção, e a ONU estuda reproduzir o modelo em outros países da América Central. O objetivo do órgão independente tem sido apoiar o Ministério Público, a Polícia Nacional Civil e outras instituições do Estado guatemalteco em investigações. De pronto, a Comissão passou a investigar a corrupção envolvendo a classe política do país e, desde 2013, quando Velásquez assumiu, já levou diferentes políticos e empresários para a prisão. Por isso, a decisão do presidente Jimmy Morales, agora bloqueada pelo Tribunal Constitucional, não surpreendeu. Na última sexta-feira, a Cicig e a Procuradoria-Geral do país pediram a suspensão da imunidade do presidente para que ele fosse julgado por crimes eleitorais relacionados com o financiamento da campanha que o levou ao poder. Semanas atrás, um filho e o irmão do mandatário foram submetidos aos tribunais por acusações de fraude fiscal, o que causou tensão nas relações entre Morales e o chefe da Cicig.

A maneira como Morales anunciou sua decisão de pedir a expulsão de Velásquez provocou indignação na população e em instituições internacionais. Após dizer que realizaria um pronunciamento à nação às 20h deste domingo, a Presidência emitiu, às 6h, pelas redes sociais, um vídeo no qual o mandatário declarou o juízpersona non grata e ordenou sua “expulsão imediata” do país. Logo em seguida, os magistrados do Tribunal Constitucional foram convocados com urgência para analisar a legalidade da medida, atendendo a um recurso formalizado na véspera no qual se afirma que Morales não pode tomar uma decisão dessa natureza, por não ser imparcial. Paralelamente, o chefe do Ministério Público, Jordán Rodas, anunciou que, juntamente com sua equipe de advogados, prepara uma ação contra o mandatário por “negar o direito dos guatemaltecos à Justiça”.
A comunidade internacional também reagiu rapidamente. Em um comunicado, embaixadores de Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Suécia, Suíça e da União Europeia afirmam que a Cicig vem desempenhando um papel fundamental na luta contra a impunidade. “A decisão de expulsar o comissário Velásquez prejudica a capacidade da Cicig de cumprir com seu mandado”, destaca o documento. Também na sociedade, a decisão provocou uma crescente indignação que se reflete em manifestações de apoio a Velásquez e petições pela destituição de Jimmy Morales. “Ivan fica, Jimmy vai” é um dos lemas mais entoados tanto diante da sede do Tribunal Constitucional como a da Cicig.

“O que está ocorrendo é uma consequência da eleição de um arrivista, sem nenhum conhecimento da realidade e, portanto, incapaz de conduzir políticas que ajudarão a resolver os problemas do país. Foi uma má escolha”, disse ao EL PAÍS o analista independente Héctor Rosada. Ele destaca como particularmente grave o fato de a população não ter percebido quem estava por trás de Morales, referindo-se à velha guarda militar, cuja maioria dos oficiais é acusada de crimes de guerra. À espera da decisão do Tribunal, que ao ser favorável a Velásquez deixaria Jimmy Morales sem nenhum apoio, a dimensão desta crise começa a superar as fronteiras. Um comunicado do Departamento de Estado norte-americano afirma que os Estados Unidos “vão rever” sua assistência à Guatemala caso a expulsão de Velásquez realmente se concretize.

EL PAÍS

terça-feira, 29 de agosto de 2017

'A realidade é pior que você imagina': a jornalista que viveu 6 meses disfarçada na Coreia do Norte

Kim Suki
Em 2011, Suki Kim, jornalista que nasceu e cresceu na Coreia do Sul e é cidadã americana, conseguiu um trabalho para dar aulas de inglês em uma universidade privada de Pyongyang, na qual estudam filhos homens da elite norte-coreana, "os futuros líderes do país". Kim passou seis meses vivendo no campus da universidade tomando notas para convertê-las no livro 'Without You, There Is No Us: My Time with the Sons of North Korea's Elite' (Sem você, não há nós: meu tempo com os filhos da elite norte-coreana), publicado em 2015.
Suki Kim relatou à BBC Mundo como foi sua experiência, algo que poucos estrangeiros puderam experimentar no hermético país que nos últimos 70 anos esteve isolado do resto do mundo. É um lugar, como ela diz, onde o medo é constante, todos vivem se vigiando e onde o controle do governo "é o pior que se pode imaginar". Veja abaixo o seu depoimento.

Meu interesse na Coreia do Norte vem de uma combinação de duas razões. Como jornalista, tinha uma frustração por não saber a verdade sobre o que ocorre neste lugar, o que é uma enorme tragédia. E minha família foi separada pela guerra das Coreias em 1950, o que trouxe a razão pessoal.
Essa guerra e a posterior divisão da península separaram milhões de coreanos. Meu tio, irmão da minha mãe, ficou no norte, e minha avó nunca voltou a vê-lo. O mesmo ocorreu com os primos do meu pai.

De Pyongyang a Seul (capital de Coreia do Sul), são necessárias apenas duas horas de carro. Mas quando traçou-se a linha que dividiu a península, o Paralelo 38, em 1953, as pessoas que ficaram no norte nunca voltaram a ver seus familiares.
Eu cresci neste clima na Coreia do Sul, onde minha avó literalmente morreu de aflição esperando o filho que acidentalmente ficou do outro lado e não pôde nunca regressar.
A dor e ansiedade causados por esta situação se converteram em uma obsessão. Como podemos entender esta tragédia?
Foi assim que comecei a buscar uma oportunidade para poder entrar e viver na Coreia do Norte.
Durante uma década estive fazendo uma pesquisa sobre o país. Falei com quase cem desertores em países vizinhos: China, Mongólia, Tailândia e Laos.
Nesta época, entrei por períodos curtos na Coreia do Norte, mas o que buscava era a possibilidade de poder viver ali, incógnita.

“Em 2011, Suki Kim conseguiu um emprego na recém-inaugurada Universidade para a Ciência e Tecnologia de Pyongyang (PUST), a única universidade privada da Coreia do Norte, frequentada por filhos de dirigentes norte-coreanos. A PUST foi fundada por grupos evangélicos de vários países. Seus funcionários são principalmente professores americanos que estão ali como voluntários, financiados por suas igrejas. Kim foi contratada para dar aulas de inglês por um período de seis meses.”
A Coreia do Norte está cheia de paradoxos. E esta universidade é uma delas.

A religião aqui não é permitida, e o proselitismo é um crime muito sério, castigado com a morte. O único que se venera no país é o Grande Líder.
Mas a comunidade evangélica fez um acordo com a Coreia do Norte: ela bancaria a universidade e não faria proselitismo - apesar de ser óbvio que este era o objetivo de longo prazo.
Assim, grupos evangélicos fundamentalistas estão financiando a educação dos futuros líderes do país em troca de um potencial propósito missionário de longo prazo.

O governo tem que aprovar tudo o que ocorre na universidade. Eles selecionam os estudantes, que são principalmente filhos dos funcionários do partido dirigente. Na Coreia do Norte, o governo decide tudo sobre o indivíduo: a carreira que seguirá, a escola onde estudará, as atividades que fará.

Quando estive ali, havia 270 estudantes, todos homens que viviam no campus. Eu ensinava inglês para duas classes, com cerca de 50 alunos de 19 e 20 anos cada.
A universidade é vigiada por militares e ninguém tem permissão para sair.
O governo define as escoltas que vivem com os professores no campus e seu trabalho é monitorá-los 24 horas por dia. Eu tive uma escolta me vigiando dia e noite, literalmente, já que dormia no quarto abaixo do meu.
Tudo o que fazíamos e ensinávamos devia ser aprovado, monitorado e gravado.

Vivi o tempo todo aterrorizada. Se não tivesse escrevendo o livro, minha situação teria sido diferente, mas estava tomando notas em segredo e sabia que nunca ninguém tinha tentado fazer isto no país.
Mantive minhas notas em memórias de USB e sempre as levava comigo. Todos os dias apagava tudo do meu computador e não deixava nenhum rastro do meu trabalho.
A possibilidade de que a minha escolta descobrisse essas notas me dava arrepios. No meu quarto, havia microfones ocultos; e todas as aulas que eu dava eram gravadas.
É um sistema de medo constante e vivi aterrorizada pensando que poderia morrer ali.

O que pensava de meus alunos? É uma pergunta bastante complexa. Para o meu livro, estava tratando de entender o que pensavam e sentiam, mas vivendo em um sistema de constante controle e vigilância ninguém sabe realmente o que as pessoas pensam ou sentem.
Os estudantes também estão sob um sistema de supervisão constante. Nunca estavam sozinhos. Eles se vigiavam e me vigiavam e informavam sobre mim. Costumavam ter uma reunião semanal na qual informavam sobre os outros estudantes e sobre os professores.
Eles são tratados como soldados. Fazem exercícios em grupo, correm em grupo, cada hora saem para marchar em grupo para honrar o Grande Líder, e constantemente são doutrinados sobre a grandeza do Grande Líder e o ódio aos Estados Unidos.
Eu cheguei a sentir um grande afeto por meus estudantes, que pareciam muito mais inocentes que outros jovens de 20 anos em outras partes do mundo.
Eram adoráveis, enérgicos e curiosos. Os típicos estudantes desta idade que fazem piadas o tempo todo, que falam de garotas o tempo todo. Esse aspecto humano é um enorme contraste com o estilo de vida que lhes é imposto e ao qual estão continuamente expostos.

Foi sob esta constante vigilância que entendi a insuportável situação na qual vivem, o medo de estar sempre vigiando e denunciando os demais, a impossibilidade de ir a qualquer lugar ou com qualquer pessoa, e a forma como se restringe seu mundo, sua imaginação.

Para o resto do mundo, a Coreia do Norte é um enigma. Mas o que pensam os norte-coreanos sobre o que está além de suas fronteiras? Suki Kim assegura que estes jovens não têm permissão de expressar nenhuma curiosidade sobre o mundo exterior. E isto, diz a escritora, é um tipo de abuso psicológico que condiciona cidadãos a aceitar o que lhes rodeia sem questionamentos.

Nesta época, em 2011, os estudantes nunca tinham ouvido falar de internet, e eu era proibida de falar sobre isto. Eu tinha ordens estritas de não revelar nada sobre o mundo exterior e eles não tinham nenhuma informação sobre o que ocorria fora de seus país, não conheciam o Taj Mahal, nem a Torre Eiffel, e tampouco sabiam quem era Michael Jackson.
A televisão na Coreia do Norte tem apenas um canal com programas sobre o Grande Líder. Também são transmitidos programas da China ou da Rússia, todos baseados nos "ideais socialistas".

Há apenas um jornal e os artigos publicados também estão vinculados ao Grande Líder. O mesmo ocorre com os livros que leem e com todas as outras formas de educação e entretenimento.
Toda sua rotina e seu entretenimento funcionam para honrar o regime e a filosofia do sistema. Na universidade, ocasionalmente jogavam futebol e basquete.
É preciso lembrar que estes são os jovens das elites, mas que o resto da população vive sob o mesmo controle.

Houve ocasiões, aos domingos, quando nos permitiram sair em grupo e com escoltas em excursões que tinham sido previamente aprovadas, entre elas para visitar e colocar flores em edificações do Grande Líder.

Às vezes, saíamos de Pyongyang para visitar as Grandes Montanhas ou alguma fazenda. Fora da capital não se veem muitas coisas. As estradas estão vazias, não há carros nas ruas.

Pude ver que as pessoas fora a capital eram menores. As pessoas com quem tínhamos permissão de interagir, como os estudantes, pareciam com a gente. Mas as pessoas que se veem nas margens de estradas são marcadamente menores e parecem malnutridas. Nunca nos permitiram falar com ninguém nas ruas.

Os lugares para onde nos levavam pareciam cenários de filme e nunca havia pessoas nesses lugares. Só víamos os outros membros do grupo e, por toda parte, todos os lugares estavam cobertos com milhares de slogans do Grande Líder.

Esta é a realidade que te mostram.

O controle no país é algo muito forte. Controlam cada aspecto da vida e tudo está relacionado ao Grande Líder.
Depois de toda a investigação que tinha feito sobre a Coreia do Norte, nunca tinha imaginado que pudesse existir um controle tão grande. A realidade é pior do que se pode imaginar.

“Além de 'Without You, There Is No Us", Kim Suki é autora do romance "The Interpreter"(O Intérprete) e escreve regularmente para o New York Times, Washington Post, Harper's e New Republic.
Todas as fotografias são cortesia da jornalista.”

BBC - Brasil

É fácil entender

Editorial

Servidor público tem vantagens em relação ao assalariado privado e, por isso, deve contribuir

Até devido à própria formação do Brasil, desde o Império, o emprego público costuma ser o sonho de muita gente. O regime monárquico foi substituído pela República, e o sonho de ter o Estado como patrão se manteve, e foi até fortalecido, com a multiplicação de empresas estatais, no século XX.

Na Constituição de 37, a “Polaca”, da ditadura do Estado Novo getulista, instituiu-se a estabilidade no emprego na administração direta, consolidando na sociedade este sonho. Algumas estatais terminaram convertidas em empresas de capital misto, público e privado, seus empregados ficaram sob o regime da CLT, de 1943, mas, mesmo assim, a segurança de um posto em companhia pública é grande. Não se tem notícia de demissões em massa neste universo, porque prejuízos são cobertos pelo Tesouro, e a cobrança por eficiência do empregado não é a mesma do setor privado, em que não há o Erário para socorrer em qualquer eventualidade.

Com o passar do tempo, e a ampliação dos quadros de servidores, o funcionalismo se fortaleceu como força eleitoral, sempre cortejado por políticos em busca de votos. Também cresceu seu poder em articulações no Congresso e junto ao Planalto, sempre em busca de benesses. A depender do governo, como aconteceu com os de Lula e de Dilma, sindicatos de categorias do funcionalismo têm trânsito livre em gabinetes que decidem onde, como e quanto gastar do dinheiro do contribuinte.

Essa pressão do lobby do funcionalismo ficou evidente na Constituinte, quando vantagens foram conseguidas, como a efetivação de muita gente na máquina burocrática em empregos estáveis. Alegres e extensos trens da alegria que passaram a custar cifras avantajados ao Tesouro (o contribuinte).

A crise semeada a partir de Lula/Dilma floresceu com vigor a partir das barbeiragens monetárias (juros) e fiscais executadas de forma competente por Dilma, tanto que ela sofreu impeachment por manobras contábeis no manejo do Orçamento. Restou ao governo do vice dela, Michel Temer, executar o imprescindível ajuste.

E chegou a hora de enquadrar o custo da folha de salários dos servidores da União — o mesmo precisaria ser feito, com igual urgência, no Judiciário, no Legislativo, em estados e municípios. Uma conta de mais de R$ 200 bilhões, os salários do funcionalismo federal é o segundo maior item de despesa da União. Perde apenas para a Previdência.

Como o déficit público não cai dos 2% do PIB — alavanca do crescimento fatal da dívida pública, até a insolvência —, a realidade impõe que a carga do ajuste, toda jogada sobre o trabalhador do setor privado, dos quais 13 milhões estão desempregados, seja mais bem distribuída e caiba uma parcela ao funcionalismo. Que recebe os melhores salários do país, nem perde o sono sob ameaça do desemprego. Não deveria ser difícil entender. Mas é, pelas corporações e militantes.

O Globo

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Desmatamento na Amazonia

Correio do Povo

Greenpeace Brasil alerta contra agenda de desmatamento na Amazônia
Abertura de uma zona de mineração de mais de 40 mil km² na floresta amazônica é "apenas uma pequena mostra" dos projetos de Temer, afirma o diretor de campanhas Nilo D'Ávila

O diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil, Nilo D'Ávila, acredita que a anunciada abertura de uma zona de mineração de mais de 40 mil km² na floresta amazônica é "apenas uma pequena mostra" dos projetos do presidente Michel Temer no chamado pulmão do planeta. Em uma entrevista realizada neste domingo, no Rio de Janeiro, durante uma jornada de mobilização em 11 cidades contra a abertura da zona de Renca, entre os estados do Pará e Amapá, D'Ávila lamentou o "legado catastrófico" dos governos de esquerda em assuntos referentes ao meio ambiente, em particular o de Dilma Rousseff (2011-2016).

É uma chamada para que as pessoas se juntem e comecem a olhar com cuidado o que acontece na Amazônia nos tempos atuais, nessa era Temer. O que acontece em Renca é só uma pequena amostra do que vem acontecendo com o plano do governo para Amazônia. A gente tem um desmonte articulado a ser feito da legislação que regula o licenciamento ambiental no Brasil. E agora veio a público a vontade do governo de liberar todo o capital mineral brasileiro para a especulação internacional. É uma chamada para mostrar como esses movimentos do governo estão todos conectados e vão causar muita destruição na Amazônia.

A questão ambiental não parece mobilizar muito os brasileiros. Existe uma certa indignação represada nos brasileiros. Eu fico um pouco preocupado pensando nos que terão a obrigação de contar essa história do Brasil no futuro, como é que eles vão fazer. São tantas coisas: para onde a pessoa olha temos um problema diferente, que vai desde a questão do regime trabalhista à aposentadoria, a Amazônia, a reativação nuclear, a perfuração dos corais. Uma quantidade tão grande de questões e escândalos que as pessoas não sabem o que fazer, como reagir. Neste momento ambientalista, resolvemos chamar as pessoas para reagir. Reagir a esse plano do governo que vai levar à destruição da Amazônia.
Houve uma política ambiental diferente em relação aos governos de esquerda (2003-2016)?

Não tivemos um grande legado. O governo de Dilma Rousseff foi catastrófico para o meio ambiente. Não temos, infelizmente, nada a comemorar nos últimos cinco ou seis anos. Por outro lado, isso é uma pena para o mundo, porque o Brasil, principalmente na agenda climática, tinha uma posição bastante progressista. Havia compromissos estabelecidos no Acordo de Paris; porém, se olharmos detalhadamente as ações do governo, há um distanciamento e uma impossibilidade de cumprirmos com esses compromissos.


Estupra mas não mente

Guilherme Fiuza

Janot, o homem bom, não teve flechas para negociatas obscenas como a de Pasadena, repleta de digitais de Dilma

A política brasileira não produziu uma cena tão sublime, nas últimas décadas, quanto o abraço de Lula e Renan Calheiros num comício pela democracia. Sublime, no caso, menos pela transcendência que pela invisibilidade: esse Brasil que acordou para a ética e grita contra a tirania vampiresca do PMDB velho, branco e podre devia estar de costas para o palanque. Ou então cochilou de novo. Essa lenda do país sequestrado pelos capangas do Eduardo Cunha dá sono mesmo.

As obras completas de Lula não sensibilizam esse novo Brasil ético, que perde de vista o maestro da pilhagem ao espernear contra os governantes corruptos — em perfeita sintonia com Joesley Batista, o caubói biônico que denunciou os inimigos do PT (gratidão é tudo). Essa comovente artilharia cívica, por sua vez, acompanha em proverbial coincidência a direção das flechas de Rodrigo Janot — o justiceiro que deu fuga segura a Joesley e vida mansa a Renan (o investigado mais feliz da República, porque flechada de amor não dói). Renan que vem a ser o mesmíssimo personagem do parágrafo acima, portanto a raposa do PMDB (tapa o nariz e vai, companheiro) que acaba de tirar do armário sua imorredoura lealdade a Lula. Não se perca na cadeia de amizades.

Corta para mais uma cena sublime que o novo Brasil ético não viu: ao lado da procuradora-geral da Venezuela, escorraçada pela ditadura amiga do Lula, Janot declara que Maduro estuprou as instituições democráticas. Uma frase sonora, especialmente quando dita por um personagem que se encontra há cem dias tentando derrubar um presidente no grito. A diferença para a sangria venezuelana poderia ser demarcada por Maluf: estupra, mas não mata.

Como o Brasil faz questão de fingir que não sabe ou não viu, pau  que dá em Chico, dá em Francisco, mas não dá em Joesley, nem em Dilma. Janot, o homem bom, não teve flechas para negociatas obscenas como a da refinaria de Pasadena, repleta de digitais da ex-presidenta mulher — dentre diversos crimes cometidos sob sua influência como ministra e como chefe de governo, com os comparsas que ela, seu partido e seu tutor escolheram. Janot, o homem justo, ídolo dos que deploram a corrupção, aliviou essa quadrilha o quanto pôde, em suas triangulações mágicas com os supremos companheiros e o fiel despachante José Eduardo Cardozo.

No que o impeachment tirou o poder das mãos da quadrilha do bem, o amortecedor-geral virou franco-atirador. Combinou uma virada de mesa com o açougueiro enriquecido pelo PT, numa denúncia imprestável que, se o Brasil tiver algum juízo, ainda será caso de polícia. Deu tudo errado — e agora esse diletante do tiro ao alvo está posando de defensor ultrajado da democracia venezuelana, estuprada pelos amigos dos seus amigos. Mas isso tudo é segredo e deve ser falado em voz baixa, para não atrapalhar os sonhos dourados do novo Brasil ético que venera Janot.

Se Renan Calheiros ainda está circulando leve e fagueiro por aí, vai ver ele é do PMDB do bem. O mal está nos golpistas que tiraram a Petrobras dos afilhados de José Dirceu e sanearam em um ano a companhia devastada pelo PT. Essa gente perversa agora quer sanear a Eletrobrás, possivelmente privatizando-a, e Dilma Rousseff (que está solta) já gritou que isso é um crime. De fato, depois de tudo que a Lava-Jato revelou, se a elite branca e do lar sair blindando estatais em série vai ficar difícil, para os guerreiros do povo, continuar roubando honestamente.

As reformas dessa gente ruim que acaba de tirar o país da recessão estão turbinando o mercado, com a Bovespa próxima da pontuação recorde na década. Isso é muito preocupante: ameaça desempregar um enorme contingente de pais de família que vivem de caçar voto fácil contando história triste — e necessitam que o país se arrebente agora, para que possam voltar a vender a bondade transgênica dos últimos 13 anos. Flechas para que te quero!
 
Neste momento crucial da conjuntura, em que o grito por depuração política traz nova chance de ouro para o heroísmo tarja preta, talvez ninguém tenha se destacado tanto no ramo da alta prostituição intelectual quanto os tucanos. Assumiram a obrigação de apoiar os agentes sérios que entraram no governo para desfazer a lambança, mas resolveram manter uma expressão de virgem ultrajada da porta para fora — e assim conseguirão perder dobrado: o respeito e a clientela.

Vão acabar abraçados a Lula e Renan, rezando por flecha de bambu e mesada de açougueiro, nessa cadeia da bondade que terá a bondade de terminar na cadeia.

Revista ÉPOCA

domingo, 27 de agosto de 2017

Investigação sobre Dilma parou

Maria Lima
(*)

Ministério Público Federal até hoje não pediu eventual reabertura de apuração sobre a suposta participação da ex-presidente na compra superfaturada de Pasadena, nos EUA

Passado um ano da saída da ex-presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, não há qualquer despacho do Ministério Público pedindo eventual reabertura de investigação de sua suposta participação no escândalo da compra superfaturada da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Os delatores Delcídio Amaral e Nestor Cerveró, acusam Dilma de, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, ter aprovado a operação sabendo de todo o esquema que resultou em um prejuízo de US$ 792 milhões ao erário. Em 2016, a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o então relator da Lava-Jato, Teori Zavaski, arquivou a investigação da presidente, em cumprimento ao artigo 86 da Constituição, que impede investigação por fatos anteriores ao mandato.

As investigações sobre o caso de Pasadena foram enviadas para a primeira instância pela PGR em março deste ano, mas não há pedido de providências de desarquivamento das investigações sobre a ex-presidente Dilma. Na mesma época o ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin, enviou para a Justiça de primeira instância, em São Paulo, as citações de executivos da Odebrecht sobre Dilma e os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, mas somente em relação a supostos pagamentos do departamento de operações estruturadas da empresa para caixa dois.

Em sua delação, o ex-senador Delcídio Amaral acusou Dilma de participar de “uma ação entre amigos” no caso dos desvios que teriam beneficiado amigos no PT. Já Cerveró, ex-diretor da Petrobras, em vídeo de delação premiada, diz que Dilma fugiu da responsabilidade que, estatutariamente, teria como presidente do Conselho, de aprovar ou não a compra de ativos da estatal. “Ela disse que aprovou a compra de Pasadena porque eu não tinha dado as informações completas. Na campanha eleitoral ela tinha que arrumar um cristo e dizer, ah eu fui enganada, é mentira. Dilma sabia de tudo o tempo todo”, disse Cerveró.

Os juristas Nabor Bulhões, advogado do ex-presidente Fernando Collor durante o impeachment, e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso dizem que a partir do momento em que um presidente que teve investigação suspensa em razão do mandato sai do cargo, o Ministério Público tem que reabrir as investigações.

— A Constituição não prevê impunidade eterna em função do cargo. A investigação fica parada esperando o fim do mandato. Terminado o mandato, o Ministério Público verifica oferecer denúncia ou pedir o arquivamento — explica Velloso.

Nabor Bulhões alerta para o risco de prescrição de possíveis crimes. Em caso de corrupção, o prazo de prescrição é de 20 anos, mas, em se tratando de prevaricação, o eventual crime prescreve em quatro anos. Dilma está fora do cargo há um ano.

— A lógica processual é essa. Agora que ela não é mais presidente, deve ser retirada a proibição que gerou o arquivamento, e a investigação, retomada. Não há mais óbice para que essa investigação seja feita — afirma Nabor Bulhões.

Procurado pelo GLOBO via assessoria, Janot não quis falar. Segundo a assessoria, o caso Pasadena já está no Paraná. A assessoria da ex-presidente sempre negou o envolvimento de Dilma no caso.

O Globo

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  os srs. Janot/Fachin não tem tempo para investigar sua aliada Dilma. Precisam atacar o Presidente Temer, para que este não consiga levar a bom termo as reformas que o país tanto necessita: trabalhista, previdenciária e política.
A dupla está encarregada de defender o “leitinho das crianças” dos marajás do serviço público.

China aprende português de “olho no Brasil” e na África

Thoth3126
(*)

Nos últimos 10 anos, o número de instituições chinesas dedicadas ao estudo da língua portuguesa quase quadruplicou, passando de 6 para 23, e especialistas afirmam que a maior razão deste extraordinário crescimento são os interesses econômicos da China na América Latina e na África. A presença chinesa em países como Angola e Moçambique é notável. Nas duas últimas décadas, o volume de investimentos chineses na África cresceu mais de 20 vezes, passando de US$ 10 bilhões em 2000 para US$ 220 bilhões em 2014. 

Em setembro de 2016, Angola se tornou o maior fornecedor de petróleo para a China, enquanto Moçambique está entre os 5 países com maior concentração de investimentos chineses. O Brasil segue no mesmo passo. 
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do país, substituindo o primado histórico das relações com os Estados Unidos, e não é sem motivo que o Presidente Temer, na véspera da Cúpula do BRICS, terá encontros em Pequim com o líder chinês e com empresários daquele país.

Especialista em países BRICS – o grupo formado porBrasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, Diego Pautasso, professor de Relações Internacionais do Colégio Militar de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, analisou em entrevista exclusiva para a Sputnik Brasil o que representariam para o Brasil os investimentos que a China tem aplicado na África. Esses valores conseguiriam provocar no Brasil um avanço rumo ao desenvolvimento:

“Infelizmente, [os valores] não são suficientes. O comércio exterior e os investimentos estrangeiros, embora sejam variáveis importantes para o crescimento e desenvolvimento de um país, não são suficientes [para estes fins]. Quando se analisa a história política e econômica de qualquer país, a gente vê que o capital se fortalece”, disse.

Segundo ele, a política de capitais e a formação bruta de capitais têm de ser predominantemente domésticas. “[Na China], o dinheiro estrangeiro nunca passou de 10% do total da formação de capital bruto. Então eu creio que as parcerias internacionais, apesar de muito importantes, precisam estar enquadradas num projeto nacional de desenvolvimento mais abrangente, que permita internacionalizar a tecnologia, criar cadeias de valor e assim por diante”, disse o especialista citando o caso da China.
Diego Pautasso acredita que a China vai ocupar o espaço a ser deixado vazio na África pela saída das empresas brasileiras, após o impacto dos escândalos de corrupção envolvendo empreiteiras como Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez, todas com grandes volumes de investimentos em países como Angola e Moçambique.

“Todo aquele esforço que o Brasil vem fazendo desde os anos 70 para começar a exportar serviços e entrar para um grupo muito seleto de países capazes de exportar serviços de engenharia, de internacionalizar empresas de grandes proporções – o que teve uma aceleração muito significativa durante os Governos Lula e Dilma –, hoje está sendo colocado por terra.

Como a gente vê, não é um projeto que se refaz em 1, 2, 3, 4 anos, mas sim em décadas. São projetos intergeracionais que, literalmente, estão indo para o ralo a partir da [Operação] Lava Jato e da falta de compromisso com empresas que fazem parte de uma histórica industrialização do Brasil”, comenta (Nota de Thoth: mas é o preço que se paga por fazer negócios no exterior usando o “jeitinho – CORRUPTO – brasileiro”.

O Professor Pautasso se mostrou convicto de que as empresas chinesas de engenharia ocuparão os espaços vagos e que a cooperação entre China e países da África tende a um implemento cada vez maior e mais sólido.
“A China, desde meados dos anos 90, percebeu que a África era uma grande fronteira de expansão mundial do capitalismo e dos negócios. Era um continente que estava à margem do processo de globalização, e [a China] intensificou suas relações, fez a multiplicação do comércio de investimentos e, de lá para cá, as relações [entre África e China] têm sido muito sinérgicas”, observou.

Em relação à expansão do ensino do idioma português na China, Diego Pautasso vê o fato como perfeitamente natural, já que é consequência dos planos de inversões que o Governo chinês tem não só para o Brasil como também para os países de língua portuguesa.

Por isso, o especialista considera perfeitamente compreensível que a China queira ter entre seus quadros de especialistas profissionais habilitados a compreender e falar o português, de modo a facilitar a comunicação entre chineses e habitantes de países de língua portuguesa.

Por sinal, o ensino do idioma português na China deverá ser enfocado na próxima Reunião de Cúpula do BRICS, marcada para os dias 3, 4 e 5 de setembro em Xiamen, cidade da Província de Fujian, no Leste do país. O tema do encontro será “BRICS: Parceria Mais Forte para um Futuro Mais Brilhante”.

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  enquanto isto no Brasil, temos aulas diárias de corrupção, ministradas por nossos políticos, e de burrice explícita, temperada com mentira e hipocrisia, pela insepulta esquerdalha, comandada pelo PT e alegremente ($$$) acompanhada pelos seus penduricalhos, todos "empregados" nas empresas estatais, que afinal, é para isto mesmo que servem.
Detalhe. Essas empresas estatais, quando o governo não consegue mais sustentá-las com o nosso dinheiro, vende as mesmas para os amigos, que pagam a compra com dinheiro do BNDES ou com títulos podres e os negociadores - funcionários públicos eleitos, "criteriosamente" escolhidos pelos partidos políticos - embolsam verdadeiras fortunas, como se corretores autônomos fossem.
1984: Brasil, 8º PIB do mundo e China 21º.
2017: Brasil, 10º PIB do mundo e China 2º, caminhando para 1º.

sábado, 26 de agosto de 2017

Discurso do Senador Magno Malta

Martim Berto Fuchs

A esquerdalha não muda. É sempre a mesma, mentirosa e hipócrita, e nós povo temos que pagar o custo dessa inutilidade ter voz ativa na política brasileira.


Alemanha proíbe site de extrema-esquerda

DW
Plataforma é considerada meio mais influente na cena extremista de esquerda no país. "Não há lugar na nossa sociedade para radicais, qualquer que seja sua orientação", diz ministro do Interior.

O Ministério do Interior da Alemanha proibiu o site de extrema esquerda linksunten.indymedia.org. Os operadores da página, que vivem em Freiburg, receberam a notificação de interdição nesta sexta-feira (25/08), segundo a agência de notícias DPA.

Para as autoridades de segurança, o site, lançado no início de 2009, é considerado o meio mais influente na cena extremista de esquerda na Alemanha. A página desempenhou um papel importante no contexto dos tumultos na cúpula do G20 em Hamburgo, em julho, convocando inclusive para protestos violentos, de acordo com o Verfassungsschutz (serviço de proteção à Constituição). Na página, usuários podem postar mensagens anônimas.

O site viola "em finalidade e atividade as leis criminais" e se opõe à ordem constitucional, publicou o portal Spiegel Online citando um comunicado do Ministério do Interior. Os símbolos da plataforma extremista também foram proibidos.

No contexto da interdição da plataforma, forças de segurança realizaram buscas em vários locais no estado de Baden-Württemberg nesta sexta-feira. Autoridades confiscaram computadores, canivetes, bastões e canos, confirmou o ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maizière. Não houve detenções.

O ministro admitiu, porém, que o desligamento da plataforma "não será tecnicamente possível para hoje ou amanhã", mas salientou que a continuação da operação do site é desde já constituída uma infração criminal. "Não há lugar na nossa sociedade para extremistas radicais e violentos, qualquer que seja sua orientação", acrescentou.

Durante anos, os extremistas de esquerda usaram a plataforma para semear o ódio. Segundo De Maizière, há quase diariamente "confissões desprezíveis" de atos criminosos sob a proteção do anonimato, incluindo ataques a policiais e estações ferroviárias. "Este é um desrespeito fundamental de nossas leis", afirmou o ministro.

Deutsche Welle

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Será o fim do patrimonialismo?

Luiz Carlos Azedo

Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção

A emblemática privatização da Casa da Moeda, anunciada ontem pelo governo, vai muito além da desmobilização de seu patrimônio e concessão de serviços. É a joia mais antiga da coroa do nosso velho patrimonialismo. Fundada em 1694, em Salvador, por Dom Pedro II de Portugal, foi criada para cunhar moedas de ouro de circulação exclusiva no Brasil. Desde então, é responsável pela produção do meio circulante brasileiro e de outros produtos de segurança, como passaportes com chips e selos fiscais. O complexo industrial, localizado em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, por exemplo, é um dos maiores do gênero no mundo, com três fábricas da empresa (de cédulas, de moedas e gráfica); na antiga sede no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1868, hoje funciona o Arquivo Nacional.

Dois dias depois de anunciar a privatização da Eletrobras, uma gigante estatal com receita de R$ 60,7 bilhões e 24 mil empregados — com 13 subsidiárias, 178 empresas e 223 usinas hidrelétricas —, o governo anunciou um Programa de Parcerias de Investimento (PPI) no qual 57 novos ativos foram disponibilizados, entre aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. Segundo o ministro da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco, o objetivo é “enfrentar a questão do emprego e da renda”. O governo não sabe ainda quanto pretende arrecadar com os novos leilões, mas estima que representarão R$ 44 bilhões em investimentos. O objetivo é elevar as receitas num momento de arrecadação fraca e deficit fiscal de R$ 159 bilhões.

Na prática, foi anunciada ontem a decisão política de se desfazer do patrimônio, sem que tenham ficado muito claras as regras do jogo. Não houve uma prévia discussão no interior da equipe econômica da modelagem das privatizações. O modelo será selvagem, como aconteceu com o programa do primeiro-ministro russo Boris Yeltsin, ou cercado de garantias institucionais, como nas privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso? As duas experiências ocorreram na década de 1990 e servem de paradigma para investidores do mundo inteiro quando se trata de lidar com os chamados países emergentes.

O programa reabre a discussão sobre o patrimonialismo no Brasil. O conceito foi criado por Max Weber, filósofo e sociólogo alemão, e adotado por alguns dos chamados intérpretes do Brasil, como Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e Victor Nunes Leal (Coronelismo: enxada e voto, 1948). Em 1978, o tema foi retomado com a reedição da obra de Raymundo Faoro Os donos do poder, a formação do patronato brasileiro (1958), que mostra as dificuldades em separar o patrimônio público dos bens privados para a construção de um Estado moderno, baseado no respeito aos preceitos legais.

Privatizações
A crise do Estado de bem-estar social na Europa e o chamado “Thatcherismo” coincidiram, no Brasil, com a crise do modelo nacional desenvolvimentista, que proporcionara o chamado “milagre brasileiro” no auge do regime militar. Após a vitória conservadora no Reino Unido, em 1979, a primeira-ministra Margaret Thatcher privatizou a maior parte do setor público, contra a opinião dos trabalhistas e a mobilização dos sindicatos, que acabaram derrotados depois de uma greve de mineiros que durou mais de um ano. Nos meios intelectuais, o debate sobre as privatizações emergiu como uma espécie de saída para a crise de financiamento do setor público e superação do patrimonialismo em meio à luta pela democratização do país. Mas morte de Tancredo Neves, em 1985, de certa forma, frustrou uma reforma liberal.

Agora, a Operação Lava-Jato repôs esse debate na ordem dia. A passagem do PT pelo poder, economicamente intervencionista e estatizante, exacerbou o fisiologismo, o clientelismo e o patrimonialismo. A presidente Dilma Rousseff foi afastada do poder, mas seus aliados permaneceram no controle das estruturas de governo, a começar pelo PMDB, cujas práticas patrimonialistas dispensam apresentação. Doutrinariamente, caberia ao PSDB liderar a retomada do debate sobre as privatizações, mas o que está acontecendo é outra coisa. Foi o núcleo peemedebista ligado ao presidente Michel Temer que resolveu desatar o nó das privatizações.

Como se dará esse processo? Essa é a grande indagação no mercado, porque as regras não estão claras. Na Rússia, as privatizações selvagens de Yegor Gayder, ministro de Boris Yeltsin, transformaram burocratas comunistas em magnatas capitalistas da noite para o dia. Putin virou um novo czar da Rússia ao pôr ordem no processo, com apoio da classe média generalizada que surgiu da restauração capitalista. No Brasil, a recessão impediu a consolidação da chamada nova classe média, lançada ao desemprego e à falência, mas a retomada do crescimento pode viabilizar isso. É uma aposta para 2018 se a reforma do Estado avançar na administração direta e na Previdência e os investimentos vierem. Muitos desses investidores são africanos, árabes, russos e chineses, que gostam de jogo bruto. Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção e o mau uso do patrimônio do Estado. Ele pode ser abortado por privatizações a toque de caixa.

Correio Braziliense

Por que políticos não gostam de privatizações

Editorial

Restrições à venda de Furnas no Sudeste, da Chesf no Nordeste e ao leilão de usinas da área da Cemig em Minas mostram como há outros interesses em jogo

Sindicatos de funcionários de empresas públicas costumam ser os primeiros a levantar barricadas contra a privatização de estatais. Temem a cultura administrativa do mundo privado, onde não existe Tesouro para compensar prejuízos com dinheiro do contribuinte, nem há condescendência com maus profissionais e vigora o princípio do mérito.

O anúncio da privatização da Eletrobras e a intenção do governo de levar à leilão usinas da área da Cemig, estatal mineira, ambas as operações para ajudar no reequilíbrio fiscal da União, têm enfrentado resistência também de políticos. Mas não só por motivos ideológicos. Estes são conhecidos. Tem ficado evidente, nessa rejeição à venda de estatais, outro tipo de oposição, com origem na cultura pluripartidária do fisiologismo, e também na corrupção que costuma ser praticada no mundo das empresas públicas.

Garimpar comissões e empregar apaniguados em estatais é o sonho de muita gente. Daí, logo depois do anúncio da privatização da Eletrobras, políticos nordestinos terem passado a defender a manutenção da Chesf como estatal. Claro, alegadamente para o bem da região e dos nordestinos. Entende-se.

O mesmo acontece em relação a Furnas, com sede no Rio. Há alguns processos referentes a negócios suspeitos feitos na empresa e no seu fundo de pensão em que é citado o ex- presidente da Câmara Eduardo Cunha. O senador tucano mineiro Aécio Neves é outro que aparece em histórias sobre Furnas.

A ação conjunta da bancada mineira para o governo federal deixar quatro hidrelétricas com a Cemig — Jaguara, São Simão, Miranda e Volta Grande — é, no jargão jurídico, forte prova indiciária de que existem muitos interesses em jogo que nada têm a ver com quilowatts. A campanha é pluripartidária. Une o tucano Aécio e o petista Fernando Pimentel, o governador.

O governo conta com o leilão destas usinas para ajudar a União a atingir a meta fiscal deste ano. Como a equipe econômica conta com estimados R$ 11 bilhões provenientes dos leilões, os mineiros negociam com o BNDES um exótico empréstimo à Cemig, para a estatal mineira ficar com as usinas, e o governo, com o dinheiro. Mas o banco chegaria apenas a R$ 9,7 bilhões. Porém, mais importante que tudo é que não faz sentido o BNDES, instituição de fomento, bancar uma operação comercial por conveniências políticas. Repete-se o relacionamento do banco com a JBS, no lulopetismo. Como Temer é um presidente fraco, tudo pode acontecer.

A administração das estatais depende do governo de turno. O que deixa tudo muito instável. Houve oito anos de Fernando Henrique, nos quais se tentou alguma profissionalização na gestão das empresas. Existiu ladroagem, confessou Pedro Barusco a uma CPI da Petrobras. Mas nada como a "corrupção sistêmica” instalada na empresa a partir de Lula, termo usado pelo próprio ex-gerente da Petrobras na área de serviços, subordinado ao diretor Renato Duque, preso em Curitiba, junto com Eduardo Cunha.

Esta é a questão: pode ser eleito um governo populista e pouco ético e desmontar as conquistas feitas em gestões anteriores. Portanto, no caso da estatais, a melhor e única alternativa sensata é vendê-las, até por precaução.

O Globo


quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Angola se prepara para a saída de presidente Dos Santos depois de quase quatro décadas

GEMMA PARELLADA
(*)

O presidente, no poder desde 1979, deixa o cargo depois das eleições desta quarta-feira

As imensas bandeiras vermelhas e pretas ondeiam com a brisa fresca na árida capital, Luanda. Penduradas nas pontes, nos postes, na praia, as cores do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) – que são as mesmas da bandeira nacional – tingem a cidade nas horas prévias às eleições desta quarta-feira, que não apontam mudança política, mas serão uma histórica e retumbante despedida: a do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 38 anos.

“Quando nasci, Santos já estava à frente.” Como Pedro, que fala pedindo o anonimato, toda a juventude de Angola (25,7 milhões de habitantes, segundo o censo de 2014) só conhece seu país nas mãos de Santos, de 74 anos, e viveu sempre sob um sistema dirigido e controlado por um só homem. Com Teodoro Obiang, o presidente da Guiné Equatorial, no poder desde 1979, José Eduardo dos Santos é o mandatário africano com mais anos no comando de um Governo, acima do camaronês Paul Biya (35 anos) e do zimbabuano Robert Mugabe (29 anos). Agora, Santos, com a saúde frágil (esteve em uma clínica em Barcelona duas vezes no último ano), entrega voluntariamente a segunda posição do pódio, em um gesto político sábio que o afastará da primeira linha, embora não necessariamente do poder.

A Constituição aprovada em 2010 prevê a realização de eleições gerais a cada cinco anos. Com o sufrágio são eleitos 130 deputados em âmbito nacional e outros cinco como representantes de cada uma das 18 províncias do país. Só pode ser presidente de Angola o cabeça de lista de âmbito nacional que for o mais votado. Das 220 cadeiras da Assembleia, 175 estão em mãos do MPLA. Quase 10 milhões de angolanos estão aptos a ir às urnas nesta quarta-feira.

“Este país precisa de mudança”, afirma Abel Chivukuvuku, o candidato de um dos principais partidos da oposição (CASA-CE), em seu último comício, invocando um elixir que cai bem entre a juventude, ansiosa por abertura, mas que não causa temor na poderosa estrutura do MPLA.

Os arranha-céus se estendem pelo elegante perfil da costa de Luanda, fazendo sombra a uma cidade envolta por bairros de casebres precários. Os recursos minerais, como os diamantes e, sobretudo, o boom do petróleo, permitiram ao Estado reconstruir uma parte da infraestrutura totalmente destruída pela guerra, que terminou em 2002. Treze anos de luta pela independência de Portugal, mais 27 de guerra civil, deixaram o país cicatrizado pelas bombas, pelos deslocados, pelos feridos, e sob o perigo das minas antipessoal – Angola está entre os cinco países mais minados do mundo. Há 88.000 pessoas vivendo com ferimentos causados por essas explosões. O colapso do preço do petróleo freou o desenvolvimento econômico do país, que entrou em recessão pela primeira vez desde 2002.

Tudo é caro em Luanda, menos os candongueiros, esses transportes brancos e azuis que permitem a movimentação das classes populares da capital. Um deles entra a toda velocidade pela faixa de terra da Ilha, que fecha a laguna com a marina e alguns dos clubes mais elegantes da cidade. O ajudante do motorista, pendurado na porta que abre a cada parada pare recolher gente, tira com delicadeza a bandeira amarela do CASA-CE pela janela. Em uma das paradas, diante de um caminho de areia com uma concentração de pessoal do MPLA, as mulheres com sombrinhas, chapéus e camisetas vermelho e preto lhe dizem que está no partido errado.

Na rua, as divergências são suaves, amáveis e cordiais. Mas expressar uma opinião contrária ao MPLA pode ter graves consequências, como bem sabe o reduzido grupo de angolanos que ousa apontar, condenar e denunciar os excessos do partido e da família do presidente. O jornalista e ativista Rafael Marques de Morais esteve na prisão, foi ameaçado e acusado pelas autoridades de “injúria contra a autoridade pública”. Mas, a poucas horas das eleições, continua sem medo de falar.

Para Marques, João Lourenço, ministro da Defesa e, aos 63 anos, substituto de José Eduardo dos Santos, não é indício de uma abertura do sistema, nem sequer nas fileiras do MPLA, mas bem o contrário. “Não é um homem de diálogo”, afirma. “O presidente Santos encontrou com o passar dos anos uma maneira de usar a corrupção como repressão, em vez da violência. O resultado para a população é o mesmo: morrem por falta de remédios e ausência dos serviços básicos, mas pelo menos foi capaz de absorver a maioria da oposição.”

O novo candidato é, ao contrário, “um homem com uma visão mais radical do poder e tentará se impor não por meio do diálogo ou da tolerância, mas mostrando quem está no cargo”, segundo Marques. Há duas décadas Marques denuncia com nomes e sobrenomes os negócios fraudulentos da família Santos e da cúpula “dos generais”, que combinam o poder político e econômico de Angola.

“O presidente Santos privatizou o Estado, os principais bens do país – o setor diamantífero, o petróleo e o setor bancário – estão em mãos de seus filhos”, denuncia. A filha mais velha, Isabel dos Santos, se transformou na primeira mulher bilionária da África. Segundo o Centro de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, entre 2002 e 2015 o equivalente a 90 bilhões de reais do orçamento do Governo desapareceram.
Entre o amarelo e o vermelho e preto, que Luanda veste, assoma também o galo do grande inimigo histórico, a UNITA, o partido oposicionista com maior representação no Parlamento atual. O grupo armado do célebre Jonas Savimbi, contra quem o MPLA travou a feroz guerra civil e que só depois da morte de Savimbi transformou sua oposição de armada em política.

EL PAÍS

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  comparada com Angola, nossa “democracia” é um luxo. Lá como aqui, eles, os políticos e seus financiadores, chamam a farsa que vai ocorrer hoje, de eleição.
E o povo, idiotizado pela propaganda mentirosa e pela falta de conhecimento mínimo, acredita que está tendo opção de escolha, quando não faz mais do que referendar os candidatos escolhidos à dedo pelos donos do poder.
Isto de forma alguma é democracia. Mas é a “democracia” que nossos políticos nos impõem, com todas reformas políticas que fazem no passar das décadas. Mudar para nada mudar.