sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Fascismo Tropical

por Hélio Fernandes

Se a coisa parece confusa, não significa que seja fruto do acaso. O barco parece à deriva, mas nunca deixou de ter um timoneiro, mesmo que este não se anuncie.

Embora sem ser historiador ou tiver a pretensão de sê-lo, enfileiro-me entre os que consideram a História uma ciência. Àquele, se obriga a acompanhar a vida social do homem desde a sua existência, pelo que dizem os estudiosos a mais ou menos 200 mil anos… Mas para mim, de cultura ocidental, o show do movimento histórico e o progresso da humanidade, não vem de tão longe, mas de 4.000 anos antes de Cristo.

O estudo científico projeta que cada época tem a sua própria análise filosófica e, no dizer do filósofo russo Giorgi Plekhanov, não deve se limitar a uma sucessão de fatos, mas saber a razão por que tais fatos se sucederam à sua própria maneira.

Hegel ensina que a filosofia da História é a História considerada como inteligência. Para ele, “Os fatos são tomados tais quais são, e o único pensamento que ela neles introduz é o pensamento de que a razão domina o mundo”.

Eu escrevo apenas o que acompanhei – sendo, como o antigo Repórter Esso, “testemunha ocular” – não adoto o fatalismo dos árabes ou o pensamento cristão, seja católico (Agostinho) ou evangélico (Calvino), de tudo depende da vontade de Deus.

Pretendo mostrar as coisas como são ao meu modo de ver, e o importante papel do indivíduo impondo-se aos acontecimentos. Vou ao exemplo colegial que ensinava na minha adolescência mostrando que se não tivesse ocorrido a Revolução Francesa, Napoleão teria morrido com as divisas de coronel ou talvez de general…

Nesta apreciação sobre a política brasileira, levo em conta de que percebi que as particularidades individuais se impuseram a situações causais. Não tivesse havido uma ruptura democrática com a derrubada de João Goulart em plena “guerra fria”, o general Golbery do Couto e Silva não teria assumido o importante papel que ocupou no regime militar.

E sem Golbery, a existência de Lula da Silva, como indivíduo, não passaria de um pelego sindical do ABC paulista; e que o Partido dos Trabalhadores possivelmente não teria existido. E os 12 anos de poder de Lula e do seu partido não teriam importância (acontecido) se não fosse o famigerado instituto da reeleição imposto por Fernando Henrique Cardoso.

Relembro que a criação do PT, “um novo gênero de partido”, nos deu uma organização política “acima das classes”, como Mussolini adotou ao estabelecer as bases do Partido Nacional Fascista na Itália. E assim, o PT vem se mostrando como uma cópia de papel carbono do mussolinismo.

Como o fascismo, o crescimento e a sustentação do lulo-petismo se devem principalmente à capacidade de modificar sistematicamente suas posições diante das situações difíceis, como ocorreu no caso do Mensalão; e se alicerça na bilionária propaganda de massa promovida pelo governo e pelas empresas estatais.

Enquanto o PT-governo enche de favores banqueiros, empresários e indústria automobilística, o partido recebe contribuições das empresas dependentes de contratos governamentais, principalmente das empreiteiras. E vem dinheiro também da arrecadação do dízimo de mais de 25 mil aparelhados ocupantes de cargos comissionados na administração pública.

Esta gorda “caixinha” fortalece a organização, sustenta uma vasta burocracia e atende à manutenção de agentes provocadores. Isto se viu recentemente com a mobilização de jovens atuando organizadamente nas redes sociais para enfrentar a oposição na internet; esse recrutamento tem as mesmas características dos Fasci Giovanilli di Combatimento, do Partido Nacional Fascista.

À similitude do lulo-petismo com o fascismo italiano, descrita acima, acrescenta-se que, como os fascios faziam com Mussolini, o PT vive à base do egocentrismo de um chefe, Lula, que tem sua personalidade cultuada.

Arriscando-se (acho quase certo) a perder as próximas eleições presidenciais, o lulo-petismo põe as garras de fora, abrindo um caminho para o estado totalitário através do decreto presidencial 8243, furtivamente baixado pela presidente Dilma.

É uma lei de exceção, uma Carta Fascista para substituir a Constituição: Transfere o poder dos representantes eleitos para os farsantes “movimentos sociais”, as gangues dos sindicatos apelegados, MST e derivados, ONGs fajutas e toda espécie de arrumadinhos “caça níqueis” intitulando-se “do povo”.

Este maldito decreto dá ao PT-governo o arbítrio eventual sobre toda sociedade. Torna-o, não um adversário político, mas um inimigo do povo brasileiro, com ilimitado poder totalitário. Permitirá a implantação de uma máquina policial tentacular, como a ditadura militar não teve.

Certamente irá suprimir as liberdades de imprensa, de opinião e reunião, e deixará as cabeças pensantes do País sem condições legais de divergir, obrigando-se a manter subterraneamente a luta pelas liberdades individuais e públicas.

Somos uma Nação que pela origem multi-racial e a consequente formação democrática e liberal, cristalizou uma cultura de resistência passiva. Mas a História está cheia de explosões populares, inúmeros levantes contra as invasões estrangeiras e a dominação colonial portuguesa são o melhor exemplo.

Para evitar isso, uma guerra civil fratricida, será preciso enfrentar uma batalha para que o decreto fascista do lulo-petismo não se imponha. Nas ruas, nas redes sociais, em família, na igreja, no trabalho e no clube.

Helio Fernandes, veterano jornalista, foi editor-redator-chefe da Tribuna da Imprensa.

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net  -  22/06/14.



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Os Mitos do Comunismo: Prestes & Cia

“Sou a favor da ideia socialista. Mas uma vez disse a meu pai: ‘se isso é socialismo, eu sou contra o socialismo” (Yuri Ribeiro Prestes, historiador filho de Luiz Carlos Prestes viveu na Rússia de 1970 a 1994 jornal Folha de São Paulo de 2 de novembro de 1997)

por Carlos I. S. Azambuja

A partir do momento em que, na ex-União Soviética os arquivos da 3ª Internacional foram abertos aos pesquisadores, vários mitos e lendas não mais se sustentam. Alguns livros, editados com base nesses arquivos, foram publicados, dando conta de detalhes inéditos do Movimento Comunista Internacional.
A 3ª Internacional, ou Komintern, do alemão“Komunistiche Internationale”, foi uma entidade com sede em Moscou, criada por Lenin, que funcionou de 1919 a 1943.
O Komintern era dirigido pela “Uskaia Komissia”, a“Pequena Comissão”, responsável por todas as decisões relativas aos aspectos políticos, de inteligência e de ligação do Kominern com o Partido Comunista da União Soviética.
Desde a década de 20, o Komintern financiava e controlava os partidos comunistas de todo o mundo, com verbas fornecidas pelo Estado soviético. Essa prática permaneceu inalterada por mais de 70 anos. Quando o Komintern foi desativado, em 1943, o Departamento de Relações Internacionais do PCUS assumiu suas tarefas.
Ao final do ano de 1991, após o fim da União Soviética, foram encontrados na sede do Comitê Central do partido único documentos referentes à “ajuda financeira fraternal” aos demais partidos comunistas de todo o mundo Esses documentos, como é evidente, faziam menção ao Partido Comunista Brasileiro, e comprovam que já em 1935 Luiz Carlos Prestes era um assalariado do Komintern: No período de abril a setembro de 1935, US$ 1.714,00 foi a quantia destinada a Prestes.
Assinale-se que Luiz Carlos Prestes foi admitido como membro do Komintern em 8 de junho de 1934. Antes, portanto, de sua filiação ao PCB, o que constituiu um fato inédito no comunismo internacional. Prestes só viria a ser admitido no PCB em setembro desse ano.
A alemã Olga Benário (que também utilizava os nomes de “Frida Leuschner”, “Ana Baum de Revidor”, “Olga Sinek”, “Olga Bergner Vilar” e “Zarkovich” (casada em Moscou com B. P. Nikitin, aluno da Academia Militar Frunze) que pertencia ao IV Departamento do Estado-Maior do Exército Vermelho, foi a pessoa designada para a missão de acompanhar Luiz Carlos Prestes em sua volta da União Soviética ao Brasil, em 1935.
Ao contrário do que afirma o historiador brasilianistaRobert Levine, em seu livro O Regime de Vargas - 1935-1938, bem como diversas outras publicações nacionais e estrangeiras, Prestes nunca foi casado com Olga.
O clube de revolucionários profissionais a serviço do Komintern, tinha poderes praticamente ilimitados de intervenção nos diversos partidos comunistas, bem como instruções muito precisas sobre como levar adiante as planejadas ações revolucionárias.
O Partido Comunista Brasileiro jamais se libertou de sua subserviência a Moscou. O PCUS, até ser posto na ilegalidade por Boris Yeltsin, em 1991, sempre manteve sobre estreito controle a direção política do PCB, a forma como eram escolhidas suas lideranças, seus processos de formação ideológica, bem como aquilo que sempre foi o mais importante para o partido: o auxílio fraternal. Em 1990, último ano de ativo funcionamento do PCUS, essa ajuda fraternal ao Partido Comunista Brasileiro foi de US$ 400.000 conforme divulgado pelo Tribunal Constitucional Russo que, em 1992, julgou os crimes do PCUS (jornal “Konsomolskaya Pravda”, Moscou, 8 de abril de 1992).
Prestes somente em setembro de 1934 seria admitido nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro, conforme documento do Bureau Político do PCB, datado de 4 de setembro de 1934, publicado no jornal Sentinela Vermelha, nº 1, outubro de 1934, São Paulo. Segundo esse jornal, Prestes foi admitido no partido “por proposta da IC“ e como “simples soldado da IC”. No entanto, diz o jornal, “ao mesmo tempo que o BP aceita a adesão de Prestes, chama todo o partido para intensificar o fogo contra o prestismo dentro e fora de nossas fileiras, contra essa teoria e prática de conteúdo contra-revolucionário, pequeno-burguês, que consiste na subestimação das forças do proletariado como única classe revolucionária, nas ilusões em chefetes e caudilhos pequeno-burgueses, salvadores, cavaleiros da esperança, etc (...)”.
A aceitação de Prestes como membro do PCB foi, portanto, decorrente não do reconhecimento de sua liderança ou de seus atributos de dedicação à causa comunista, mas sim uma imposição do aparato da IC, o que desfaz outro mito.
Em 10 de abril de 1935 - às vésperas da chegada clandestina de Prestes ao Brasil -, referindo-se à primeira reunião pública da Aliança Nacional Libertadora (ANL), realizada dia 30 de março desse ano, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, um documento do PCB, assinado por M (“Miranda”), codinome de Antonio Maciel Bonfim, Secretário-Geral do partido, referia-se a Prestes, aclamado presidente da ANL, como “um grande lutador antiimperialista e anti-feudal”. Esse documento foi publicado no jornal A Classe Operária nº 178, de 10 de abril de 1935.
“Miranda”, na “A Classe Operária” de 23 de abril de 1935, assinala: “(...) As massas populares aclamam espontaneamente Prestes como Presidente de Honra da Aliança Nacional Libertadora (...) Essa aclamação de Prestes significa que as massas populares reconhecem nele um grande lutador contra o imperialismo (...) um lutador conseqüente de há muitos anos (...)”.
Em apenas 7 meses, portanto, Prestes passou de“caudilho pequeno-burguês” a “lutador conseqüente de há muitos anos”.
Logo depois, Fernando Lacerda, membro do Comitê Central do PCB, delegado do partido ao VII Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscou em julho de 1935, em seu discurso nesse evento, transcrito na revista da IC, “Correspondência Internacional” de 4 de dezembro de 1935, assinalou: “(...) Desde outubro de 1934, após a 3ª Conferência dos Partidos Comunistas dos Países da América Latina, conseguimos realizar uma reviravolta decisiva, tomando audaciosamente a iniciativa da organização de uma Aliança de Libertação Nacional (...) Entre seus organizadores e dirigentes destacava-se o nosso camarada Luiz Carlos Prestes (...) Já lançamos audaciosamente a palavra de ordem de ‘todo poder à ANL’(...)”. Observe-se que na data referida por Fernando Lacerda - outubro de 1934 - Prestes vivia, ainda, em Moscou.
Essa é outra lenda que desaba: a de que, quando criada, a ANL não tinha qualquer vinculação com o partido. Na verdade, desde o primeiro momento, foi uma organização de fachada do PCB, como centenas de outras durante toda a existência do partido.
Em 14 de julho de 1935 a Aliança Nacional Libertadora foi colocada fora da lei pelo governo e suas sedes fechadas.
O Comitê Central do PCB, reunido em fins de julho de 1935, tachou o fechamento da ANL de “arbitrário e violento” e concitou seus militantes a recrutar elementos e formar o partido no campo, “criando Ligas Camponesas” (documento apreendido em agosto de 1935 e integrante do processo nº 1, arquivado no STM).
Desfaz-se, portanto, outro mito: o de que foi Francisco Julião o inspirador e criador das “Ligas Camponesas”, nos anos 50.
Em 15 de setembro de 1935, às vésperas, portanto, da deflagração da Intentona, o “BSA-Bureau Sul-Americano” do Komintern, que funcionava em Buenos Aires, recebeu do “EKKI” a determinação de passar a dirigir as atividades do PCB conjuntamente com Luiz Carlos Prestes e “Miranda”- Antonio Maciel Bonfim, Secretário-Geral. Isso significou, na prática, que o“BSA”, organismo do Komintern para a América Latina, passou a comandar (esse é o verbo correto) as atividades do Partido Comunista Brasileiro.
Logo depois, com data de 6 de outubro de 1935, “Indio Negro” remetia a “Américo” (outro codinome de“Miranda”) uma carta com a proposta “de cooptar ‘Garoto’ para membro do Comitê Central e elegê-lo para o Birô Político do CC”. E determina: “Isso deve ser efetuado na próxima reunião do plenário do CC”(documento integrante do processo nº 1, arquivado no Superior Tribunal Militar). A pessoa referida como“Garoto” era Luiz Carlos Prestes.
Mas, quem é “Indio Negro” que dava ordens ao Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro?
Eram duas pessoas, segundo os dados obtidos nos arquivos da 3ª Internacional:
“Indio” – Rodolfo José Ghioldi, que também utilizava os codinome de “Autobelli”, “Quiroga” e “Luciano Busteros”argentino membro do “Bureau Sul-Americano” agente doKomintern deslocado da Argentina para o Brasil em dezembro de 1934, juntamente com sua mulher Carmen de Alfaya.
“Negro”- Arthur Ernst Ewert, que também usava os codinomes de “Albert”, “Castro” e “Harry Berger” alemão agente do Komintern mandado para o Brasil em dezembro de 1934.
A lenda, já integrada à História, de que apenas os 9 estrangeiros presos após a Intentona integravam o aparato do Komintern no Brasil, revelou-se falsa. Os estrangeiros deslocados para o Brasil pelo Komintern, para fazer a Intentona, foram 23. Os nomes de todos podem ser encontrados no livro “Camaradas”, do jornalista William Waak.
Desaba também outro mito: o de que a Intentona Comunista tenha sido uma ação genuinamente brasileira, imaginada e levada a cabo pelo PCB.
Não foi.
A ordem para que a insurreição fosse deflagrada partiu de Moscou, em telegrama do Secretariado Político do“EKKI”, dirigido a Ewert e a Prestes, nos seguintes termos: “A questão da ação (o levante) decidam vocês mesmos, quando acharem necessário. Assegurem apoio à ação do Exército pelo movimento operário e camponês. Tomem todas as medidas contra a prisão de Prestes. Enviamos 25.000 por telegrama. Mantenham-nos informados do rumo dos acontecimentos”.
Esse telegrama, escrito em francês, foi encontrado nos arquivos do Komintern, e na página 128 do livro“Camaradas” está publicada uma cópia xerografada do mesmo.
No período pré e pós-Intentona o partido cometeu diversos assassinatos de seus próprios correligionários, a título de “justiçamentos”, por suspeita de colaboração com o inimigo de classe.
Um deles foi o da jovem de 16 anos “Elza Fernandes” ou“Garota”, como era conhecida no partido Elvira Cupelo Colônio, amante de “Miranda”, Secretário-Geral do PCB - e que, devido a isso, conhecia todos os demais membros do Comitê Central, e outros, com atuação relevante na Intentona Comunista -, por suspeita decolaboração com a repressão. A decisão de eliminar“Garota” foi tomada por Luiz Carlos Prestes, conforme documentos que integram o processo nº 1, já referido. Nos autos desse processo está uma carta, de próprio punho de Prestes, com data de 16 de fevereiro de 1936, remetida a “Meu Caro Amigo” (não identificado), dizendo: “(...) Não podemos vacilar nessa questão (...) Tudo precisa ser preparado com o mais meticuloso cuidado, bem como estudado com atenção todo um plano de ação que nos permita dar ao adversário a culpabilidade (...) Ela já desapareceu há alguns dias e até agora não se diz nada (...)”.
Em outra carta , dirigida ao Secretariado Nacional do PCB, datada de 19 de fevereiro de 1936 (apenas três dias depois), Prestes escreveu: “(...) Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução e vacilações de vocês (...) Companheiros, assim não se pode dirigir o partido do proletariado, da classe revolucionária conseqüente (...) Já em minha carta de ontem formulei minha opinião a respeito do que precisávamos fazer (...) Não é possível dirigir sem assumir responsabilidades. Por outro lado, uma direção não tem o direito de vacilar em questões que dizem respeito à defesa da própria organização (...)”.
Cópia do original da carta acima, manuscrita por Prestes, está entre as páginas 33 e 34 do livreto “Os Crimes do Partido Comunista”, de Pedro Lafayette, Editora Moderna, 1946, Rio de Janeiro.   
“Miranda” e “Elza Fernandes” haviam sido presos em 13 de janeiro de 1936. A Polícia colocou “Elza Fernandes”em liberdade, pelo fato de ser menor de idade. Logo, a direção do partido colocou-a em cárcere privado, na residência do militante conhecido como “Tampinha”(Adelino Deycola dos Santos), na rua Maria Bastos nº 41-A, em Deodoro, subúrbio do Rio, sob a guarda dos militantes “Gaguinho” (Manoel Severino Cavalcanti) e“Cabeção” (Francisco Natividade Lira).
Nessa casa, em 20 de fevereiro de 1936 - um dia após a segunda carta de Prestes -, “Elza Fernandes” foi assassinada por enforcamento, por esses elementos, e sepultada no quintal da casa. Após terem sido presos, todos confessaram o assassinato, dando-o como umjustiçamento, sendo o corpo de “Elza Fernandes”exumado pela polícia em 14 de abril de 1936.
Luiz Carlos Prestes, o mandante, e Olga Benário foram presos em 5 de março de 1936. Em 17 de abril de 1945, 9 anos depois, Prestes foi anistiado e em outubro desse mesmo ano eleito Senador da República. Em maio de 1946 o partido foi tornado ilegal pela Justiça Eleitoral e passou a funcionar na clandestinidade. A partir de 1971 Prestes passou a viver em Moscou, sendo novamente anistiado em 1979 e, por força da Constituição de 1988, reincluído no Exército, promovido e reformado.
Em 16 de agosto de 2006 Luiz Carlos Prestes foi promovido ao posto de Coronel, com os proventos de General de Brigada.
Muitos dirão, principalmente os mais jovens: Caramba, eu não sabia!

PORTARIA No- 7/ANISTIA,

DE 16 DE AGOSTO DE 2006

O ................................................................................................,

no uso da competência que lhe foi delegada pela Portaria no- 479, de 11 de agosto de 2004, do Comandante do Exército, em cumprimento à Portaria Normativa no- 657/MD, de 25 de junho de 2004, do Ministro de Estado da Defesa, e nas condições impostas pela Portaria no- 1339, de 1o- de julho de 2005, do Ministro de Estado da Justiça, que decidiu: declarar LUIZ CARLOS PRESTES anistiado político "post mortem", reconhecendo o direito às promoções ao posto de Coronel com os proventos do posto de General-de-Brigada e as respectivas vantagens, e conceder em favor das requerentes MARIA DO CARMO RIBEIRO, ERMELINDA RIBEIRO PRESTES, MARIANA RIBEIRO PRESTES, ROSA RIBEIRO PRESTES, ZOIA RIBEIRO PRESTES, e demais dependentes econômicos, se houver, a reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 9.204,48 (nove mil, duzentos e quatro reais e quarenta e oito centavos), cabendo a cada uma das requerentes, respectivamente, os percentuais equivalentes a 50%, 12,5%, 12,5%, 12,5%, 12,5%, de cada prestação acima concedida, nos termos do artigo 1o- , incisos I e II da Lei no- 10.559, de 14 de novembro de 2002", resolve: CONSIDERAR, transferido para o Regime do Anistiado Político de que trata a Lei no- 10.559, de 13 de novembro de 2002, o anistiado político "post mortem" LUIZ CARLOS PRESTES, por imposição do disposto na Portaria no- 1339, de 1o- de julho de 2005, do Ministro de Estado da Justiça. 


Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net


quarta-feira, 25 de junho de 2014

PARA TRAJANOS, KFOURIS, LULAS E ASSEMELHADOS

por Maria do Rosário Pacheco
 
A "elite" meus senhores, essa elite desprezível e sórdida a que vcs tanto se referem estava sim presente na festa de abertura da Copa. Estava ali bem acomodada na Tribuna de Honra representando os amigos do rei ou em setores especiais cercados de mordomias e coalhados de políticos sem vergonha, os baba ovos desse governo imundo.

Os pagantes do Itaquerão eram torcedores, gente que gosta de futebol e acalentava o sonho de ver a Seleção jogar numa Copa do Mundo.
Gente que não sem esforço juntou dinheiro pra comprar ingresso, dinheiro fruto do trabalho e não de roubo, e portando bandeiras enfrentou filas e desorganização com o único propósito de realizar um sonho.

Essa multidão não foi constituída por alienados ou bolsistas, nem pelos que mamam nas tetas do governo, os oportunistas, os corruptos. Estava lá a classe média trabalhadora e pagadora dos seus impostos, CIDADÃOS com suas famílias e amigos. Foram ver a Seleção e aguardaram muitos meses, talvez anos pelo espetáculo grandioso da abertura da tão propalada Copa das Copas. E o que se lhes apresentou foi um espetáculo chinfrim ao custo de milhões e pela primeira vez na historia das copas não houve discursos, a presidenta, autoridade máxima do país nem sequer lhes dirigiu um aceno.

O coro... "ei, Dilma, vai tomar no cu" não foi previamente combinado, surgiu espontaneamente no meio da multidão e o brado ecoou e foi repetido por todos os cidadãos indignados que não aguentam mais as bandalheiras desse governo incompetente, corrupto e acima de tudo arrogante e prepotente. Estamos cansados de pagar as contas e ser feitos de idiotas.

E agora vêm vcs querendo dar lição de moral? Acharam feio? Feio é o que nos obrigam a vivenciar todos os dias. Vergonha é ser afrontado, espoliado, vilipendiado, roubado e nunca poder reclamar, seguir mansamente a boiada pois assim exigem os bons costumes.

Esses brasileiros que fizeram coro no Estádio me representam, pessoas ordeiras e dignas que soltam a voz com emoção e respeito ao Hino Nacional mas também corajosamente mandam seu recado ao governo usando a unica linguagem que esses cafajestes entendem: a linguagem do submundo onde se aboleta às nossas custas a escória do país.

Recebido pela rede social da minha amiga Sheila, de Brasília.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Os dissidentes do socialismo real

por Carlos I. S. Azambuja

Quando alguém examina livros, revistas e folhetos dos partidos comunistas verifica um fato surpreendente. Em nenhuma parte da interminável verborréia que pretende abordar o político-social encontra-se qualquer referência ao indivíduo.

Página após página, encontram-se os termos “massas”, “proletariado”, “burguesia”, “mercenários do capitalismo”, “reformistas”, “revisionistas”, “renegados”, e sempre, em toda a parte, referências à “vanguarda revolucionária”, isto é, ao partido.

Sempre que qualquer membro do partido é referido, é esterilizado psicologicamente e tirada a sua individualidade: é convertido em “camarada”, “companheiro” ou “quadro”.
Não é por acidente que o ser humano está ausente dos escritos comunistas. O indivíduo não tem cabimento na teoria e nos programas dos partidos comunistas, pois a ideologia só se interessa pelo homem como membro de uma classe e, no que diz respeito ao programa partidário, os indivíduos são referidos como massas.

Na medida em que o indivíduo siga sendo ele mesmo, diz-se que está animado por interesses e esperanças pessoais; é sensível às dúvidas e ao otimismo; é capaz de ser tocado pelo mistério da vida; torna-se imprevisível e capaz de ater-se às suas próprias opiniões.

As mesmas qualidades que fazem dele um indivíduo, o desqualificam para os fins partidários. Tende demasiado a não ser facilmente convencido, a mostrar-se céptico, a aborrecer-se pelas reiteradas abstrações próprias da ideologia comunista, a duvidar do método, a manter uma opinião ainda mesmo depois de se ter convertido à “linha partidária” e a simpatizar ou antipatizar com seus semelhantes sem permissão da “nomenklatura” encastelada nos Comitês Centrais.

Em conseqüência, não é confiável. Necessita ser “desenvolvido” e integrado à massa, ou mesmo, conforme o caso, “justiçado” – como mais de uma vez já ocorreu no Brasil -, a fim de que o partido cumpra sua “missão histórica”, pois, de acordo com a “doutrina científica”, todos os aspectos do ser humano que não se prestem à sua politização são burgueses.

Durante os 70 anos em que, dialeticamente, o socialismo real nasceu, desenvolveu-se, cresceu e desapareceu, foram vários os dissidentes e contestadores, em todas as latitudes, da “doutrina científica”. O mais conhecido, todavia, talvez tenha sido o iugoslavo Milovan Djilas, nascido em 1911, considerado um herege pelo mundo comunista do pós-Guerra. Após estudar Literatura e Direito na Universidade de Belgrado, filiou-se ao Partido Comunista e, em 1938, aos 27 anos, foi nomeado membro do Comitê Central do Partido Comunista (Liga Comunista Iugoslava) pelo então Secretário-Geral Josip Broz Tito, transformando-se em um dos seus mais fiéis assessores. Por alguns anos foi Ministro da Informação e Propaganda e vice-presidente da República.

Desempenhou várias missões políticas junto à União Soviética e foi considerado um dos responsáveis pelo rompimento de Tito com Moscou, após rejeitar, em 1948, todas as propostas e tentativas soviéticas de dominar a Iugoslávia, transformando-a em mais um satélite.

A partir daí, Djilas começou a demonstrar as evidências de uma profunda mudança ideológica. Desiludido com as propostas do stalinismo e com a própria linha política adotada pela Liga Comunista de seu país, defendeu, em uma seqüência de artigos publicados no jornal porta-voz da Liga, o “Borba”, a tese de que os rumos da revolução deveriam ser revistos e de que naquele momento já se tornava necessária uma maior liberdade de opinião e um abrandamento do controle do partido sobre o Estado e sobre todo o povo. Em 1954, foi ainda mais longe, ao formular duras críticas ao modo de vida e à moralidade dos que se apoderaram do poder, não apenas na Liga, mas também na União Soviética e demais países da Europa Oriental.

Afastado de suas funções no governo e expulso da Liga, Milovan Djilas concedeu uma série de entrevistas a jornais estrangeiros, condenando o regime iugoslavo, o que o levou à prisão por três anos. Foi quando escreveu o seu mais importante livro, “A Nova Classe”, que em 1967 foi editado no exterior. Esse livro é uma reflexão sobre os objetivos do stalinismo ao lutar para destruir a classe capitalista, supostamente exploradora, antevendo o surgimento de uma nova classe dirigente: a burocracia política, ou seja, a nomenklatura, como mais tarde ficaria conhecida.

Em razão desse livro, Djilas foi novamente condenado. Desta vez a sete anos de prisão, dos quais cumpriu a metade. Em 1962, voltaria ao cárcere, condenado por escrever o livro “Conversações com Stalin”. 

Nessa época, Djilas ainda acreditava que poderia permanecer sendo um comunista e, ao mesmo tempo, um homem livre. Finalmente, em 1970, escreveu “Além da Nova Classe”, livro no qual defendeu a tese de que a ideologia comunista se encontrava em estado de deterioração e não mais era aceita como instrumento de organização de uma sociedade, nem mesmo pelos próprios comunistas.

Vinte anos depois, a queda do Muro de Berlim e o desmantelamento do socialismo real confirmariam essa previsão.

Milovan Djilas faleceu em 20 de abril de 1995. Um ano e meio antes de sua morte, escreveu uma série de três artigos, descrevendo os grandes momentos de sua vida e sua visão sobre o futuro do socialismo. A imprensa, em maio de 1995, publicou essa série de artigos. O último deles, “O Futuro do Socialismo Democrático”, indiscutivelmente foi o mais importante.

Antes, porém, nos dois primeiros artigos, Milovan Djilas fez algumas revelações até então desconhecidas do grande público:
- que suas ideias a respeito do comunismo foram mais fruto de sua experiência própria, de seus problemas pessoais, da sua vivência, do que da simples contemplação filosófica;
- que era um crente, pois acreditava fielmente no comunismo. E somente um crente pode tornar-se um herege;
- que criticou o regime iugoslavo por sua conduta ambígua em relação à revolução húngara de 1956, embora Tito tivesse apoiado a intervenção soviética na Hungria.

Que do alto dos seus 82 anos - 18 meses antes de sua morte -, recordava-se de quatro momentos cruciais em seu desenvolvimento intelectual: sua transformação de intelectual rebelde em militante comunista; a compreensão de que, após a II Guerra, a Liga Comunista Iugoslava adotara uma orientação bolchevique e stalinista; a de suas longas prisões como comunista, quando teve oportunidade de voltar às suas leituras filosóficas; e a quarta e última fase, que foi a da intuição, que depois se transformou em experiência pessoal.

Somente em 1989, quando o desmoronamento do socialismo já era um fato na Europa Oriental, foi autorizada em seu país a edição de seus 14 livros.

Em “O Futuro do Socialismo Democrático”, Milovan Djilas reconhece ter previsto o fim do socialismo, mas não a maneira como esse edifício iria desmoronar. Crê, entretanto, que o fim do socialismo real não tenha provocado seqüelas na social-democracia e nem na chamada “esquerda reformista”. Se a social-democracia européia está em crise, disse ele, isso se deve à sua pouca adaptação à realidade do mundo atual e à sua identificação com o capitalismo neoliberal, pois a social-democracia, que hoje pode ser considerada a esquerda do capitalismo neoliberal, não elaborou idéias para reagir diante das mudanças que não cessam de ocorrer nas sociedades capitalistas. 

Segundo Djilas, embora não saibamos qual deva ser a ideologia da social-democracia, jamais poderá ser o marxismo-leninismo, pois essa ideologia não tem qualquer validade para a construção da sociedade do futuro. Todavia, ainda considera válida a crítica ao capitalismo formulada por Marx, particularmente nos países que hoje empreendem um capitalismo tardio, como a ex-Iugoslávia e a Rússia, que até ontem eram comunistas. Esses países, hoje, percorrem o caminho pedregoso de transição do socialismo de Estado para o sistema de propriedade privada. Isso implica, necessariamente, diz Milovan Djilas, um período de capitalismo primitivo e, nesse contexto, é válido o método marxista, como o conhecimento histórico do capitalismo nascente e dos pactos sombrios dos seus primeiros passos.

As sociedades que surgiram das ruínas do socialismo, diante de um capitalismo primitivo e brutal, deverão lutar por programas sociais bem concebidos, com os olhos voltados para a criação de sociedades mais justas. Caso não consigam isso e prevaleçam os aspectos negativos do capitalismo primitivo, esses Estados conhecerão tragédias imensas, guerras e opressão.

As previsões de Djilas não ficaram longe da realidade. Na Rússia, as empresas de livre mercado, organizadas a partir de 1991, transformaram-se em reféns de grupos de criminosos organizados, conhecidos como a “máfia russa”. Nesse sentido, funcionários do Ministério do Interior estimam que cerca de 40 mil empresas estão, de alguma forma, conectadas com organizações criminosas, e cerca de 10 dos 25 grandes bancos russos também têm conexões com a máfia. Os grupos criminosos também estão roubando e exportando materiais estratégicos das fábricas russas de armamentos. Empresas pequenas, tais como lojas de varejo, restaurantes e importadoras de bens de consumo, estão cada vez mais vulneráveis à extorsão.

Durante os primeiros anos da reforma econômica, gerentes e burocratas utilizaram-se ilegalmente do dinheiro e propriedades do extinto Partido Comunista e ativos do Estado para implantar bancos ou organizar empresas. 

Hoje, é difícil distinguir os verdadeiros empreendedores desses “sobreviventes soviéticos”.
As sociedades socialistas, ao se esgotar a vitalidade da classe governante, transformada em uma burocracia parasitária, parecem não ter meios de atender às exigências de uma sociedade moderna.

Segundo Djilas, da mesma forma como estão sendo estruturadas as interações econômicas e políticas, irão nascendo as novas ideologias, como é o exemplo da União Européia. A nova ideologia será uma espécie de religião, caracterizada pela fé no ser humano e pelo propósito de melhorar as relações sociais num ambiente de justiça para todos. Djilas, no entanto, reconheceu que esse é um enfoque idealista, que precisará basear-se numa visão que supere a interpretação do capitalismo neoliberal, que prevê o atendimento dos interesses humanos apenas via lucro e eficiência econômica.

A futura ideologia da “esquerda reformista”, por seu lado, não deverá representar obstáculo para as conquistas do capitalismo, como a eficiência e a rentabilidade das empresas. O problema central consistirá no modo de distribuir a riqueza sem prejudicar o bom andamento da economia e, simultaneamente, promover uma sociedade baseada em relações mais humanas e solidárias.

Esse idealismo, todavia, não deverá entregar-se à ilusão de tentar instituir uma sociedade com formas rígidas e permanentes. Sua finalidade será a criação de um novo modelo de relações sociais. Quanto mais diferenciada, melhor e mais criativa será a sociedade. Entretanto, o certo é que sempre existirão no mundo injustiças e desigualdades, reconheceu Milovan Djilas.

Em, 1948, separando-se da ordem stalinista, motivado por Milovan Djilas, Josip Broz Tito inaugurou um novo gênero na história do comunismo: o cisma do comunismo nacional. O conflito foi originado pelas tentativas de Stalin de infiltrar não apenas o partido iugoslavo, mas também o exército, a administração e os serviços de segurança. Tito recusou-se e assumiu os riscos de uma ruptura, dando inicio a uma nova fase do comunismo. Tito teria muitos imitadores, de tal forma que o discurso anti-soviético em linguagem soviética passou a constituir um gênero no repertório comunista. Ele não deixara de ser comunista, mas prezava a independência de seu país.

Mao-Tsetung seria o mais célebre dos contestadores da ortodoxia do marxismo-leninismo, mas não o único, pois até a minúscula Albânia de Enver Hodja, o país mais atrasado da Europa, se ergueria contra Moscou nos anos seguintes.

Mais recentemente, após o desmonte do socialismo, Nicolas Buenaventura, engenheiro e professor, que hipotecou sua vida ao comunismo, pois durante 40 anos foi membro do Comitê Central do Partido Comunista Colombiano, com o cargo de chefe da Seção de Educação de Massas também explorou a fundo, numa autocrítica ácida, constante de seu livro “Que Pasó, Camarada?”, o que, segundo ele, foram as razões da catástrofe dos ”socialismos reais”.

Diz ele que os comunistas sempre lutaram por um pedaço dessa democracia formal e burguesa. Sempre defenderam, até a morte, a sua minguada liberdade de palavra, de imprensa, de dissidência e de oposição. A liberdade de locomoção, de ir e vir, de empresa - das empresas do partido -, dos camaradas, das associações, dos sindicatos. “Cada resquício de democracia tradicional, formal, era sagrado para nós”.
 “Defendíamos o pedaço de pão velho”, como diria Bertolt Brecht. Porém, isso nunca foi considerado suficiente. 

Esse não era o objetivo. Era o meio. “Buscávamos a democracia total e real. Queríamos o pão inteiro”.
Certamente, “defendíamos a democracia possível. Porém, quando chegasse o momento e tudo mudasse, chegaria a hora da democracia real”.
Onde estava, então, o nosso erro? Qual foi o nosso pecado?

A verdade é que sempre fizemos uma leitura muito óbvia, muito simples, da história da “democracia formal”.
Sempre raciocinamos assim: uma democracia sem pão, sem escola, sem terra, puramente formal, é mentirosa.
E daí em diante, dessa leitura simplista, vinha o resto, a grande dedução: primeiro o pão, primeiro a roupa, primeiro a terra e a escola e, depois, só depois...viria a democracia.

Era assim que nós encarávamos as coisas: sem pão, a democracia é uma mentira. Sem teto, sem escola, sem o conhecimento, é mentirosa a democracia. De forma que tudo tem o seu tempo, como diz a Santa Bíblia. Por agora, a saúde e a educação gratuitas. Depois, só depois, a democracia.

Nunca dissemos isso assim, explicitamente, na Colômbia, em Cuba ou na União Soviética. Nunca dissemos isso com estas palavras precisas.
Essa, porém, era a essência da nossa “democracia real”. E era, por outro lado, a que melhor se adaptava ao mundo do subdesenvolvimento, sem maior cultura política ou tradição democrática. A esse mundo onde foi implantado e existiu o “socialismo real”.

Então, para essa viagem desde o pão à “democracia do futuro” - uma viagem difícil; uma viagem, ademais, sem calendário -, para esse percurso tão acidentado, um grupo de “escolhidos”, um grupo formado pelos “melhores”, entre os quais Nicolas Buenaventura se encontrava, foi encarregado da direção. E esse grupo construiu o instrumento que conduziria os oprimidos à “Terra Prometida”. Esse instrumento denominava-se “o Partido”, assim, com inicial maiúscula.

Não se tratava de falar, de protestar ou de fazer oposição. Para isso havia sua hora, o seu tempo. Tratava-se de construir a “democracia real”.
Depois, as coisas aconteceram como já sabemos. É um fato e uma verdade. Primeiro faltou a democracia, faltou a dissidência, faltou a oposição, faltou a minoria. Todos eram maioria. Uma maioria ideal, plena, uniforme, de uma só cor, que pouco a pouco foi se convertendo em unanimidade. Porém, o pão se acabou, veio a queda de produção, a ineficiência e a obsolescência.

Primeiro, o Partido foi roubado na democracia. Depois também no pão.
Dessa forma, nós aprendemos muito duramente, para sempre, esta lição: a democracia não tem ordem, não tem espera, não tem comissários políticos, nem delegação e nem guardiões. A democracia somos cada um de nós. É você mesmo.

E mais: a democracia é, certamente, o governo da maioria. Mas, de qual maioria?
De uma maioria que eu não chamaria simplesmente de respeitosa ou tolerante para com as minorias. Porque essas palavras têm, para mim, um sentido de autoritarismo.

De uma maioria enamorada das minorias, interessada nas minorias, por duas razões. Uma, porque toda maioria é múltipla. É composta por minorias concertadas. Outra, porque a minoria de hoje, como é óbvio, é a maioria de amanhã, já que o novo sempre surge e se anuncia muito pequeno, como uma semente.

A democracia é, justamente, o contrário de tudo que nós fazíamos no Partido e no Estado. O contrário da famosa pirâmide denominada “centralismo democrático”, no qual as bases elegem os dirigentes intermediários e mantêm ligações com eles, que, por sua vez, elegem os dirigentes superiores e mantêm ligações com eles. Isso é realizado de tal forma que a linha de mandato e de contato entre a base e a cúpula, entre o povo e o verdadeiro governo, o de cima, é interrompida ou perdida.

Democracia é o contrário dessa pirâmide centralista ideal na qual a cúpula, isolada das bases, era sempre endeusada, convertendo-se em uma dinastia.

Democracia é descentralizar. É ir desamarrando por dentro, cada vez mais, o Partido e o Estado. É participar: que todos os organismos de Poder, desde os mais imediatos até os mais elevados, no Partido e no Estado, sejam eleitos diretamente pelos associados individuais.

Em uma palavra: democracia é cada vez menos governo do Partido e do Estado, e mais autogoverno da sociedade civil.

E, paralelamente, com isso e junto com isso, estará o problema do pão, da escola, da terra e do Direito.
Nós, do Partido Comunista, havíamos tapado, afogado, o pensamento de Marx, o pensamento da ilustração, com a tradução de um montão de manuais de marxismo-leninismo.

Nós vivemos sempre em um partido que não fez outra coisa, durante mais de meio século, senão instalar-se na porta da revolução, convencido, com a maior certeza, de que esse era o seu lugar, acabando por receber, por isso, o castigo mais duro.

Todas as revoluções neste século, em qualquer parte do mundo - e as revoluções são muito de invenção e riqueza -, utilizaram a violência para moer a antiga máquina, para quebrar o poder militar entrincheirado no capital. Tudo era uma grande festa.

Porém, mesmo após cumprir o seu papel demolidor, rompendo as antigas cadeias, mesmo após forçar as portas dos cárceres, a violência não cessava, não se detinha e começava a institucionalizar-se.

Eu vivi isso muitas vezes, na Nicarágua, na China e em Cuba.  Experimentei o “Poder local” guerrilheiro e vivi o poder opressor e absolutamente arbitrário dos donos do “novo Poder”.  E tudo me parecia lógico. O novo dia, após anos de obscuridade, surgiria enredado em fios invisíveis de medo à cidade, ao povo, à vereda, ao camarada, ao guerrilheiro, ao dirigente. O “novo Poder” não se equivoca. Ele conhece os traidores, os colaboradores, os cúmplices passivos, os que nunca fizeram nada, os que não moveram um dedo. Ele conhece a todos.

Esse, todavia, não foi o problema, pois essa dinâmica é própria de todas as revoluções. Essa violência que cumpre seu papel libertário logo se aposenta, cedendo lugar ao “novo Estado de Direito”. Isso não foi o mais grave no nosso caso, na história do socialismo real. O grande problema nunca foi, entre nós, a violência revolucionária e criadora, que se prolongou, quase sempre, além do seu tempo.

O grande problema, o verdadeiro problema, o problema real e profundo, teve lugar mais adiante e foi de outra natureza. Trata-se do esquema do “socialismo real”. Esta segunda violência, a do esquema sacralizado, a do esquema que converte um possível processo histórico, uma hipótese de trabalho a verificar, em lei, norma e sentença. Essa “racionalidade” seca e fria, inaugurada pelo stalinismo, gerou inflexivelmente uma nova violência, que matou metodicamente todas as primaveras revolucionárias e aguou todas as grandes festas do nosso século.

E agora, eu me pergunto, depois de todo esse cataclismo: quando, em que momento, por que, nos convertemos a essa idéia, à idéia desse socialismo de bruxos, desse socialismo que deveria desmantelar o capitalismo como uma alternativa violenta, inevitável? Quando se atravessou em nosso caminho essa idéia tão fácil do Estado todo-poderoso, proprietário único, com todo o poder ao ombro, como se fosse um fuzil? Quando e como se impôs entre nós o mito do Estado como panacéia e a estadolatria? Esse mito, que primeiro foi um crime e em seguida simplesmente um vazio, quando se transformou em miséria sacralizada e repartida? 

Foi esse o depoimento de Nicolas Buenaventura, que um dia foi um dirigente comunista.
A propósito: certa vez, um matemático disse que a Álgebra é a ciência dos preguiçosos. Não se conhece o valor de X, mas opera-se com ele como se fosse conhecido. No caso dos partidos comunistas, X representa as massas anônimas. E a política do partido sempre operou com esse X, por mais de 70 anos, sem a preocupação de conhecer a sua natureza real.

Uma grande parte dos comunistas permanece voltada para a tentativa desesperada de administrar a nova situação produzida pelo desmonte da “doutrina científica” antes que ela se evapore definitivamente de seus corações e mentes. Isso não tem sido fácil, pois desde a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, e do fim da União Soviética, na noite do Natal de 1991, os antigos dogmas, tidos como verdades científicas, permanecem estratificados. Esse é, hoje, o X do problema algébrico.

Na década de 90, logo após o desmantelamento do socialismo real, em um muro, em Quito, Equador, poderia ser lida a seguinte frase, escrita pelos comunistas: “Ahora, que teníamos todas las respuestas, se cambiaram las preguntas”.

A partir de então, um sem número de defensores da causa, em todos os países, entregam-se a uma autocrítica devastadora, chegando invariavelmente a uma mesma conclusão desoladora: os que progrediram no partido da classe operária foram os burocratas, os secretários, os maiores culpados pelo desmantelamento do socialismo real.

Onde quer que existisse um partido comunista, o modesto burocrata sempre observou, desde a sua mesa, quase com admiração, como chegavam à sede do partido os revolucionários, os heróis da agitação social, que imediatamente eram recebidos pelos chefes. O agitador, o brilhante lutador, apenas notava o burocrata porque fora convencido de que ele era a alma da burocracia partidária.

Passam-se os anos. O herói revolucionário, o agitador de massas, líder nas greves, nas passeatas, nas colagens de cartazes e nas pichações, na distribuição de panfletos e outras tarefas menos nobres, continuava indo à sede do partido. Algumas vezes até para ser repreendido e fazer uma autocrítica. O burocrata, no entanto, prosseguia ali, impassível, porém já em uma mesa maior. Antes manejava uma velha máquina de escrever expropriada pelo revolucionário, brilhante lutador. Agora, na era da informática, passava as idéias e decisões do partido diretamente ao computador. Continuava, no entanto, obsequioso e admirador do ativista.

Passam-se mais alguns anos. O agitador tem orgulho de seu passado glorioso, das prisões e perseguições que sofrera; da clandestinidade, longe da família e dos amigos, e das eventuais vitórias revolucionárias. É uma legenda, respeitado e admirado dentro do partido.

Em suas idas ao Comitê Central, é recebido por aquele mesmo funcionário. Porém, com o passar do tempo, já algo mais que um simples burocrata: fora elevado, por cooptação, ao cargo de Secretário de Agitação e Propaganda (Agitprop, na terminologia partidária) ou Secretário de Organização, com poderes, portanto, para remover o agitador, o brilhante ativista, antes admirado, de um lugar para outro. Já, então, o burocrata encara o velho lutador de forma diferente, pois agora lhe dá ordens, e o famoso princípio do “centralismo democrático” faz com que essas ordens sejam cumpridas.

Posteriormente, passados mais alguns anos, o lutador, o ativista, comprova que o Secretário passou a integrar o Comitê Central, substituindo um companheiro falecido. E que, assim, tornou-se membro da privilegiada nomenklatura partidária, passando a ter direito a passagens aéreas, férias anuais na Criméia e a matricular seus filhos na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba, na Escola de Ballet de Leningrado e em outras.

O que se passou? Nada. Apenas o tempo.
O ativista, brilhante lutador, conserva seu passado, porém já não é útil, pois está “queimado”, seja por ter se tornado excessivamente conhecido da polícia, seja por ter cometido alguns erros, seja porque militantes mais jovens já murmuram contra seus antiquados e ultrapassados métodos de trabalho. Protestará, e então lhe recordarão, como se fosse um membro da juventude partidária, que o partido da classe operária possui um Estatuto que exige disciplina férrea e que, mais uma vez, deverá fazer uma autocrítica.

Ao fazê-lo, a que conclusão chegará? Que sua vida política já está - como o partido e a própria doutrina -, no descenso da derrota, pois sonhou ser um chefe e não passou de um “quadro”; sonhou tornar-se um teórico doutrinador e limitou-se, em toda a sua vida, a assimilar as palavras-de-ordem alheias, nas quais, hoje, ninguém mais acredita.

Agora, resta ao velho lutador, ao agitador, ao herói revolucionário, curar as cicatrizes e desilusões, voltar ao início do século e, como Lenin, indagar: o que fazer? Enquanto não encontra uma resposta, engaja-se, como tantos outros, no esporte da moda: atirar pedras nos patriotas que impediram que a Pátria fosse transformada em um pleonasmo: uma “democracia popular.”

O caso de Alexander Soljenitzyn foi diferente. Tão logo foi expulso da União Soviética, teve início, no Ocidente, uma campanha contra ele desenvolvida pelos expoentes da esquerda festiva que não conhecem o socialismo, pois não viveram sob ele. Para essas pessoas, Soljenitzyn passou a representar um problema, pois insistia em basear sua rejeição ao comunismo em duas proposições morais: a de que um sistema que se baseia na eliminação total da liberdade humana e na destruição sistemática de todos os valores individuais é mau; e a de que tratar amistosamente esse sistema significa trair os que sofriam sob seu jugo.

A imponente grandeza moral de Soljenitzyn e homens como Andrei Sakharov, Vladimir Bukovsky, Piotr Grigorenko e tantos outros, incomodava, daí a necessidade de desacreditá-los, pois não era fácil a nenhuma sociedade conviver com essas pessoas que, pela suas próprias existências conferem valor moral ao mundo em que vivem, inspirando milhões dentro e fora daquele mundo, que, temeroso de matá-los ou de deixá-los viver, acabou por expulsá-los.

Jamais a militância política nos partidos da esquerda revolucionária poderá ser a mesma do passado: a militância arquitetada pelo Partido Bolchevique. A impressionante explosão dos meios de comunicação de massa modificou profundamente os padrões de sociabilidade, diminuindo o peso das ruas, das assembléias, das passeatas, dificultando a mobilização das chamadas massas, acrescido que a atual caminhada, sem volta, para a globalização da economia, ao invés de concentrar trabalhadores, dispersa-os em unidades produtivas, mantendo-os mais preocupados com seus interesses espontâneos imediatos.

Até o início da década de 70, pelo menos, os comunistas cultivavam a imagem do militante abnegado, totalmente dedicado à “causa”, disciplinado, que colocava em segundo plano sua vida pessoal, quando não abria mão dela, em função de um ideal: a vitória da revolução que abriria caminho para a emancipação da humanidade.

O militante era, antes de tudo, o soldado de uma causa, o homem do partido, quase o “homem-novo” idealizado por Marx. Extremamente ideologizado, sempre dava razão ao partido, ou àquele que, no momento, o encarnasse: Lenin, Stalin, Mao, Prestes e tantos outros. O militante forjou-se no interior de partidos militarizados. Determinado, capaz de tudo suportar, de jogar todas as suas fichas na utopia futura, de sufocar a individualidade em nome de sua dissolução no universo do coletivo construído pelo partido.
Leszek Kolakovski, outro dissidente russo, foi mais contundente e prático, especificando o socialismo pelo que ele não é. O socialismo não é:

uma sociedade na qual é crime ser irmão, filho ou cônjuge de um criminoso;

uma sociedade na qual alguém possa ser infeliz porque diz o que pensa, e um outro possa estar feliz porque não diz o que pensa;

uma sociedade em que alguém possa estar melhor ainda porque não pensa nada sobre coisa alguma;

um Estado cujos soldados são sempre os primeiros a penetrar no território de um outro país;

um Estado em que qualquer um possa ser condenado sem julgamento;

um Estado em que qualquer cidadão é potencialmente suspeito de alguma coisa;

um Estado cujos dirigentes se nomeiam, eles próprios, aos seus cargos, e nomeiam seus parentes para outros cargos;

um Estado que não permite a seus cidadãos viajarem para o exterior;

um Estado cujos vizinhos amaldiçoam a geografia;

um Estado que produz excelentes armas e péssimos sapatos;

um Estado em que os advogados de defesa estão sempre de acordo com o promotor;

um Estado que dita aos pintores as regras de como pintar e outorga prêmios a autores que não sabem escrever;

uma Nação que oprime outras Nações;

uma Nação que é oprimida por uma noção;

um Estado que obriga todos os seus cidadãos a terem a mesma opinião sobre Filosofia, Política Externa, Economia, Literatura e Moral;

um Estado cujo governo define os direitos do cidadão, mas a cujos cidadãos é vedado definirem os direitos dos governos;

um Estado em que cada um é responsável por seus ancestrais;

um Estado que assina pactos com criminosos e comete crimes para adaptar sua ideologia a esses pactos;

um Estado que gostaria de ver o seu Ministro do Exterior determinar a opinião pública de toda a humanidade;

um Estado em que toda vontade dos cidadãos é conhecida por seus governantes antes deles formularem qualquer pergunta;

um Estado em que os filósofos e os poetas dizem a mesma coisa que os generais e ministros, sempre um pouco depois destes;

um Estado em que as plantas das cidades são segredos de Estado;

um Estado em que os resultados das eleições são sempre previstos com exatidão;

um Estado que detém o monopólio mundial do progresso e bem-estar;

um Estado em que qualquer cidadão ou qualquer grupo humano pode ser transplantado para outra área residencial, sem qualquer consulta;

um Estado que acredita ser o único em condições de salvar a humanidade;

um Estado que sabe que sempre tem razão;

um Estado que crê que nenhum outro possa resolver melhor nenhum dos problemas existentes;

um Estado que determina quem pode criticá-lo e como;

um Estado em que o governo pode, a cada dia, rejeitar o que afirmou na véspera, acreditando e fazendo crer aos seus cidadãos que nada mudou.

A verdade é que o novo militante pós-Guerra Fria, pós-”perestroika” e pós-”glasnost”, pós- socialismo real, jamais será o mesmo, pois não mais seguirá cegamente seus líderes; espera que o partido imagine outros caminhos de mobilização, pois não mais poderá insistir, simplesmente, em “colocar as massas na rua” .

Definitivamente, os modelos de militância que marcaram os setores mais radicais da esquerda nos últimos 70 anos se esgotaram. Figuras como “o bolchevique, o agitador anarquista, o guerrilheiro urbano, o soldado-partido”, não mais existirão, pois as regras que regulavam o funcionamento dos coletivos que constituíam essas figuras “jurássicas” foram derrubadas.

Uma dessas regras, a fundamental, era aquela em que a Rainha Vermelha, do livro “Alice no País das Maravilhas”, bradava:

Primeiro a sentença; depois o veredicto!!” . 

Carlos I. S. Azambuja é Historiador.


Transcrito do www.alertatotal.net/