quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Extinção da Justiça do Trabalho

Almir Pazzianotto Pinto

É grave erro ignorar seu papel na harmonização entre o capital e as classes trabalhadoras

A crise que assola as instituições, provocada, sobretudo, pela situação em que o Partido dos Trabalhadores entregou o País após 13 anos de insanidade e corrupção, leva ao aparecimento de teses utópicas, como a adoção do regime parlamentarista e a extinção da Justiça do Trabalho. São ideias gestadas no vácuo por mentes desligadas do mundo real, cujos objetivos consistem em aprofundar o clima de perplexidade e insegurança.
Sobre o parlamentarismo já me manifestei. Relembrei a história de povos dominados por governos corruptos, ou que se tornaram presas de tiranos perpetuados na chefia de Gabinetes pusilânimes. O parlamentarismo no Império funcionou por três razões: a presença augusta de dom Pedro II; a existência de apenas dois partidos, o Liberal e o Conservador; e a atuação de estadistas como Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, Carneiro Leão, Nabuco de Araújo, cujo filho, Joaquim Nabuco, imortalizou no clássico Um Estadista do Império.

Apontar o parlamentarismo como pomada milagrosa, quando temos mais de 30 legendas demagogas, apropriadas por políticos de baixa qualidade, empenhados na defesa de odiosos privilégios, é fruto de insanidade e falsa solução para o problema do qual eles são a causa.

Já a Justiça do Trabalho tem raízes no Decreto n.º 21.396, de 12/5/1932, mercê do qual o chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, no artigo 1.º determinou: “Nos municípios ou localidades onde existirem sindicatos ou associações profissionais de empregadores ou empregados, organizados de acordo com a legislação vigente, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio instituirá Comissões Mistas de Conciliação, às quais incumbirá dirimir os dissídios entre empregadores e empregados”. A comissão seria constituída por dois, quatro ou seis vogais; a metade representando os empregadores e a outra metade, os empregados. Em 25/11 do mesmo ano Getúlio Vargas baixou o Decreto n.º 22.132, instituindo Juntas de Conciliação e Julgamento formadas por dois vogais representantes dos patrões e dos empregados, sob a presidência de “estranhos aos interesses profissionais, de preferência membros da Ordem dos Advogados, magistrados, funcionários federais, estaduais ou municipais”. A Carta Constitucional de 10/11/1937 previu a Justiça do Trabalho no Título Da Ordem Econômica e Social, excluindo-a, porém, dos órgãos do Poder Judiciário ao prescrever, no artigo 139, que não se lhe aplicariam as disposições relativas “à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum”.

Foi o Decreto-Lei n.º 1.237, de 2/5/1939, a primeira lei orgânica da Justiça do Trabalho, cujo nascimento Vargas registrou de maneira lacônica no Diário, em meio a anotações sobre o Dia do Trabalho. Derrubada a ditadura, em 29/10/1945, o presidente Eurico Gaspar Dutra, eleito em 2/12/1945, baixou o Decreto-Lei n.º 9.797, de 9/9/1946, que, na prática, inseriu a Justiça do Trabalho no Poder Judiciário, medida que se tornaria definitiva com a promulgação da Constituição de 18/9/1946.

Completava-se a tarefa de transformar os juízes e tribunais do trabalho em órgãos do Judiciário, encerrando o rol do artigo 94, à frente do qual se encontrava o Supremo Tribunal Federal (STF), seguido pelo Tribunal Federal de Recursos (TFR), por juízes e tribunais militares, juízes e tribunais eleitorais.

Destinava-se o Judiciário Trabalhista, na redação do artigo 139 da Carta de 1937, a “dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, regulados na legislação social”, tarefa que tem desempenhado ao longo de décadas. Dela se deve dizer que em períodos agitados proferiu decisões questionáveis, como sucedeu no regime militar em julgamentos de greves. Submetia-se, todavia, ao império da Lei 4.330/64 e do Decreto-Lei n.º 1.632/1978, desafiando a hostilidade do movimento sindical.

Juristas consagrados permeiam a história da Justiça do Trabalho. Recordo-me, entre outros, de Geraldo Montedônio Bezerra, Hildebrando Bisaglia, Mozart Russomano, Barata e Silva, Raymundo Sousa Moura, Lima Teixeira, Rezende Puech, Arnaldo Sussekind, Barreto Prado, Bandeira Lins e Hélio de Miranda Guimarães, cuja atuação se caracterizava pela imparcialidade, pelo conhecimento jurídico e pelo equilíbrio.

Acusa-se a Justiça do Trabalho pela extrema litigiosidade nas relações entre patrões e empregados. O problema não é recente, nem a ela se reduz. Exceção feita a tribunais e juízes eleitorais e militares, a pletora de demandas registra-se em todos os órgãos do Poder Judiciário. O STF perdeu a condição de Corte Constitucional para se converter em última instância do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça. O ministro Carlos Mário da Silva Velloso, na Apresentação à obra O Poder Judiciário no Brasil, de Lenine Nequete, editada no STF, escreveu: “O brasileiro é judicialista, no sentido de que procura a Justiça para solucionar os seus conflitos e problemas, desejoso de percorrer todas as instâncias – se for preciso, vou ao Supremo Tribunal...”, e quase sempre tenta chegar lá, mesmo em casos banais e após ter sido, duas ou três vezes, vencido.

Demência é a desproporção entre o objetivo e os meios, escreveu Napoleão Bonaparte. Extinguir a Justiça do Trabalho depende da reforma do artigo 92, IV, e da revogação dos artigos 111/116 da Constituição. A quem seriam encaminhados os milhões de ações individuais e coletivas novas, em andamento ou em execução?

É grave erro ignorar o papel da Justiça do Trabalho como instrumento de harmonização entre capital e classes trabalhadoras. Havendo excessos, às instâncias revisoras compete corrigi-los. Aos afoitos sugiro procederem com cautela. Serão inúteis os esforços no sentido da extinção da Justiça do Trabalho, sobretudo agora, com as dúvidas amplificadas pela reforma trabalhista.

Estadão


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