Almir
Pazzianotto Pinto
É grave
erro ignorar seu papel na harmonização entre o capital e as classes
trabalhadoras
A
crise que assola as instituições, provocada, sobretudo, pela situação em que o
Partido dos Trabalhadores entregou o País após 13 anos de insanidade e
corrupção, leva ao aparecimento de teses utópicas, como a adoção do regime
parlamentarista e a extinção da Justiça do Trabalho. São ideias gestadas no
vácuo por mentes desligadas do mundo real, cujos objetivos consistem em
aprofundar o clima de perplexidade e insegurança.
Sobre
o parlamentarismo já me manifestei. Relembrei a história de povos dominados por
governos corruptos, ou que se tornaram presas de tiranos perpetuados na chefia
de Gabinetes pusilânimes. O parlamentarismo no Império funcionou por três
razões: a presença augusta de dom Pedro II; a existência de apenas dois
partidos, o Liberal e o Conservador; e a atuação de estadistas como Luís Alves
de Lima e Silva, o duque de Caxias, José Maria da Silva Paranhos, visconde do
Rio Branco, Carneiro Leão, Nabuco de Araújo, cujo filho, Joaquim Nabuco,
imortalizou no clássico Um Estadista do Império.
Apontar
o parlamentarismo como pomada milagrosa, quando temos mais de 30 legendas
demagogas, apropriadas por políticos de baixa qualidade, empenhados na defesa
de odiosos privilégios, é fruto de insanidade e falsa solução para o problema
do qual eles são a causa.
Já
a Justiça do Trabalho tem raízes no Decreto n.º 21.396, de 12/5/1932, mercê do
qual o chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, no artigo 1.º determinou:
“Nos municípios ou localidades onde existirem sindicatos ou associações
profissionais de empregadores ou empregados, organizados de acordo com a
legislação vigente, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio instituirá
Comissões Mistas de Conciliação, às quais incumbirá dirimir os dissídios entre
empregadores e empregados”. A comissão seria constituída por dois, quatro ou
seis vogais; a metade representando os empregadores e a outra metade, os
empregados. Em 25/11 do mesmo ano Getúlio Vargas baixou o Decreto n.º 22.132,
instituindo Juntas de Conciliação e Julgamento formadas por dois vogais representantes
dos patrões e dos empregados, sob a presidência de “estranhos aos interesses
profissionais, de preferência membros da Ordem dos Advogados, magistrados,
funcionários federais, estaduais ou municipais”. A Carta Constitucional de
10/11/1937 previu a Justiça do Trabalho no Título Da Ordem Econômica e Social,
excluindo-a, porém, dos órgãos do Poder Judiciário ao prescrever, no artigo
139, que não se lhe aplicariam as disposições relativas “à competência, ao
recrutamento e às prerrogativas da justiça comum”.
Foi
o Decreto-Lei n.º 1.237, de 2/5/1939, a primeira lei orgânica da Justiça do
Trabalho, cujo nascimento Vargas registrou de maneira lacônica no Diário, em
meio a anotações sobre o Dia do Trabalho. Derrubada a ditadura, em 29/10/1945,
o presidente Eurico Gaspar Dutra, eleito em 2/12/1945, baixou o Decreto-Lei n.º
9.797, de 9/9/1946, que, na prática, inseriu a Justiça do Trabalho no Poder
Judiciário, medida que se tornaria definitiva com a promulgação da Constituição
de 18/9/1946.
Completava-se
a tarefa de transformar os juízes e tribunais do trabalho em órgãos do
Judiciário, encerrando o rol do artigo 94, à frente do qual se encontrava o
Supremo Tribunal Federal (STF), seguido pelo Tribunal Federal de Recursos
(TFR), por juízes e tribunais militares, juízes e tribunais eleitorais.
Destinava-se
o Judiciário Trabalhista, na redação do artigo 139 da Carta de 1937, a “dirimir
os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, regulados
na legislação social”, tarefa que tem desempenhado ao longo de décadas. Dela se
deve dizer que em períodos agitados proferiu decisões questionáveis, como
sucedeu no regime militar em julgamentos de greves. Submetia-se, todavia, ao
império da Lei 4.330/64 e do Decreto-Lei n.º 1.632/1978, desafiando a
hostilidade do movimento sindical.
Juristas
consagrados permeiam a história da Justiça do Trabalho. Recordo-me, entre
outros, de Geraldo Montedônio Bezerra, Hildebrando Bisaglia, Mozart Russomano,
Barata e Silva, Raymundo Sousa Moura, Lima Teixeira, Rezende Puech, Arnaldo
Sussekind, Barreto Prado, Bandeira Lins e Hélio de Miranda Guimarães, cuja
atuação se caracterizava pela imparcialidade, pelo conhecimento jurídico e pelo
equilíbrio.
Acusa-se
a Justiça do Trabalho pela extrema litigiosidade nas relações entre patrões e
empregados. O problema não é recente, nem a ela se reduz. Exceção feita a
tribunais e juízes eleitorais e militares, a pletora de demandas registra-se em
todos os órgãos do Poder Judiciário. O STF perdeu a condição de Corte
Constitucional para se converter em última instância do Tribunal Superior do
Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça. O ministro Carlos Mário da Silva
Velloso, na Apresentação à obra O Poder Judiciário no Brasil, de Lenine
Nequete, editada no STF, escreveu: “O brasileiro é judicialista, no sentido de
que procura a Justiça para solucionar os seus conflitos e problemas, desejoso
de percorrer todas as instâncias – se for preciso, vou ao Supremo Tribunal...”,
e quase sempre tenta chegar lá, mesmo em casos banais e após ter sido, duas ou
três vezes, vencido.
Demência
é a desproporção entre o objetivo e os meios, escreveu Napoleão Bonaparte.
Extinguir a Justiça do Trabalho depende da reforma do artigo 92, IV, e da
revogação dos artigos 111/116 da Constituição. A quem seriam encaminhados os
milhões de ações individuais e coletivas novas, em andamento ou em execução?
É
grave erro ignorar o papel da Justiça do Trabalho como instrumento de
harmonização entre capital e classes trabalhadoras. Havendo excessos, às
instâncias revisoras compete corrigi-los. Aos afoitos sugiro procederem com
cautela. Serão inúteis os esforços no sentido da extinção da Justiça do
Trabalho, sobretudo agora, com as dúvidas amplificadas pela reforma
trabalhista.
Estadão
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