Yoshiaki Nakano
É melhor negociar e buscar acordo do
que ter relação conflituosa e colocar a decisão nas mãos de terceiros
A
reforma e a flexibilização da legislação trabalhista foi um grande avanço para
o Brasil. Sem dúvida, espera-se que permita destravar o crescimento do país,
reduzindo as incertezas na relação trabalhista e permitindo novas formas de
integração ao mercado de trabalho.
A velha
CLT nasceu no momento em que o Brasil dava início a uma arrancada na
industrialização. Grande parte dos trabalhadores ainda era de migrantes vindos
da área rural. Sem dúvida, representou um grande avanço, uma modernização com a
introdução de preceitos de países mais avançados. E aqui é preciso lembrar que
o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e a CLT veio
disciplinar o mercado de trabalho apenas meio século depois.
Entretanto,
é importante salientar que a antiga CLT está fundada em dois pressupostos que
se justificavam na época, mas se tornaram anacrônicos hoje.
De um
lado, a ideia de proteção do trabalhador, tendo no fundo um pensamento
paternalista e, por que não, também populista. Foi na ditadura Vargas que a CLT
foi outorgada. Não foi tanto uma luta política organizada dos trabalhadores
brasileiros, mas muito mais dos trabalhadores imigrantes, particularmente
italianos, que trouxeram da sua terra natal uma noção mais clara de direitos do
trabalhador e uma tradição de luta sindical.
Não é
uma conquista de direitos políticos e, a partir desta, o desenvolvimento da
noção de direitos trabalhistas que surge a CLT. Na tradição histórica
brasileira o Estado outorga direitos trabalhistas, antes mesmo das conquistas políticas
e garantia plena de direitos políticos. O Estado foi modernizador visando
construir uma sociedade moderna, mas mantendo o controle de cima para baixo da
sociedade civil.
Associada
à ideia de proteção do trabalhador estava a crença de que, na relação entre o
trabalhador e o empresário, aquele era o elo mais fraco que precisava da
intervenção do Estado, através da Justiça do Trabalho, para equilibrar o
confronto de poder e administrar o conflito social.
É dentro
deste conceito que nasceu a Justiça trabalhista brasileira. Assim, cabe a ela
proteger o trabalhador. De certa forma, o empresário é sempre o vilão, portanto
a relação capital trabalho é tida sempre como conflituosa. Cabe, assim, à
Justiça do Trabalho equilibrar a balança, em princípio favorecendo o
trabalhador.
A atual
reforma trabalhista surge depois de décadas de fortalecimento da organização
política e sindical dos trabalhadores. Foram décadas de experiência de
negociação em acordos coletivos pelos trabalhadores. Nesta longa experiência,
importantes segmentos de trabalhadores e empresários chegaram à conclusão de
que é melhor chegar a um acordo do que entrar em conflito aberto, com greves
etc, que trazem prejuízos para os dois lados.
Portanto,
no novo quadro brasileiro de relações trabalhistas, com consciência de direitos
e capacidade de negociação dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho também deve
ser modernizada e tem que se estruturar nesse novo contexto de um mercado de
trabalho moderno e mais flexível.
Se a
Justiça do Trabalho não se atualizar temos uma grande contradição nos seus
fundamentos com a nova legislação. No conceito anacrônico, o trabalhador
recorria à Justiça maximizando suas demandas, reais ou fictícias, com o
pressuposto de que a balança da Justiça pendia para seu lado. Assim, o
empregador é levado a minimizar a sua proposta. Isto acontece porque o juiz
entende que a conciliação se daria no meio, evitando optar pela demanda do
trabalhador, que se sabe que está inflada, como a proposta do empresário, que
minimizava os seus custos.
Assim, a
Justiça do Trabalho ainda se estrutura em pressupostos válidos há mais de meio
século. Alimenta não só a multiplicação de ações trabalhistas, e com isso
incentivando e aumentando o conflito entre trabalhadores e empregadores, na contramão
da evolução histórica das últimas décadas, em que a negociação coletiva passou
a ser rotina para a maioria das categorias de trabalhadores.
A
Justiça do Trabalho devia fazer exatamente o contrário, estimular a negociações
entre as partes para chegarem a um acordo. Isto é perfeitamente possível se
seguirmos a experiência de países em que a Justiça do Trabalho é estruturada
para diminuir o conflito.
Por
exemplo, em países europeus a Justiça do Trabalho, caso trabalhadores e
empregadores levem seus desacordos para sua decisão, tem que obrigatoriamente
optar pela proposta de uma das partes. Neste caso, os trabalhadores não vão
procurar maximizar as suas demandas, pois sabem que se forem fictícias perderão
a causa. Simetricamente, os empregadores não vão minimizar os custos, vão fazer
propostas realistas se não o fizerem sabem que perderão.
Assim
sendo, as propostas tendem a convergir e os juízes têm que analisar e procurar
os fatos verdadeiros, optando por quem tiver com a verdade dos fatos.
Verifica-se que nestes países as horas perdidas com greves são comparativamente
as menores. É melhor negociar e buscar um acordo do que tornar a relação
conflituosa e colocar a decisão nas mãos de terceiros.
Com a
reforma e flexibilização da CLT, as primeiras estatísticas publicadas já
mostram uma queda dramática nos conflitos só pelo fato de o trabalhador que
perder ter que pagar as custas. Isso já foi um enorme avanço.
Em suma,
falta ainda modernizar a Justiça do Trabalho para termos um sistema coerente
ordenando o mercado de trabalho. Assim será possível ampliarmos o nível de
emprego, reduzindo as incertezas e ampliando a força de trabalho, incorporando
segmentos que não se enquadram na velha e rígida CLT.
Valor
Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário