JACQUELINE FOWKS
Kuczynski tenta evitar sua
destituição e afirma: “Estamos diante de um golpe disfarçado”.
Pressão pela sua saída é vista como
manobra para evitar investigação de seus opositores
O
presidente peruano, Pedro Pablo
Kuczynski, ofereceu uma nova mensagem à nação na noite de quarta-feira,
véspera da votação do seu pedido de impeachment no
Congresso por suposto envolvimento
no escândalo da Odebrecht. Num discurso que parecia especialmente dirigido
aos deputados, o mandatário argumentou que seu possível afastamento representaria
um golpe não só no aspecto político, mas também no econômico. “Estamos diante
de um golpe disfarçado de interpretações jurídicas supostamente legítimas. Mas
as intenções dos nossos opositores são desmascaradas por seu comportamento
apressado e abusivo”, afirmou.
Acompanhado
de seus dois vice-presidentes, Martín Vizcarra e Mercedes Aráoz, Kuczynski se
defendeu alegando não ter cometido nenhum ato de corrupção em toda
sua vida e pedindo desculpas por não ter seguido a recomendação de confrontar o partido fujimorista
Força Popular, que tem maioria no Congresso e é o principal articulador do
seu impeachment.
“Vocês
foram testemunhas da disposição para o diálogo com
a qual tentei conduzir o meu Governo, mas foram também testemunhas da
atitude agressiva da maioria opositora que controla o Congresso. Nos primeiros
15 meses, cinco dos meus ministros foram censurados ou forçados a renunciar, um
verdadeiro recorde histórico. Agora é evidente que desde o princípio se buscava
chegar ao que está ocorrendo hoje”, disse.
O
presidente, que voltou a defender sua inocência numa entrevista concedida no
domingo, pediu desculpas por não ter sido mais transparente com os arquivos da
sua empresa Westfield Capital - através da qual teria recebido propinas da
empreiteira brasileira Odebrecht -,
mas também por seu jeito de fazer política.
“Outro
erro – hoje vejo claramente – foi esperar algo diferente dos nossos opositores.
Muitos me aconselharam que na primeira censura eu respondesse com uma moção de
confiança, não dei ouvidos, e assumo minha responsabilidade. Decidi optar pelo
diálogo, não pela confrontação.
Hoje
estamos vendo as consequências dessa decisão”, acrescentou. Ele também invocou
o respeito à democracia e ao equilíbrio de poderes. “A Constituição e a
democracia estão sob ataque”, declarou.
O caso
de PPK lembra o ocorrido no Brasil com a então presidenta Dilma Rousseff, que
sofreu o impeachment nas mãos de um Congresso hostil controlado pelo então
presidente da Câmara Eduardo Cunha - hoje preso pela Lava Jato.
O
ex-procurador anticorrupção Luis Vargas Valdivia disse ao EL PAÍS que o pedido
de “vacância presidencial” (destituição) promovido pelo fujimorismo e pelo APRA
“busca gerar o caos para atrapalhar as investigações da procuradoria [por
suposta lavagem de recursos durante a campanha presidencial de Keiko Fujimori
em 2011 e os vínculos do ex-presidente Alan García, do APRA, com a Odebrecht em
seu segundo Governo]”.
Kuczynski
informou que seus vices não querem participar de um Governo que nasça de uma
manobra injusta e antidemocrática. “Estamos prestes a recuperar o dinamismo
econômico que o Peru perdeu três anos atrás. O ataque à Presidência da
República, à Procuradoria da Nação e ao Tribunal Constitucional representaria
não só um golpe político, mas também um golpe econômico para o Peru próspero
que todos queremos. Temos que defendê-lo.”
Embora na
sexta-feira da semana passada 93 dos 130 deputados peruanos tenham se
pronunciado a favor de debater a destituição, os 87 votos necessários para
tirar o presidente do cargo ainda não estavam assegurados nesta quarta, e o
governismo manobrava para impedir a derrota. Nesse contexto, Kuczynski recebeu
o apoio dos governadores dos departamentos de Arequipa, Cusco, La Libertad e Piura.
Na
terça-feira, o presidente solicitou ao Legislativo a documentação que
fundamenta o processo de impeachment, mas a poucas horas do início da
decisiva sessão desta quinta o chefe de Estado não os tinha recebido. Por
recomendação do seu advogado, Alberto Borea, o presidente enviou na terça-feira
uma carta ao secretário-geral da Organização
dos Estados Americanos(OEA), Luis Almagro, manifestando a “profunda
preocupação” do seu Governo diante de “fatos que afetam a estabilidade
democrática” do país. Kuczynski cita os esforços do fujimorismo para destituir
três membros do Tribunal Constitucional e o procurador-geral, além do próprio
processo contra o presidente, no qual o Congresso o acusa de “incapacidade
moral”, uma figura prevista na Constituição.
O
ex-executivo financeiro afirma que esses fatos, segundo a Carta Democrática
Interamericana, “atentam contra a institucionalidade democrática e o legítimo
exercício do poder” e solicita o envio de um observador para a sessão de
debate. Almagro anunciou nesta quarta-feira que enviará uma delegação ao Peru.
O Força
Popular (com 71 dos 130 assentos no Congresso) divulgou na quarta-feira da
semana passada um documento solicitado à Odebrecht - responsável por uma enorme
trama de corrupção no continente para obter contratos de obras públicas - sobre
os pagamentos feitos entre 2004 e 2013 a duas empresas vinculadas a Kuczynski.
O montante total chega 4,8 milhões de dólares (15,8 milhões de reais, pelo
câmbio atual), sendo 752.000 (2,48 milhões de reais)depositados
para a Westfield Capital, uma firma de investimentos que o hoje presidente
abriu em 1992 nos Estados Unidos.
O
presidente alega que, ao assumir um cargo de ministro durante o Governo deAlejandro Toledo,
entre 2004 e 2006, desligou-se da sua empresa e deixou os negócios nas mãos do
gestor Gerardo Sepúlveda. Esse economista chileno afirmou aos jornais El
Mercurio e El Comercio que nunca tinha informado a Kuczynski
sobre os contratos fechados naqueles anos. O Força Popular promoveu a
destituição com o argumento de que o chefe de Estado tinha mentido a uma CPI do
Congresso peruano quando declarou, em outubro, que nunca havia tido vínculos
profissionais com a Odebrecht.
Na
sexta-feira passada, 93 congressistas votaram a favor de debater o afastamento
do presidente, mas nesta quarta-feira prosseguiam as negociações dos
parlamentares peruanos do partido Peruanos pela Mudança com outros deputados
para evitar a derrota. O partido APRA, que na semana passada se somou com
firmeza à moção junto ao Força Popular e à esquerdista Frente Ampla,
mostrava-se mais flexível nesta quarta. O deputado aprista Javier Velásquez Quesquén,
por exemplo, disse num programa de rádio que, se Kuczynski demonstrar que não
conhecia os contratos da Odebrecht com Sepúlveda, não haveria motivo para
cassar seu mandato.
Documentos de sustentação
A
porta-voz do partido Aliança para o Progresso (APP), Marisol Espinoza, disse ao
EL PAÍS que “não é possível que uma escolha popular de 30 milhões de peruanos
seja substituída por uma maioria autoritária. A forma como a moção foi entregue
ao presidente não esclarece qual é a acusação, não tem um fundamento para a
vacância [do cargo]”. E acrescentou: “Há um golpe sistemático contra a
governabilidade no país: o ataque contra o Tribunal Constitucional e contra o
procurador-geral da Nação, a prorrogação da legislatura até 12 de janeiro. Já
apedrejaram o presidente sem escutá-lo, e essa é uma má prática,
inconstitucional”.
Outra
mudança ocorre na bancada partidária do esquerdista Novo Peru, que também votou
a favor de debater a moção na semana passada, e agora relativiza sua posição.
“Deve haver algum fundamento razoável que leve a romper a ordem democrática.
Dissemos que há um golpe institucional em curso. Com uma força como o
fujimorismo, tão grande, e com o passado que tem, é uma ação que merece ser
levada em conta nas decisões que serão tomadas”, afirmou Marisa Glave, deputada
do Novo Peru, à imprensa em Lima.
EL PAÍS
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