segunda-feira, 30 de abril de 2018

A ditadura na Academia

Editorial

 “O professor de Ciências Sociais Carlos Maurício Ardissone que ousa questionar a cartilha marxista-gramsciana predominante e se recusa a se comportar como um intelectual orgânico em sala de aula enfrenta duras penas: é tachado de reacionário por muitos colegas, torna-se alvo de risadinhas e fofocas na sala de professores e frequentemente é punido com a perda de disciplinas e prejudicado em bancas de seleção para muitas universidades públicas por não integrar nenhuma das panelinhas ideológico-partidário-sindicais que dominam os corpos docentes nessas instituições”, relatou o professor.

Se já é um absoluto contrassenso a existência desse tipo de perseguição dentro de uma universidade, que deve ser regida por um profundo espírito de liberdade, pluralismo e tolerância, pior é que esse abuso tenha se tornado coisa corrente. De tão comum, esse sequestro ideológico é visto como elemento natural de quase todas as instituições acadêmicas, especialmente as públicas. É um disparate que o dinheiro do contribuinte seja usado para sustentar violações à liberdade de pensamento e de expressão.

Junto a esse “ambiente repressivo (......) há uma incansável doutrinação dentro da sala de aula por parte de “muitos dos professores marxistas-gramscianos (...). Como estão convictos de que conhecem intimamente a fórmula para a redenção da humanidade e de que detêm o monopólio da virtude, naturalizam o processo de aliciamento ideológico que diariamente é realizado em grande parte das escolas e universidades do Brasil. Convocam alunos para passeatas e panfletagens de partidos, candidatos e sindicatos, sem a menor cerimônia. Pressionam-nos a se envolver e a apoiar agendas de movimentos sociais de esquerda, dentro e fora da sala de aula. Tudo sem jamais oferecer contraponto digno de nota e confiança, nos conteúdos que supostamente cumprem como profissionais de magistério”.

Essa doutrinação ideológica é um atentado à academia, que se vê despojada de sua mais profunda missão: a busca da verdade num ambiente de plena liberdade. Por óbvio, tal aparelhamento ideológico da universidade também gera efeitos muito além dos bancos acadêmicos. É todo um conjunto de ideias, quase sempre muito frágeis e irrealistas, que ganham ar de verdade incontestável. Neste sentido, como não ver a relação entre a crise política, econômica, social e moral que o País atravessa e os abusos ideológicos cometidos diariamente nas universidades? A academia tem um papel decisivo para o País. Urge resgatar sua dignidade, devolvendo a liberdade de pensamento e de expressão a professores, pesquisadores e alunos.”

Estadão 


OS ARTIGOS QUE NÃO ESCREVO

Percival Puggina

Não é raro que leitores me perguntem por que, ao longo de tantos anos, tendo publicado quatro livros e milhares de artigos, eu não incluo entre minhas pautas os temas referentes às mazelas sociais. "Essas realidades nada lhe dizem? Por que o senhor combate pessoas e partidos manifestamente preocupados com os miseráveis?", indagam-me, certos de que sangrarei sob o peso da minha omissão.

 Essas indagações ganham relevo porque refletem dois problemas nacionais, com conseqüências políticas desastrosas. Refiro-me, primeiro, à ideia de que as palavras têm um poder mágico, capaz de mudar a realidade por mera dicção. E, segundo, a ideia de que não seja necessário explicitar, de modo correto, o modo como se viabiliza a superação do mal descrito. É exatamente pela desatenção a esse aspecto que os demagogos congestionam a política brasileira.

Já ouvi muito discurso vazio, já vi muita gente chegar ao poder mediante tais parolagens, já vivi para ver muitos povos submetidos a tiranos que se impuseram em nome de prometida e nunca entregue redenção social. Sinceramente, sinto-me dispensado disso. Um artigo que aponte como soluções para a pobreza sistemas econômicos e políticas que agravam a miséria só serve para o autor.

Prefiro outro caminho, ou seja, o dos temas sobre os quais escrevo. Entre eles, um sistema econômico que produza riqueza e não miséria, políticas que liberem as iniciativas individuais e reduzam o peso do Estado sobre a sociedade; e um sistema educacional que cultive os valores do estudo e do trabalho. É o caminho que promove valores culturais relevantes, como a dignidade e a autonomia da pessoa humana, a família, o correto uso da liberdade, a solidariedade, a ordem, o amor à pátria, o respeito à lei e as virtudes. É o caminho da religiosidade sadia, do amor a Deus, da fé, da prioridade do espírito sobre a matéria, da ética sobre a técnica e da pessoa humana sobre o Estado. É o caminho que promove o Bem e denuncia o Mal. Que aprecia a beleza, a justiça e a verdade. É o que busca instrumentos políticos capazes de construir uma verdadeira democracia, na forma e nos princípios que a inspiram, porque simetricamente presentes no conjunto do tecido social.

Sei que assim se atacam os problemas causadores do baixo crescimento econômico, a miséria, a desagregação familiar e social, o vício, a violência e a criminalidade. Aí estão os adversários que enfrento, caros leitores, eventualmente ansiosos por um artigo talvez tão agradável de ler quanto historicamente surrado e inútil. É claro, também, que nada posso fazer se estas pautas, vez por outra, pareçam chapéus sob medida para a cabeça de algumas pessoas ou partidos políticos.

blog do puggina

domingo, 29 de abril de 2018

Aprimoramento Institucional e Federalismo Pleno

Maynard Marques de Santa Rosa

O Brasil tem problemas estruturais e culturais complexos, que comprometem o seu desenvolvimento. O maior deles é o gigantismo do Estado.

O Executivo federal tem 23 ministérios, 2 secretarias e 4 órgãos de governo em 1º escalão e 635.000 cargos de servidores públicos (2017) da Administração Direta, sendo 48 mil DAS, sem contar as estatais. O serviço público em geral é ineficiente, politizado e caro. 

O Legislativo possui 513 deputados, cada um com verba mensal de gabinete R$ 101.971,94 e 81 senadores, com R$ 165 mil de gabinete, fora o salário. O gigantismo dilui o poder do Parlamento, favorece a cooptação e dificulta os consensos. O sistema político, por sua vez, é uma babel de 35 partidos, mais 73 em processo de formação.

O Judiciário também é gigantesco e ineficiente, em consequência de uma legislação que estimula a judicialização das relações sociais. Nos dissídios políticos, a Justiça parece submetida ao interesse partidário.

Portanto, o gigantismo do Estado é responsável pelo “custo Brasil” e pela carga tributária que compromete a competitividade brasileira no comércio internacional.

Uma das causas está na Constituição Federal. A “Constituição Cidadã”, de 1988, foi elaborada em clima revanchista e recebeu a influência de lobbies, inclusive estrangeiros, que produziram incongruências no texto, demandando uma revisão profunda. O conceito de “cláusula pétrea”, criado na contramão da lei natural do progresso, teve a intenção de perpetuar garantias a certos grupos de interesses ocultos.

O inciso XVIII do Art. 5º legalizou as atividades das antigas células subversivas: “A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Ao invalidar o direito de defesa do Estado, estimulou a proliferação de ONGs e Movimentos Sociais, hoje estimados em mais de 700 mil, muitos com objetivos inconfessáveis.

A Carta ressuscitou o tema dos quilombolas e reverteu a jurisprudência indígena que vinha do Regimento do Diretório dos Índios (1755), do marquês de Pombal. Tudo plantado pelo lobby do CIMI, patrocinado pelo Conselho Mundial de Igrejas e pelas fundações internacionais Ford, Rockefeller e Carnegie, de olho na mobilização das minorias.

O Estado brasileiro, depois de longo período administrado por sucessivos governos esquerdistas, acostumou-se a ingerir na sociedade e na família, ampliando o campo do direito à custa da moral e dos costumes, como se fosse lícito e natural.

Outras anomalias legais são responsáveis, também, pela situação de insegurança pública e de estagnação econômica da Região Norte.

O diagnóstico sombrio da conjuntura implica tratamento de choque. Proponho, então, seis estratégias sinérgicas, que podem contribuir para o aprimoramento.

A primeira é a racionalização do setor público, visando a tornar o Estado mais leve, mais eficiente e mais barato. As estruturas dos três poderes podem ser reduzidas com um corte linear de 30%, de cima para baixo. O serviço público deve ser profissionalizado, para prevenir a politização e melhorar a eficiência, e ter revistos os critérios de estabilidade e o direito de greve. O Senado e a Câmara dos Deputados podem perder um terço do quórum atual, sem nenhum prejuízo funcional. Não convém existirem mais de 10 partidos políticos, para haver representatividade; bem como que a indicação para os tribunais superiores fique à mercê do interesse político partidário.

A segunda estratégia é um choque de “laissez-faire” na economia nacional, para varrer toda a legislação que entrava as relações contratuais. O setor privado deve ganhar mais atenção e maior prioridade. A legislação pública deve ser modernizada, para estimular o empreendedorismo, a inovação, o conhecimento e a desburocratização.
A terceira é um choque conceitual na educação pública, a fim de superar o fosso tecnológico que separa o Brasil do Primeiro Mundo. O campo da ciência e tecnologia deve receber maior afluxo de investimentos. O livre pensamento tem de ser regra nas escolas e universidades. O ambiente acadêmico precisa ser livre de ideologias, para permitir uma competitividade saudável.  O sistema de cotas é um privilégio que merece ser extinto. 

A quarta estratégia é um mutirão legislativo de segurança pública. O esforço a ser concentrado na legislação visa a reverter a impunidade. É uma insensatez a concepção ideológica de que o crime constitui reação do “lumpemproletariado” à opressão da sociedade burguesa, onde o criminoso é que seria a verdadeira vítima. Foi em meio a esse sofisma que os constituintes de 1988 discutiram a questão da segurança.

Com isso, o Art. 142 omitiu o poder de polícia das Forças Armadas; as polícias foram tratadas de modo preconceituoso, e a repressão ficou restrita ao Art. 144. A crise atual pede a implantação de um Programa Nacional de Segurança Pública, uma revisão realista do Código Penal, do Código de Processo Penal e do Estatuto da Infância e da Adolescência. E o sistema carcerário deve emergir da sombra do inconsciente coletivo para a luz da razão, a fim de validar a dissuasão punitiva e a cultura de recuperação do apenado.

A quinta proposta consiste na institucionalização de um programa de desenvolvimento da Amazônia Brasileira.

Desconhecida da maioria do povo e relegada pelo governo à condição de megalatifúndio improdutivo, a Amazônia só tem servido como moeda de troca para pressões ambientalistas e indigenistas das elites globalistas estrangeiras, com prejuízo dos seus habitantes.        

Ocupando mais da metade do país, seus 25 milhões de habitantes dormem sobre riquezas naturais de duas Áfricas, que lhes são sonegadas. 40% vivem abaixo da linha de pobreza. A Região contribui com apenas 6% do PIB nacional e continua subdesenvolvida. 80 % da população habita os centros urbanos, restando somente 5 milhões de pessoas dispersas no maior deserto verde do Planeta.

É preciso integrar a Amazônia à realidade geopolítica, econômica e social do País, por meio de lei que institua um programa permanente de desenvolvimento da Região.

A sexta estratégia propõe uma revisão constitucional profunda. Embora indispensável ao aprimoramento das instituições, é, no entanto, inviável no contexto atual. Cabe prepará-la, mediante uma campanha psicológica de longo curso, para desintoxicação da sociedade do veneno ideológico inoculado pela propaganda construtivista. As ideias-força contrárias à ilusão do coletivismo politicamente correto são as mesmas da Revolução Francesa: liberdade com responsabilidade, igualdade perante a lei e solidariedade.

Por fim, agradeço esta oportunidade, que me permite semear ideias para o debate, e me coloco à disposição de todos. Muito obrigado e boa sorte a este Congresso!

Maynard Marques de Santa Rosa é General de Exército, na reserva. O artigo é a minuta do que o militar apresentou no II Congresso do Movimento Avança Brasil, dia 21 de abril, em São Paulo.

Alerta Total

O próximo presidente e suas 146 empresas

Murillo Camarotto

Tese da 'privatização de tudo' é tão infantil quanto demonização

Uma vítima do Estado Islâmico. Foi assim que o último presidente dos Correios se sentiu ao ver a cena de um boneco feito em sua "homenagem" arder em chamas numa praça de Campinas, no interior paulista. Colocado no comando da estatal por Gilberto Kassab, onipresente governista, Guilherme Campos deixou o cargo para concorrer à Câmara dos Deputados, mesmo com a sua popularidade em cinzas.

Mais ou menos na mesma época, seis vice-presidentes da Caixa Econômica Federal foram praticamente enxotados porta afora do banco, sob suspeitas de usarem os cargos no atendimento de interesses particulares e, principalmente, de seus padrinhos políticos.

Para se salvar da segunda denúncia oferecida pelo Ministério Público, Michel Temer teve que receber no Jaburu um dos padrinhos políticos mais bem-sucedidos da República. Na lista de pedidos de Valdemar Costa Neto, presidente do PR, constavam a reabertura do Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, e a exclusão de Congonhas do programa de concessões. O objetivo era claro: garantir influência e caixa para a Infraero, que é controlada por seu partido.

Com tantas intempéries, não é de se estranhar a mistura de satisfação e alívio com que Temer anunciou - em um vídeo nas redes sociais - a assinatura do decreto que deu início aos trâmites para a privatização da Eletrobras. Historicamente cobiçadas por políticos de todos os credos, algumas estatais vêm se tornando verdadeiros micos, onde a multiplicidade de problemas acaba superando as vantagens de administrá-las.

Não é à toa que, diferentemente do que se viu em eleições passadas, vários políticos estão defendendo abertamente as privatizações, mesmo com pesquisas mostrando que a população ainda é resistente a elas. Em 2006, o presidenciável Geraldo Alckmin teve que vestir um colete da Petrobras para se afastar do que mais tarde veio a ser chamado de "privataria tucana". Dificilmente ele fará algo parecido em sua segunda tentativa de morar em Brasília.

Quase ninguém o fará, com exceção dos candidatos mais à esquerda. Também é verdade que a postura infantilizada de demonizar o assunto encontra no flanco oposto um discurso quase tão precário quanto. Os chamados ultraliberais entraram no jogo eleitoral deste ano com o discurso de "privatizar tudo", um factoide que só serve para ilustrar a dimensão do despreparo para assumirem as rédeas do país.

Apontada por pesquisa recente do Datafolha como a maior preocupação dos brasileiros, a corrupção foi a trilha encontrada para tornar as privatizações mais palatáveis. Encolher a máquina pública, diz a tese, reduz automaticamente a oferta de comida para as aves de rapina.

Faz até algum sentido, mas não é só isso. Estudioso das estatais, o professor do Insper Sérgio Lazzarini lembra que as privatizações podem abrir oportunidades para grandes negociatas, como se viu em um passado não muito distante. O maior problema, contudo, é a complexidade dos processos, ignorada solenemente pelos devotos do Estado raquítico.

"E os empregados? E o fundo de pensão? E o passivo contingente? Para cada caso desses, tem que fazer tanta coisa estruturada que quem chegar aqui e falar que vai privatizar desse jeito não conhece o assunto", explica Fernando Soares, titular da Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais, ligada ao Ministério do Planejamento.

No cargo há quase dois anos, Soares recebeu a missão de analisar todas as possibilidades de privatização. Elas não são poucas, de fato, mas é bom que o próximo presidente não se iluda com a capacidade de torná-las realidade. "Não é só questão de apoio da sociedade. O passo a passo disso é quase heroico. Surgem tantos problemas e tantas dificuldades que, quando você vence tudo, gastou dois anos na privatização de uma empresa".

Sozinho, o processo de capitalização da Eletrobras consome praticamente toda a capacidade operacional da administração pública nessa área. Mesmo se o governo quisesse, não conseguiria tocar nenhuma outra privatização relevante em paralelo. A ausência de privatizações durante os 13 anos do governo petista resultou em toda uma geração de técnicos sem expertise no assunto, especialmente no BNDES, que é o órgão responsável pela coordenação do Programa Nacional de Desestatizações.

A redução do número de empresas estatais, hoje são 146, está diretamente vinculada à equação fiscal. Se é verdadeira a necessidade de uma readequação do Estado à realidade de suas receitas, o debate sobre as privatizações se faz obrigatório no processo eleitoral deste ano. Indispensável que a abordagem se dê em bases menos grosseiras, que mirem tanto a inutilidade de algumas estatais quanto o papel social de outras.

Quando o próximo presidente assumir, a Eletrobras ainda não será privada. Projeções mais otimistas apontam para um desfecho do processo no meio de 2019. Quando a privatização for concluída, o governo terá se livrado não só da empresa, mas de suas 38 subsidiárias. No ano passado, o grupo apresentou um prejuízo de R$ 1,72 bilhão.

A tendência atual é de que o enxugamento de estatais continue, podendo cair para menos de 100 empresas no médio prazo. Não é só por meio da venda que se pode diminuir o peso delas para o Estado. Alternativas como liquidação, extinção, abertura de capital e joint ventures devem estar permanentemente no radar.

Aprovada em 2016, a Nova Lei das Estatais representou um avanço importante, ao colocar mais entraves às indicações políticas. Se não barrou completamente a entrega das empresas aos afilhados, a legislação ajuda a qualificar um pouco mais as indicações.

Apesar de mais problemáticas, as estatais continuam sendo um filão considerável para o fatiamento político do Estado, como se pôde ver na tentativa recente de privatização da Casa da Moeda. O governo engavetou a ideia após protestos do PTB, que segundo uma fonte do Planalto se abrigou na estatal como os personagens do seriado espanhol "La Casa de Papel".

Valor Econômico


sábado, 28 de abril de 2018

A moeda do futuro

André Lara Resende

Não apenas no Brasil, mas em toda parte, a política de juros parece ter menor alcance e limites mais estreitos do que se supunha

Os BCs estudam a possibilidade de emissão de uma moeda digital, que poderá vir a substituir a moeda-papel

A superação da crise de 2008 nas economias do hemisfério Norte e o desenvolvimento da tecnologia digital, sobretudo a tecnologia de arquivos descentralizados, conhecida como DLT, a partir do termo em inglês, "distributed ledger technology", levou a uma mudança dos temas predominantes na discussão sobre políticas monetárias. Afrouxamento quantitativo, taxas de juros negativas e outras formas heterodoxas de política monetária cederam espaço para a discussão sobre as implicações do avanço da tecnologia digital para o sistema financeiro e para a condução da política monetária. São questões altamente relevantes para o Brasil.

A inflação está sob controle, mas apesar de a taxa básica de juros ter se reduzido significativamente, o crédito continua escasso e caro. O alto custo do crédito é importante detrator do investimento, sem o qual não haverá crescimento sustentado. O crédito subsidiado, que durante tanto tempo prevaleceu no Brasil, sempre questionável, é hoje fiscalmente inviável. Esta foi a principal razão evocada para acabar com a taxa de juros subsidiada do BNDES. O país enfrenta uma gravíssima crise e o déficit das contas públicas não dá sinal de se reduzir na velocidade necessária. Ao contrário, tudo indica que sem reequilíbrio da Previdência a relação entre a dívida pública e a renda continuará a crescer. Fica difícil justificar o subsídio ao crédito. Além do mais, uma das possíveis explicações para as altas taxas de juros é o fato de que a política monetária aqui é pouco eficiente. Com empréstimos subsidiados, feitos a taxas de juros insensíveis à variação da taxa básica, o Banco Central seria obrigado a levar os juros a níveis muito mais altos do que o necessário, caso todo o sistema respondesse à taxa básica.

A tese faz sentido e já me pareceu mais relevante para explicar a ineficiência da política monetária no Brasil. Ocorre que após a crise financeira das economias desenvolvidas de 2008, os limites da política monetária, ou mais precisamente da política de juros, pois esta é apenas um dos elementos da atuação dos bancos centrais contemporâneos, foram explicitados. Enquanto aqui as taxas de juros são mantidas em níveis altos demais, nos países avançados, ameaçados de deflação, os juros esbarraram no seu limite inferior, o das taxas nulas. Os limites da política de juros, em condições de inflação muito alta ou muito baixa, têm dado margem a controvérsias e levado à revisão da macroeconomia. Não apenas no Brasil, mas em toda parte, a política de juros parece ter menor alcance e limites mais estreitos do que se supunha.

O cerne do problema está na evolução do sistema financeiro. Quanto mais sofisticado o sistema financeiro, mais líquidos são todos os tipos de ativos, o que faz com que a distinção entre moeda e crédito se torne menos relevante. Sistemas financeiros sofisticados são capazes de expandir e de destruir crédito e liquidez, sem depender dos bancos centrais, até que ocorra uma grande crise de confiança. Ao criar e destruir liquidez, independentemente da atuação da política de juros do Banco Central, o sistema financeiro torna a política de juros menos eficiente. Quanto mais sofisticado o sistema financeiro, menor é a vinculação entre a taxa de juros básica e a liquidez. Por isso, depois da grande crise financeira de 2008, os bancos centrais foram obrigados a rever sua forma de atuar, com políticas que vão muito além da política de juros. A criação de liquidez através da recompra maciça de títulos, tanto públicos quanto privados, denominada de "quantitative easing", QE, é o exemplo mais importante do novo cardápio de medidas, denominadas de macroprudenciais, que passaram a fazer parte do arsenal de atuação das autoridades monetárias.

A nova forma de atuar dos bancos centrais explicitou a estreita vinculação entre as políticas monetária e fiscal. A política de juros do Banco Central é um importante determinante do custo da dívida pública, por isso as políticas monetária e fiscal nunca foram independentes. Desde a crise de 2008, os balanços dos bancos centrais cresceram tanto, que hoje representam parte expressiva da dívida pública consolidada. A política dos bancos centrais tem agora, mais do que nunca, expressivo impacto fiscal. A ainda mais estreita vinculação entre as políticas monetária e fiscal coincide com o avanço da tecnologia de pagamentos, que poderá vir a restringir ainda mais a eficácia da tradicional política de juros dos bancos centrais. O avanço da tecnologia sobre o sistema de pagamentos tem reduzido rapidamente o uso, e portanto a demanda, da moeda tradicional. Tanto a moeda-papel em circulação quanto as reservas bancárias no Banco Central, aquilo que se convenciona chamar de base monetária, estão a caminho, se não da extinção, da irrelevância.

Os novos sistemas de pagamentos eletrônicos, que atuam como plataformas alternativas ao sistema bancário, reduzem a necessidade de base monetária na economia, mas como só a moeda-papel ou as reservas no Banco Central servem como última instância de pagamento, não podem ainda prescindir do sistema bancário. Isso pode vir a mudar com a criação de uma criptomoeda descentralizada emitida pelos bancos centrais, ou mesmo com a generalização das moedas virtuais privadas. A primeira e a mais conhecida das criptomoedas privadas, o bitcoin, não é uma verdadeira moeda. A altíssima volatilidade do valor do bitcoin, assim como o das inúmeras criptomoedas que hoje pipocam por toda parte, não permite que os preços sejam cotados nessas ditas criptomoedas. Enquanto tiverem altíssima volatilidade, não servirão de referência para cotação de preços, nem como unidade de conta. Por isso, são tecnicamente denominadas de criptoativos financeiros. Não são moedas, mas ativos financeiros digitais criptografados.

A grande contribuição do bitcoin foi a tecnologia, verdadeiramente revolucionária, por trás dele: o blockchain. Com o blockchain, cuja denominação genérica hoje é DLT, é possível transferir a propriedade de ativos - assim como de qualquer documento - de forma descentralizada. As implicações disso poderão ser tão revolucionárias quanto foi a internet, que permitiu a divulgação descentralizada da informação. Um sistema de pagamentos baseado em DLT dispensará tanto a custódia quanto a liquidação centralizada e revolucionará o funcionamento do sistema de pagamentos. Quanto ao papel que poderá vir a desempenhar as criptomoedas digitais de emissão privada, não há consenso. A grande maioria dos analistas, entre os quais me incluo, acredita que se trata de um modismo que alimenta uma bolha especulativa que, ao menos por enquanto, não oferece perigo. Curiosamente, pode-se perceber que há uma clivagem geracional na avaliação das criptomoedas; os mais jovens são bem menos céticos quanto ao seu futuro. Independentemente de como se avalia as criptomoedas privadas, o fato é que a tecnologia e o extraordinário interesse despertado por elas levaram a um reexame de algumas questões básicas. Há hoje uma renovada discussão sobre o que é a moeda, se podem existir boas e más moedas, qual o sistema de pagamentos mais eficiente e qual o papel dos bancos centrais.

Quando se procura definir a moeda, suas três propriedades clássicas, ser unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor, são imediatamente lembradas. São funções clássicas da moeda, mas não definição do que é a moeda. Das muitas tentativas de definir a moeda, a que me parece mais abrangente e fecunda é aquela que vê a moeda como um sistema de registro de débitos e créditos, acessível de forma eficiente e segura para todos, que desfruta de credibilidade pública. A moeda é uma convenção que tem credibilidade. Como toda convenção, está sujeita a evoluir com a mudança dos usos e costumes das instituições e da tecnologia. A moeda contemporânea está em fase de rápida evolução. Existe hoje um grande número de formas alternativas da moeda, que podem ser classificadas segundo quatro características básicas:

1 - Emissor público ou privado.
2 - Existência física ou eletrônica.
3 - Acesso generalizado ou restrito.
4 -Transferência e registro centralizados ou descentralizados.

Alguns exemplos ajudam a entender a classificação. A moeda-papel tem emissor público, é física, de acesso irrestrito e tem transferência descentralizada. As reservas bancárias nos bancos centrais têm emissor público, são eletrônicas, têm acesso restrito aos bancos e transferência centralizada. As atuais chamadas criptomoedas, como o bitcoin, têm emissores privados, são eletrônicas, têm acesso irrestrito e são transferidas de forma descentralizada através de DLT.

As criptomoedas privadas de hoje têm problemas demais para virem a se tornar predominantes. A alta volatilidade, o risco cibernético e sobretudo o custo energético do processo de "mineração" fazem com que elas ainda não constituam ameaça para as moedas oficiais, mas o interesse que despertaram é indicação de que esta possibilidade não pode ser integralmente descartada. Moedas de emissão privada foram comuns na história. A tentação dos emissores de reduzir o seu conteúdo metálico em relação ao seu valor de face, num processo conhecido na literatura como "debasement", foi sempre uma ameaça à sua credibilidade. A questão é que também as moedas oficiais, emitidas pelos Estados nacionais, nunca estiveram livres do risco de debasement. Com o tempo, o lastro metálico das moedas desapareceu, e a moeda se tornou totalmente fiduciária. Sua credibilidade está baseada na confiança de que o emissor não irá abusar do seu poder de "seignorage" e que o Banco Central garantirá a relativa estabilidade do seu poder de compra. A credibilidade da moeda fiduciária depende da percepção de que o Banco Central está protegido de pressões políticas espúrias e que tem competência para garantir a estabilidade do sistema de pagamentos.

À medida que a moeda e o sistema de pagamentos evoluem, também a atuação dos bancos centrais deve evoluir. No passado os bancos de depósitos, precursores dos bancos centrais, deveriam garantir o lastro metálico de suas moedas. Com a consolidação das moedas exclusivamente fiduciárias, passou-se a acreditar que a boa política monetária deveria estar baseada em uma regra quantitativa para a emissão de moeda, baseada na Teoria Quantitativa da Moeda. Desde o início deste século, as metas quantitativas foram abandonadas e os bancos centrais passaram a utilizar uma regra para a taxa básica de juros, associadas a metas para a inflação. A evolução tecnológica dos sistemas de pagamentos será um novo desafio para os bancos centrais.

Nos últimos anos, vários bancos centrais, inclusive o Fed americano, passaram a utilizar depósitos remunerados para o sistema bancário, como instrumento de controle da liquidez. No Brasil, já há um projeto em andamento para autorizar sua utilização pelo Banco Central. Atentos à rápida evolução tecnológica, os bancos centrais estudam também a possibilidade de emissão de uma moeda digital, que poderá vir a substituir a moeda-papel. A chamada moeda digital dos bancos centrais, ou CBDC do inglês, assim como o papel-moeda, seria transferida de forma descentralizada, peer-to-peer, através da DLT. A combinação de depósitos remunerados no Banco Central, não apenas para os bancos comerciais, mas para todas as chamadas instituições de pagamento, inclusive as novas fintechs, instituições financeiras que utilizam exclusivamente plataformas digitais, revolucionará o sistema de pagamentos. Os ganhos de eficiência serão enormes. Os pagamentos e as transferências passarão a ser imediatos, em tempo real, a partir dos celulares. Os absurdos prazos para liquidação, assim como os altíssimos custos do sistema, hoje no Brasil, serão significativamente reduzidos.

O alto custo do crédito no Brasil é problema conhecido e amplamente debatido. O alto custo de sistema de pagamentos é menos visível, mas tão grave quanto o do crédito. Há hoje consciência de que a concentração bancária se tornou excessiva. A revolução digital, se bem entendida e aproveitada pelas autoridades monetárias, se encarregará de reverter a concentração e aumentar a eficiência do sistema.

Valor Econômico


Sete países desferem duro golpe contra a propaganda do Estado Islâmico

EL PAÍS

Megaoperação desmantelou a agência jihadista Amaq, diz Europol

As polícias dos EUA, Canadá e cinco países da UE — Bélgica, Bulgária, França, Holanda e Reino Unido — desferiram, nos últimos dias, um duro golpe contra máquina de propaganda do Estado Islâmico (EI) durante uma operação conjunta que visou a Amaq News Agency, a rádio Al-Bayan e os sites de notícias Halumu e Nashir, principais órgãos de difusão de atentados jihadistas.

A Europol, organização que coordenou a operação, afirma em um comunicado de imprensa que a ação deixou “muito comprometida” a capacidade do EI de divulgar material terrorista. As investigações começaram em 2015, quando se constatou o crescimento da agência Amaq e a adaptabilidade das “estruturas online do jihadismo”.

A Amaq é o órgão de propaganda usado para disseminar informações sobre as operações do EI, sejam vitórias no campo de batalha ou ataques terroristas no mundo todo. O grupo terrorista deu seu apoio a essa agência em 2017 e, desde então, fez dela “sua principal fonte de difusão de informações sobre as atividades do EI em todo o mundo”.

O primeiro resultado contra essa máquina de propaganda foi obtido em agosto de 2016, com uma operação contra os aplicativos móveis e a infraestrutura da Amaq, que “obrigou os propagandistas [do EI] a construir uma infraestrutura mais complexa e mais segura para evitar novas invasões por parte das forças da ordem pública”, diz a nota da Europol.

Colaboração fundamental da Espanha
O segundo golpe veio em junho de 2017, com uma intervenção da Guarda Civil espanhola (e o apoio da Europol e dos EUA) que permitiu identificar “indivíduos radicalizados em mais de 100 países”. Mais concretamente, e segundo dados da própria Guarda Civil, foram identificados consumidores habituais da propaganda jihadista em 133 países.

Para realizar a operação, a Espanha obteve a colaboração das autoridades do Panamá. “O enorme volume informação contido nos servidores apreendidos no Panamá”, diz uma nota do Ministério do Interior, “ajudou diversos serviços policiais estrangeiros a fechar o cerco contra os administradores, pertencentes à estrutura central do Daesh [Estado Islâmico, na sigla em árabe]”.

A última operação, realizada nos dias 25 e 26 de abril com a participação de sete países, permitiu a apreensão de servidores do EI na Holanda, o controle empresas de registro de domínio usadas pelo grupo terrorista no Reino Unido e a obtenção de grande material comprobatório na Bulgária, entre outros resultados. “Com esta operação, abrimos um grande buraco na capacidade do EI de divulgar propaganda online e radicalizar os jovens na Europa”, declarou Rob Wainwright, diretor executivo da Europol.


sexta-feira, 27 de abril de 2018

O que une – e separa – as duas Coreias

Caroline Schmitt

Há sete décadas, um povo foi dividido em dois. Distintas realidades ideológicas e políticas se desenvolveram na mesma península, mas semelhanças históricas e culturais jamais se apagaram.

Nos últimos dias da Segunda Guerra, quando se tornou claro que o Japão se renderia às potências aliadas, a questão sobre o que aconteceria com a Coreia se tornava mais urgente do que nunca. Depois de décadas ocupando a península coreana, os japoneses estavam recuando.

EUA e União Soviética concordaram em dividir a Coreia no 38º paralelo em agosto de 1945: os americanos ocupariam a parte sul, os soviéticos, a norte. O plano era devolver o controle aos coreanos e se retirar. E em 1948 várias tentativas foram feitas para levar à reunificação.

Mas a desconfiança gerada por apenas alguns anos de ideologias opostas já havia se tornado profunda demais. O que começou como uma divisão quase acidental deu origem a uma das fronteiras mais hostis e pesadamente militarizadas do mundo. Um povo foi dividido em dois.

Direitos humanos e liberdade
A Coreia do Norte é hoje um Estado stalinista e é acusada de manter centenas de milhares de cidadãos – incluindo crianças – em campos de prisioneiros políticos e outros centros de detenção em todo o país. Também recebe as classificações mais baixas quando se trata de liberdade de imprensa e responsabilidade do governo.

Anos de isolamento afetaram seriamente a economia da Coreia do Norte, e a população do país sofreu por muito tempo com a pobreza e a fome. As Nações Unidas relatam que mais de um terço da população é desnutrida. Muitos não têm acesso a cuidados de saúde adequados.

A vida na Coreia do Sul, por outro lado, é alimentada por um estilo de capitalismo despudoradamente barulhento e orgulhoso. O país também é oficialmente uma democracia constitucional.

Mas a Coreia do Sul tem seus próprios presos políticos. A controversa Lei de Segurança Nacional considera um delito manifestar simpatias em relação à Coreia do Norte. Mas a Coreia do Sul é tida como muito menos corrupta que seu vizinho do norte.

E é uma aliada fundamental para as potências ocidentais – particularmente os Estados Unidos, que ainda mantêm cerca de 30 mil soldados em solo sul-coreano e realizam exercícios militares regulares com as tropas locais.

Diferença de altura
Apesar do tamanho geográfico similar, a população da Coreia do Sul (mais de 51 milhões) é quase duas vezes maior que a da Coreia do Norte (mais de 25 milhões). Devido à sua dieta pobre, os norte-coreanos tendem a ser menores que os sul-coreanos, o que é mais visível entre as crianças em idade escolar.

Daniel Schwekendiek, da Universidade de Sungkyunkwan, em Seul, estima que a diferença de altura seja de aproximadamente 4 centímetros entre os meninos em idade pré-escolar e 3 centímetros entre as meninas desse mesmo grupo etário.

A diferença na expectativa de vida é similarmente notável: enquanto os sul-coreanos vivem em média até os 82 anos, os norte-coreanos morrem dez anos mais jovens, aos 70 anos.

Comida e vestimenta
Os dois povos gostam de muitos dos mesmos tipos de alimentos, já que as receitas foram passadas de geração em geração muito antes da divisão. Por exemplo, dduk (torta de arroz) e yeot (um tipo de confeito) são comidos por todos os alunos antes dos exames, porque eles acreditam que lhes dá sorte.

As celebrações culturais estão, da mesma forma, profundamente arraigadas na sociedade coreana em ambos os lados da fronteira. Algumas das datas mais importantes são o Ano Novo, o Dia de Ação de Graças e o Daeboreum – o dia da primeira lua cheia do ano. O Ano Novo é tradicionalmente comemorado com uma tigela de ddukguk (sopa de bolo de arroz).

Os pais são servidos por seus filhos durante a refeição e são tratados com deferência, independentemente de onde morem na Coreia.

A Coreia do Sul é tida como a "Hollywood do Oriente", produzindo entretenimento consumido por milhões de fãs, que vão do Japão à Indonésia. Existem também cerca de 400 estúdios independentes, que produzem conteúdo para o mercado de entretenimento, ajudando a Coreia do Sul a exportar seu "k-pop” (gênero musical próprio de música), dramas de televisão e videogames para países da Ásia. Já a Coreia do Norte é praticamente ausente da parada de sucessos asiática.

As coisas parecem polarizadas da mesma forma em se tratando de moda. Os norte-coreanos abstêm-se de fazer experiências, porque o governo proíbe estritamente peças como calças jeans skinny, minissaias e até mesmo penteados especiais, enquanto seus vizinhos do sul são livres para vestir qualquer roupa que quiserem.

Religião e turismo do wi-fi
Os casamentos também parecem diferentes. Casais na Coreia do Sul podem ostentar um lindo vestido para a noiva, uma cerimônia cheia de pompa uma lua-de-mel espetacular, enquanto os noivos na Coreia do Norte tendem a adotar uma abordagem mais simples, geralmente celebrando o matrimônio em um restaurante ou em casa.

Devido à sua visão de mundo comunista, a Coreia do Norte é oficialmente um país ateu. No entanto, novos movimentos como o cheondoísmo estão ganhando popularidade. No sul, o protestantismo e o catolicismo conquistaram muitos novos seguidores nas décadas passadas, e suas fileiras se incharam de cristãos da Coreia do Norte que fugiram da perseguição.

Quanto à "religião" moderna da internet, sua influência é ilimitada no Norte, enquanto o acesso é livre na Coreia do Sul. No Norte, apenas os membros dos serviços públicos e educacionais podem navegar na rede mundial de computadores – e somente sob controles rígidos. Um fenômeno que ocorre como resultado é o "turismo do wi-fi": norte-coreanos compram propriedades perto de embaixadas estrangeiras, para tentar acessar seu wi-fi. Como resultado, os preços de imóveis em Pyongyang dispararam.

A Coreia do Norte tem sua própria intranet, chamada Kwangmyong. Ela não está conectada ao resto do mundo e foi construída originalmente para abrigar páginas sobre a dinastia Kim, a família dominante da Coreia do Norte.

Testes nucleares
O atual líder da Coreia do Norte iniciou a chamada "estratégia de byungjin" em 2013, que buscava, ao mesmo tempo, um desenvolvimento dos programas nucleares e crescimento econômico.

Ele realizou um número extraordinariamente grande de testes de armas, em uma tentativa de desenvolver um arsenal nuclear efetivo, capaz de atingir alvos território norte-americano. Quatro dos seis testes de bomba nuclear do país ocorreram durante o seu governo.

Os testes aumentaram as tensões entre Pyongyang e a comunidade internacional, particularmente os Estados Unidos, com o presidente Trump avisando que responderia à ameaça nuclear da Coreia do Norte com "fogo e fúria, como o mundo nunca viu".

Após uma guerra de palavras entre Trump e Kim, as coisas mudaram drasticamente neste ano, com o líder norte-coreano enviando sua irmã Kim Yo-jong e atletas para as Olimpíadas de Inverno na Coreia do Sul e concordando em manter conversações com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

Moon mais tarde também agenciou uma reunião entre Kim e Trump, marcada para maio ou início de junho.

Nos preparativos para as cúpulas históricas, Kim Jong-un anunciou que seu país suspenderá indefinidamente os testes nucleares e de mísseis e encerrará um local de testes nucleares, levando Trump a tuitar: "Esta é uma notícia muito boa para a Coreia do Norte e o mundo – grande progresso! Ansioso pela nossa cúpula".

DW-Deutsche Welle


É simplesmente ridículo

Carlos Alberto Sardenberg

Emílio Odebrecht diz que preparou sítio para Lula, que estava na conta da propina. Nada a ver, decidem os três juízes

Estamos perdendo a noção do ridículo. Só pode ser isso. Estamos tratando como normais certas situações — na política, na economia, no Judiciário — que são simplesmente ridículas.

Querem começar pelo Judiciário? Serve. Observem esta ementa do Superior Tribunal de Justiça, emitida em 20 de junho de 2012. Depois de repetir que se tratava da análise de embargos de declaração, um sobre o outro, conclui negando o último deles, “embargo de declaração no agravo regimental no recurso especial”. Não é gozação.

Tratava-se de um caso simples. Um servidor aposentado do governo de Goiás que pretendia voltar ao trabalho na mesma administração estadual. O primeiro recurso chegou ao STJ em abril de 2008, negando a volta ao emprego. Seguiram-se oito embargos de declaração e três recursos e agravos, todos negados por unanimidade nas turmas. Mas a coisa só terminou em agosto de 2012.

Ocupou tempo de magistrados, a burocracia dos tribunais, para repetir a mesma decisão 11 vezes.

Esqueçam os termos jurídicos, o formalismo. É simplesmente ridículo.

Vamos para a política? É até difícil escolher, mas considerem o presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira. Na terça, a Polícia Federal deu uma batida no gabinete, na casa e nos escritórios do parlamentar. Entre outras coisas, encontrou R$ 200 mil em dinheiro vivo. O senador tem três inquéritos no âmbito da Lava-Jato e é acusado de ter ameaçado uma testemunha, um ex-assessor.

O partido, o antigo PP, é o principal freguês da Lava-Jato. Lembram-se do Paulo Roberto Costa, o primeiro diretor da Petrobras a ser apanhado no petrolão? Pois então, era indicação do PP.

Joesley Batista diz ter a gravação de uma conversa em que combina entregar uma mala de R$ 500 mil para o senador.

E sabem o que aconteceu com o PP nesse tempo todo? Mudou o nome para Progressistas e, no troca-troca partidário, recebeu o maior número de deputados federais. Chegou a 50.

Ocorre que o partido controla três ministérios, mais a Caixa Econômica. Ou seja, vagas e verbas. O senador Ciro Nogueira ainda distribuirá o dinheiro do Fundo Partidário que vai financiar as campanhas eleitorais. Progressistas? Ridículo, não é mesmo? Pode um partido assim e um senador assim continuarem no controle de boa parte do governo? Dizem: qual o problema?

No dia das batidas, o senador, acompanhado da esposa, estava em “missão oficial” no exterior, o que significa pago com o seu dinheiro, caro leitor. E sabe o que ele mandou dizer ao advogado? Fica tranquilo.

Aí já não é mais ridículo, é gozação com a gente.

Mas, certamente, foi ridícula a decisão de três ministros da Suprema Corte — Suprema! — ao determinar que as delações da Odebrecht a respeito da compra do prédio do Instituto Lula e da reforma do sítio de Atibaia sejam retiradas dos processos que correm em Curitiba sobre o quê? O prédio e o sítio.

Dizem os ministros Gilmar Mendes, Lewandowski e Dias Toffoli que essas delações não têm nada a ver com a corrupção na Petrobras, caso que está na corte do juiz Moro. Logo, as delações devem ir para a Justiça Federal de São Paulo, onde não corre nenhum processo a respeito.

Reparem: na delação, o pessoal da Odebrecht afirma ter participado do petrolão e que os recursos ilícitos ali gerados eram distribuídos, entre outras pessoas, a Lula, propina materializada no prédio e no sítio. Os dois casos foram apurados pela Lava-Jato de Curitiba, processados na Justiça Federal de lá, depoimentos tomados, provas colhidas — e aí vêm os três magistrados dizer que os processos ficam lá, mas não as delações que tratam exatamente daquela corrupção.

Tentam recuperar um formalismo jurídico cuja função é simplesmente anular processos. Assim: a prova existe, todo mundo sabe, mas a Justiça não pode considerar.

Na delação, Emílio Odebrecht diz que preparou o sítio para Lula, que estava na conta da propina. Nada a ver, decidem os três juízes.

Esqueçam o Direito. É simplesmente ridículo.

Querem uma na economia? Temos. O cadastro positivo, a relação dos bons pagadores, cuja função, provada em outros países, é aumentar as garantias na concessão de crédito. E, pois, reduzir os juros ao tomador final.

Tem um projeto tramitando no Congresso, há anos. Opositores dizem que o cadastro é contra os pobres, as pessoas mais simples, que ficarão excluídas.

De onde tiram que “gente simples” é caloteira? O cadastro, onde existe, exclui, principalmente, os ricos caloteiros, os que dão grandes calotes.

Mas estão dizendo que o cadastro positivo é coisa da direita neoliberal. O Congresso está nisso há anos. E ainda esgoelam contra os juros altos. Ridículo. 

O Globo


quinta-feira, 26 de abril de 2018

Palocci assina acordo de delação premiada com PF

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA- Preso desde setembro de 2016, o ex-ministro Antonio Palocci assinou acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Fontes vinculadas ao caso confirmaram ao GLOBO ontem que a colaboração avançou com rapidez nos últimos dias. Em sigilo, além de terem fixado as bases dos benefícios que serão concedidos a Palocci, os investigadores inclusive já teriam concluído a fase de depoimentos. O acordo ainda terá de ser homologado pela Justiça.

Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP), ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. Ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro, que comanda os processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Era, até o início das investigações em Curitiba, um dos políticos mais influentes do PT.

As revelações do ex-ministro devem dar um novo impulso à Lava-Jato. As informações e os documentos fornecidos por ele seriam suficientes para abertura de novos inquéritos, operações e até mesmo prisões, segundo revelou ao GLOBO uma fonte que conhece o caso de perto.

Palocci fez acordo com a Polícia Federal depois de tentar, sem sucesso, negociar uma colaboração com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. Embora tenha anexos ainda não conhecidos, que tratam de sua relação pessoal com o universo político, das negociatas com empresários e do lobby desempenhado por ele no governo em favor de empresários, a delação do ex-petista segue um roteiro conhecido.

LULA NO ALVO
Além de detalhar nos depoimentos os casos de corrupção dos quais participou ou teve conhecimento, o ex-ministro terá de apresentar provas do que diz. Se mentir ou quebrar algumas das cláusulas firmadas, poderá perder os benefícios negociados. As vantagens oferecidas a Palocci em troca de suas revelações ainda estão sendo mantidas em sigilo pelas partes. Na semana passada, o ministro teve um pedido de liberdade negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou temerário liberá-lo da prisão no atual estágio das investigações. No papel de colaborador, no entanto, a situação do ministro poderá ser revista pela Justiça.

Em depoimento ao juiz Sergio Moro, em setembro de 2017, Palocci antecipou alguns episódios simbólicos de sua relação com Lula. O ex-presidente, aliás, seria um dos políticos mais citados por Palocci. Ao falar das relações do ex-presidente coma Odebrecht, por exemplo, Palocci afirmou que Lula havia firmado um“pacto de sangue” com o empresário Emílio Odebrecht nos últimos meses de 2010, em uma conversa sigilosa no Palácio do Planalto.

Nesse período, o ex-ministro era o encarregado  de mediar a relação entre o PT, o governo e a cúpula da empreiteira, como revelaram os ex-executivos da Odebrecht em delação. Palocci operava a famosa “conta Amigo”, aberta no sistema de propinas da construtora para bancar despesas pessoais, favores e projetos de interesse do ex-presidente Lula.

— Ele (Emílio) procurou o presidente Lula nos últimos dias do seu mandato e levou um pacote de propinas que envolvia esse terreno do instituto, já comprado. Apresentou o sítio para uso da família do presidente Lula, que ele já estava fazendo a reforma, em fase final. Também disse que ele tinha à disposição para o próximo período, para fazer as atividades políticas dele, R$ 300 milhões — disse Palocci.

Dessa conta também teriam saído recursos para remunerar palestras do ex-presidente Lula e doações ao instituto que leva o seu nome. O ex-ministro admite ainda os repasses via caixa dois de empresas para as campanhas de Lula e Dilma. Afirma que a relação dos empresários com o governo era “bastante movida” a vantagens concedidas a empresas no governo mediante o consequente pagamento de propinas e repasses de caixa dois ao partido. Ao falar do esquema do PT com empreiteiras que pagavam propina em troca de influência no governo, Palocci disse que as vantagens não se destinavam a retribuir benesses específicas obtidas em um ou outro contrato público. Tratava-se de manter uma relação amigável e constante com os mandatários para estar sempre em posição privilegiada em concorrências públicas.

Ao falar da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro disse que ela não apenas sabia do esquema corrupto entre PT e as empreiteiras, como teria sido beneficiária e mantenedora dos arranjos. Palocci deu exemplos de situações em que tais temas foram tratados na presença de Dilma ou dependeram de sua chancela. Em meados de 2010, segundo Palocci, ele participou de uma reunião com Lula, Dilma e o então presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli na biblioteca do Palácio da Alvorada. O assunto era os contratos de exploração do pré-sal. Lula, segundo o ex-ministro, teria falado abertamente do propósito de usar os projetos da estatal para financiar a campanha “dessa companheira aqui (Dilma), que eu quero ver eleita presidente do Brasil”, teria dito Lula, nas palavras de Palocci.

As negociações sigilosas do ex-ministro com a Polícia Federal foram reveladas pelo GLOBO no dia 14 de abril. Nas tratativas, o ex-ministro melhorou a proposta de delação. Ele teria fornecido mais detalhes e indícios dos crimes dos quais participou ou teve conhecimento. Para um experiente investigador, Palocci é um dos poucos condenados da Lava-Jato que têm informações importantes para debelar estruturas criminosas ainda fora do alcance da polícia.

— Ele ainda é um dos poucos que têm bala na agulha — disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto.

O Globo


Candidatos têm de se posicionar sobre a Previdência

Editorial

Aspirantes ao Planalto precisam dizer o que pensam do sistema de seguridade, para que se saiba qual será o país a partir de 2019, se melhor ou pior que o atual

Pesquisas de opinião têm detectado, entre as preocupações da população, que a corrupção ganhou grande relevância —, o que é compreensível. Às vezes à frente dos clássicos saúde, educação e segurança.

Há, porém, temas como a Previdência, de extrema importância, mas que não costumam frequentar o ranking das maiores dores de cabeça das pessoas, porque sua deterioração ocorre aos poucos, de forma invisível para a maioria da população. Até que, um dia, entra em rápida contagem regressiva para a explosão, arruinando a vida de milhões. O exemplo clássico, não custa repetir, é o da Grécia, na crise iniciada em 2010, derivada das turbulências na zona do euro.

É no estágio da antessala de graves problemas que se encontra o sistema previdenciário brasileiro: sem controle, as despesas com aposentadorias e pensões correm à frente das receitas e levarão a que, provavelmente em 2020, o teto constitucional dos gastos seja rompido. A depender de quem for eleito em outubro, será defendida a revogação do teto. Significará apenas quebrar o termômetro. A crise fiscal se aprofundará do mesmo jeito.

Diante da precariedade estrutural do sistema — o “regime geral”, do INSS, sob o qual estão os assalariados do setor privado; e o “regime próprio”, dos servidores públicos —, os candidatos ao Planalto, mesmo antes das respectivas convenções partidárias que os sacramentarão, já devem dizer o que pensam da reforma deste principal item de despesas do Orçamento.

Aposentadorias e pensões já representam mais da metade dos gastos primários da União — que não incluem a conta de juros da dívida pública —, e continuam em ascensão. Há vários indicadores que reforçam, de forma muito clara, a imperiosidade de uma reforma que estabeleça um limite mínimo de idade para a aposentadoria — 65 anos para homens e 62, no caso das mulheres, como está no projeto estacionado na Câmara —, atualize normas para pensões etc.

Um dado indiscutível: quando um país ainda relativamente jovem como o Brasil tem uma despesa previdenciária de 11% do PIB, na mesma faixa do Japão, conhecido pela longevidade da população, isso significa que há sério desbalanceamento no sistema brasileiro.

É crucial os candidatos se posicionarem diante do tema, porque, a partir do que pensem sobre a Previdência, será possível estimar se o país crescerá menos ou mais, do que dependerão emprego, qualidade de vida, investimentos e assim por diante.

Ficou tão grave a situação da Previdência que, a depender do que o próximo presidente faça ou não neste campo, será possível prever com razoável margem de acerto sua chance de sucesso ou fracasso.

Os distúrbios na Nicarágua são um alerta. A população se rebelou contra o aumento da contribuição previdenciária e o corte de benefícios. Deve ter entendido que o governo nacional-populista de Daniel Ortega não seria capaz de avançar sobre a Previdência. Mas não há outra alternativa a não ser reformar o sistema, independentemente de ideologia. O pior cenário é quando a inflação faz um ajuste selvagem.

O Globo


quarta-feira, 25 de abril de 2018

Fator Fachin: O medo da retaliação dos Batistas

Reinaldo Azevedo

Fator Fachin1: Ele homologou delações fajutas; tem que anulá-las e demora porque tem medo; Batistas antevêem cadeia e podem retaliar

O ministro Edson Fachin, relator do caso JBS no Supremo, está no que pode ser uma encalacrada. Ele homologou, sem restrições, as delações mais fajutas da história. E não tem como. Terá de anulá-las, o que ainda não fez. Está sentado sobre a questão desde setembro. E não é só essa: também a homologação da delação de Sérgio Machado tem de ser revista. Sabe-se que o homem é corrupto. Ele confessou. Ficou decidido que tem de devolver R$ 70 milhões aos cofres públicos — não sei se já o fez. Até agora, as histórias que contou não se confirmaram.

Pois bem: Fachin se tornou relator do caso JBS por uma escolha de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República. Acusação escolher juiz é uma fraude à Constituição, ao princípio do juiz natural. Cármen Lúcia foi conivente. Agora já se sabe que o Ministério Público Federal participou da armação que resultou na delação de Joesley Batista e nas armadilhas preparadas contra o presidente Michel Temer e contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Com a militância entusiasmada dos ministros Luiz Fux e Roberto Barroso — cujo pai foi casado com a mãe de Fernanda Tórtima, advogada da JBS que acompanhou cada passo da mutreta —, Fachin tentou arrancar do Supremo uma espécie de salvo-conduto para Joesley e sua turma: qualquer que fosse a circunstância, reivindicava o trio de togados, e a delação jamais poderia ser revista. Ainda que se descobrissem crimes no meio do caminho. Vale dizer: esses Varões de Plutarco queriam que a delação estivesse acima até da Constituição.

O Supremo não topou a brincadeira. Ainda bem!

Ora, não há como. A delação da tropa de Joesley terá de ser anulada. E Fachin está empurrando a coisa com a barriga. Por quê? Pois é…
A filha do ministro é casada com o advogado Marcos Alberto Rocha Gonçalves, sócio-fundador do escritório Fachin Advogados e Associados, do qual se afastou o agora relator do caso JBS. Acontece que Rocha Gonçalves, o genro, é também filho de Marcos Gonçalves, que foi, por 16 anos, alto executivo do grupo J&F. Hoje, o pai do genro do ministro trabalha como chefe de compras de gado da Mataboi Alimentos, que pertence a José Batista Júnior, o primogênito dos irmãos. Ele vendeu a sua participação na J&F a Joesley e Wesley em 2013. Com a dupla tendo de se afastar da empresa em razão dos problemas policiais, ambos indicaram José, o patrão do pai do filho de Fachin, para presidir o conselho da holding.
Fachin, candidato da JBS

Não se sabe se em razão desse parentesco ou de outra coisa qualquer, o fato é que os irmãos Batista resolveram patrocinar — com apoio, sei lá como chamar… logístico, talvez — a candidatura de Fachin ao Supremo. Quando Dilma Rousseff o indicou para o posto, uma sigla chamada “MST” saiu em sua defesa. O doutor já tinha atuado para João Pedro Stedile e seus bravos. Há textos seus em que a propriedade privada no campo é, para dizer pouco, relativizada.

Mas outra sigla também se interessou por Fachin: a JBS — ou, se quiserem, a J&F, a holding. Como sabe o ministro, Ricardo Saud, um dos chefões da turma e que também foi beneficiado pelo acordo da impunidade, saiu levando Fachin pelo braço, quando ainda apenas indicado para o Supremo, em visitas a gabinetes de senadores. O agora ministro sabe que isso é verdade e sabe quais gabinetes visitou.

Fachin era, inequivocamente, vejam as maravilhas de que o PT é capaz, o candidato do MST e da JBS.

Quando Rodrigo Janot resolveu derrubar Michel Temer e Aécio com uma cajadada só — e isso se deu com as gravações feitas por Joesley das respectivas conversas com ambos —, procurou justamente Edson Fachin. Por quê? Ninguém sabe. Ele é relator do “petrolão”. Nada tem a ver com as lambanças dos Batistas. O acusador escolhia o juiz, o que frauda a Constituição. Cármen Lúcia ficou sabendo de tudo e permitiu. A desculpa é que o troço deveria ficar com Fachin porque, afinal, envolvia lateralmente Eduardo Cunha, condenado no petrolão. Uma piada.

Fachin autorizou as operações ditas “controladas”. Convenham: trata-se de casos clássicos de flagrantes armados.

Gravações involuntárias
As gravações involuntárias feitas por Joesley evidenciam que o Ministério Público Federal participou ativamente da armação, coisa que a lei proíbe. Mais: o então procurador Marcelo Miller, homem de Janot na Procuradoria Geral da República, atuou na armação e, ao mesmo tempo, defendia os interesses da JBS: trabalhava para o escritório que iria fazer o acordo de leniência da J&F.

As gravações desmoralizaram a tramoia, e a própria PGR pediu a anulação da delação dos Irmãos Batista e companhia. Fachin, até agora, se faz de surdo.

Os bastidores estão bastante carregados. Se José Dirceu pegou 30 anos de cadeia em razão da imputação de dois crimes, de quanto deve ser a sentença de Joesley, que confessou 245? Segundo ele, corrompeu quase 300 políticos. Sem o benefício da delação, terá de arcar com o peso de tudo. Pelo tempo máximo, suas penas poderiam somar quase 3 mil anos. Pelo mínimo, algo em torno de mil.

Boca no trombone
Joesley já andou demonstrando a disposição de pôr a boca no trombone. Se for para o matadouro (sem trocadilho), ameaça contar os bastidores que resultaram na sua delação, onde brilham as figuras de Rodrigo Janot e… Edson Fachin. E pode sobrar até para Cármen Lúcia, que coonestou a escolha irregular de um relator, e Roberto Barroso, o quase-irmão de Fernanda Tórtima, parceira de Marcelo Miller no conjunto da obra e que acompanhou cada passo da operação.

Fachin está com medo de fazer o que tem de ser feito. Como diria o Conselheiro Acácio, sabe que “as consequências vêm depois”.
As informações que vazaram sobre o senador Aécio Neves, com todas as tintas de surrealismo, vêm nesse contexto. Tornadas públicas na sequência da decisão da Primeira Turma, que fez o senador réu, o que se tenta é demonstrar que as delações de Joesley e seu grupo têm substância. Nem que seja a substância do nada.

Nota este é o primeiro artigo de uma sequencia de quatro seguem os links para os outros 3

 



Defesa.Net


O nó do funcionalismo

Editorial

Fonte inesgotável de ineficiência, corrupção e desperdício de dinheiro público, as empresas estatais ademais pagam salários muito superiores à média do mercado, mesmo entregando um serviço de má qualidade. Reportagem do Estado mostrou que as distribuidoras do sistema Eletrobrás, que contabilizaram prejuízo de R$ 4,2 bilhões em 2017, oferecem salários médios de R$ 11,7 mil, cerca de três vezes a média paga em empresas privadas.

São casos como esse que ilustram a urgência de uma reavaliação completa do papel do Estado, o que inclui discutir o tamanho e a remuneração do corpo de funcionários públicos e questionar a necessidade de constituir empresas estatais para atuar em setores nos quais a iniciativa privada é mais eficiente e produtiva. Fugir desse debate, por receio de enfrentar as poderosas corporações do serviço público, é contribuir para inviabilizar o funcionamento da máquina estatal, há muito tempo sufocada por seu desnecessário gigantismo e incapaz de se fazer presente onde é realmente necessária.

A captura do Estado por interesses alheios aos do cidadão que paga impostos resulta em situações como a da Amazonas Energia. Distribuidora da Eletrobrás que dá mais prejuízo, aquela empresa paga salário médio de R$ 15,5 mil, o maior do País no setor. Já a distribuidora de Roraima, embora seja a mais ineficiente de todas, oferece salário médio de R$ 15 mil.

Não é coincidência que as empresas mais problemáticas sejam as que pagam salários muito acima do verificado no mercado, totalmente fora da realidade – a remuneração média da Nanoenergia, concorrente da Amazonas Energia, por exemplo, é de R$ 4,3 mil. Basta uma rápida mirada nessa situação para perceber que a função primordial dessas estatais não é distribuir energia da forma mais barata e eficiente possível, e sim empregar e bem remunerar funcionários públicos.

Fica fácil entender, diante disso, a dificuldade que o governo está enfrentando para privatizar a Eletrobrás e suas distribuidoras. Os opositores da privatização invocam argumentos nacionalistas e dizem defender os direitos dos trabalhadores da estatal. Na realidade, trata-se da conhecida mobilização política e sindical para a manutenção de feudos privilegiados, controlados tanto pelo funcionalismo como por parlamentares que dali auferem lucros eleitoreiros, enquanto os cidadãos comuns são obrigados a financiar tais benesses em troca de serviços ruins e a enfrentar a crônica falta de recursos para as reais necessidades do País.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, já comunicou ao Congresso que a situação das distribuidoras é simplesmente insustentável. Essas empresas devoraram R$ 3,75 bilhões em dinheiro dos consumidores nos últimos dois anos, e a cada mês mais R$ 202 milhões são necessários. A privatização, portanto, é imperiosa e deverá acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Em vista disso, a guilda dos funcionários públicos se mobiliza para arrancar mais algum benefício antes da privatização. São concessões que nenhuma empresa privada faria: os servidores querem estabilidade de cinco anos para 70% dos funcionários das distribuidoras, além da realocação dos servidores em outras estatais.

Esse caso serve como exemplo do divórcio litigioso entre o funcionalismo público e a realidade. E a realidade é que o Estado é incapaz de sustentar sua monumental estrutura, sendo seguidamente necessário recorrer a gambiarras para fechar as contas.

Quando o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, informa que o governo pedirá ao Congresso para adiar, de 2019 para 2020, os reajustes salariais dos servidores federais, porque, do contrário, haverá paralisação da máquina pública, fica claro que se trata apenas de mais um paliativo desesperado. A essência do problema – a existência de uma categoria de brasileiros imunes às vicissitudes do mercado de trabalho e quase sempre dispensados de demonstrar eficiência e capacidade produtiva, embora muito bem remunerados – permanece intocada.

O Estado de São Paulo


terça-feira, 24 de abril de 2018

Adeus aos Castro

YOANI SÁNCHEZ

O sonho da normalização em Cuba durou pouco. Ante o dilema de conservar todo o poder ou ceder uma parte, para evitar uma fratura dramática, Raúl não se diferenciou muito do irmão e escolheu o controle absoluto

Um impulsivo e outro pragmático, um carismático e outro destituído de qualquer magnetismo, os irmãos Fidel e Raúl Castro deixaram seu sobrenome marcado a sangue e fogo na história cubana dos últimos sessenta anos. Esta semana a nova geração bate à porta do poderoso clã familiar que planeja sair do foco central, mas não se distanciar demais do poder.

Houve um tempo em que as crianças cubanas calculávamos a idade que teríamos quando chegasse o novo século. Imaginávamos nos tornar adultos em um milênio tingido com o vermelho da bandeira comunista, onde não haveria nem o dinheiro nem a miséria. No entanto, o muro de Berlim caiu, a esperança se partiu em mil pedaços e nossa aritmética pessoal passou a contar os anos que iríamos ter quando o castrismo caísse.

Esse dia chegou, mas não como pensávamos. Em lugar de uma épica derrubada com as pessoas nas ruas desfraldando bandeiras, o regime cubano vai se desbotando como uma velha fotografia: sem graça nem romance. Esse processo começou há doze anos quando Fidel Castro ficou doente e transmitiu o comando do país, por via sanguínea, ao irmão mais novo.

Coube a Raúl Castro lidar com a complexa herança recebida. Uma nação em números vermelhos, com uma crescente apatia dos cidadãos, um êxodo que desmentia o suposto paraíso socialista que a propaganda oficial narrava, um emaranhado de proibições que tornavam a vida cotidiana asfixiante e uma institucionalidade deficiente que definhava sob os caprichos do Comandante-Chefe.

“Sem pressa, mas sem pausa” foi o lema escolhido pelo raulismo para tentar consertar alguns daqueles agravos. O General chegou a ganhar o irônico qualificativo de “revolucionário gradual” porque diante da maioria dos problemas prementes se mostrou mais no estilo de um cauteloso e rançoso conservador que com o ímpeto de um antigo guerrilheiro.
A primeira coisa que fez foi desmantelar o fidelismo, esse sistema personalista que seu irmão edificou à sua imagem e semelhança: caprichoso, violento, tenaz e vociferante. Sem deixar de apertar a mão repressiva, o segundo irmão pôs fim a várias “proibições absurdas”, como as chamou então, que tornavam mais visíveis e rígidas as grades da jaula nacional.

Orientado na direção correta, mas com uma velocidade de quelônio e uma profundidade epidérmica, Castro II autorizou a compra e venda de moradias, paralisada por décadas, permitiu que os cidadãos pudessem contratar uma linha de telefone celular, até então um privilégio só desfrutado por estrangeiros, e iniciou uma reforma migratória na ilha-prisão.

Por suas mãos foi impulsionado o setor privado, sob o eufemismo de trabalho por conta própria. O país se abriu ao investimento estrangeiro e milhares de hectares de terras que havia anos estavam improdutivas foram entregues para usufruto. Até foram reduzidos os atos ideológicos públicos, sepultadas as campanhas políticas de massa nas quais seu irmão era viciado e estimulado um processo de controladoria para procurar conter o desperdício, a corrupção e a ineficiência nas empresas estatais.

Nesses anos, entre julho de 2006 e janeiro de 2013, Raúl Castro gastou todo seu capital político, esgotou um programa de Governo que tinha limites muito claros: manter o sistema socialista, evitar a todo custo que as desigualdades sociais aumentassem e impedir qualquer tentativa de pluralidade política.

Quando o raulismo começava a definhar, chegou em 17 de dezembro de 2014 a notícia do degelo diplomático entre a Casa Branca e a Praça da Revolução. Por quase três anos o mundo acreditou que o “problema Cuba” estava resolvido quando viu a Chanel desfilar no Passeio do Prado, Madona dançar em um restaurante de Havana e a família Kardashian passear em um velho automóvel pela ilha.

Mas o sonho da normalização durou pouco. Raúl Castro teve medo de perder o controle e não correspondeu às medidas tomadas por Barack Obama com a necessária contrapartida da ilha. Depois da visita oficial do presidente norte-americano a mídia oficialista deu nova força às críticas contra Washington, e a lua de mel terminou. Um divórcio sentenciado com a chegada de Donald Trump à presidência.

Temeroso do animal de mil cabeças que havia soltado com suas reformas — o capitalismo —, Castro retraiu ou paralisou várias das flexibilizações que lhe haviam valido o qualificativo de “reformista”. Desde agosto a maioria das licenças para o setor privado está paralisada, as proibições de viagem decretadas contra os oposicionistas aumentaram nos últimos meses e o discurso oficial voltou suas críticas contra os empreendedores locais.

O octogenário governante não pôde resolver dois dos maiores problemas: unificar as duas moedas que circulam na ilha e aumentar os salários ínfimos que a maioria da população recebe. Tampouco conseguiu frear o êxodo de cubanos e aplicar políticas que elevassem de modo efetivo a natalidade, um problema sério para uma nação que as previsões indicam será o nono país mais envelhecido do mundo em 2050. Tampouco conseguiu sanear o setor estatal corroído pela corrupção e a falta de eficiência.

No entanto, o maior fracasso do General nos dez anos de seus dois mandatos foi sua incapacidade de estimular as necessárias reformas políticas para que a nova geração receba uma casa mais organizada. Diante do dilema de conservar todo o poder ou ceder uma parte, para evitar uma fratura dramática no futuro, o mais novo dos Castro não se diferenciou muito do irmão e escolheu o controle absoluto.
Sabe que, embora tenha planejado metodicamente a sucessão e escolhido um herdeiro dócil e manobrável como o primeiro-vice-presidente Miguel Díaz-Canel, no sistema personalista que herdou de seu irmão a divisão de responsabilidades não cai nada bem.

Enquanto mantém o controle sobre o Partido Comunista, que a Constituição consagra como a força dirigente do país, Castro poderá vigiar esse tecnocrata crescido à sua sombra e consciente de que qualquer tentativa de autonomia poderia significar sua queda. Mas o velho guerrilheiro sabe também que o final de sua vida está próximo e que os pupilos se tornam imprevisíveis quando o mentor já não respira.

O sucessor herda um país em crise e uma sociedade desanimada, um contexto internacional desfavorável, cujos sinais mais claros são a mudança de rumo ideológico na América Latina e a rejeição quase unânime a seu aliado venezuelano, Nicolás Maduro. Cabe a ele acabar com a dualidade monetária, aprofundar as reformas econômicas para convencer os investidores e ampliar o setor privado.

Ao contrário de seus antecessores, não participou dos feitos bélicos de Sierra Maestra nem do ataque ao quartel de Moncada. Terá que construir sua legitimidade sobre os resultados de sua gestão e a realização de uma reforma política real e ampla. O mito terminou e a geração histórica, que se impôs com o terror e o carisma, tem os dias contados.
A era Castro acaba e aquelas crianças de outrora estamos na maturidade de nossas vidas. Muitos ficaram pelo caminho sem conhecer outro sistema. Nestes dias voltamos a retomar as aritméticas pessoais: que idade teremos quando Cuba for realmente livre?

EL PAÍS