quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O verdadeiro culpado

Rosângela Bittar

A reforma da Previdência ficou para as calendas

Só há uma categoria intocável na política nacional, hoje, ou pelo menos que pensa e age como tal: a dos procuradores. Muito mais até que a de juízes togados em tribunais superiores, esses verdadeiros judas muitas vezes injustiçados, que a turba malha sem dó nem piedade por qualquer razão.

Um reparo a um equívoco, a um desvio, a uma exorbitância, a uma atitude soberba de um procurador, transforma-se imediatamente em bumerangue e seu autor fica condenado ao paredão.

Esse entendimento, consolidado ao longo de 2016 e 2017, no Brasil, deu realismo à responsabilização do grupo, por muitos atribuída, pelo enterro da reforma da Previdência. Sim, enterro, arquivamento, desistência, pois dizer que ficou para o ano que vem é uma licença poética. A reforma da Previdência ficou para as calendas gregas.

O que se dizia, com evidente exagero à época - uma vez que houve mesmo a produção de provas de corrupção com a operação monitorada da polícia e armação de gravação direcionada do presidente da República - é que o ataque desferido pelo Ministério Público contra Michel Temer tinha um objetivo adicional, além de impedir a troca de comando da Procuradoria Geral da República. Exatamente o de sustar a tramitação e aprovação da reforma da Previdência que, no momento do tiro fatal, entrava com força e grandes possibilidades na agenda. Estariam os procuradores, dizia-se à época, a serviço da causa do funcionalismo em geral.

Alguns analistas consideravam fora de propósito essa visão mas, há quase dois anos, os fatos vêm comprovando a possibilidade de não ter sido absurda a interpretação de que as agruras da reforma da Previdência foram engendradas pelo paredão erguido nas hostes do funcionalismo.

Nunca houve dúvidas sobre a força dos servidores públicos em geral, dos funcionários do Judiciário em particular, além de ministros e procuradores, bem como de policiais federais e auditores, para barrar tentativas de enquadramento dessas categorias em regras de isonomia, em mudança de aposentadoria, de remuneração, de reajustes, de benefícios. Quando se fala em pressão de corporações, são essas que emergem nos primeiros lugares entre as mais fortes.

É mais do que possível atribuir a desistência da reforma da Previdência à força desses privilegiados funcionários. Desde a primeira manifestação sobre o adiamento da reforma para 2018 já se sabia que era um calendário fantasia. Se a reforma não foi votada a um ano das urnas, por que seria a sete meses das urnas? Portanto, a justificativa eleitoral nunca se apresentou como consistente. Se não foi votada em novembro ou dezembro, tendo um fim de ano de descompressão pela frente, por que o seria em fevereiro, quando pela frente se vê uma reforma ministerial pela desincompatibilização e um período de janela aberta à troca partidária? Duas iniciativas que mais mobilizam deputados e senadores em ano eleitoral.

A desculpa de que não se vota mudança de aposentadoria porque eleitor não gosta e o ano é dele é muito boa, mas a razão real é dramática e condenatória, pois é uma razão permanente. O ano eleitoral passa, mas os servidores estarão sempre alertas em qualquer período para impedir que se faça essa equiparação e se corrijam as injustiças.

Duas cenas deste final de ano, após o governo Temer desistir da reforma, ilustram bem a impossibilidade.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá, antecipou o anúncio do engavetamento das mudanças nas aposentadorias sem combinar com ninguém, causando um rodamoinho no Palácio do Planalto e em toda a base de sustentação do governo, já atônitos com a suspensão, pela Justiça, sempre ela, da propaganda que destacava a injustiça dos privilégios. Jucá agiu depois de uma vitória pessoal na aprovação de um trem que deu alegria a milhares de funcionários públicos dos antigos Territórios que foram incorporados à folha da União. O senador, líder dos últimos três governos e diferentes partidos, tem seu colégio eleitoral em um ex-Território.

O segundo acontecimento é ainda mais estapafúrdio, porque partiu do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, considerado um dos maiores representantes do reformismo desejado pelos que buscam o equilíbrio das contas públicas, o mercado financeiro. Na última reunião convocada por ele para discutir o adiamento, tratou-se mesmo de novas concessões que, em tese, facilitariam a votação da reforma da Previdência em fevereiro, ou seja, uma fantasia dentro da outra. E quem estava lá, numa seleta mesa de decisões? A figura marcante de José Robalinho, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. Sem contar que um imenso contingente do funcionalismo integra o eleitorado do Rio, onde busca votos o presidente da Câmara.

As corporações nunca esconderam suas posições radicalmente contrárias à reforma da Previdência, mas escondiam-se, sim, por trás dos deputados de oposição, dos governistas que diziam temer enfrentar os eleitores, dos que gritam contra qualquer tipo de regulação das funções por eles desempenhadas. Porém, com essa participação ilustre em discussão sobre novas concessões, o faz de conta 2017 transformou-se logo em faz de conta 2018.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, ainda não deram conta de domar essas divisões bélicas. Ao contrário, vazar o teto salarial, manter privilégios e benefícios correm soltos com sua anuência.

Candidato oculto
Circulou em Brasília, esta semana, cópia de uma notícia de dois meses atrás, em publicação de Dourados, no Mato Grosso do Sul, em que o general Sergio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, é lançado candidato a presidente, na sucessão de Michel Temer.

O curioso é a identidade de quem o indicou à tarefa: o deputado federal Carlos Marun (PMDB), atual chefe da Secretaria de Governo e Articulação Política da mesma Presidência. Agora trabalham lado a lado e a defesa da candidatura, lá atrás, foi apresentada como uma espécie de antídoto contra Jair Bolsonaro, uma opção para os eleitores que querem um militar na chefia do governo. Etchegoyen é considerado um militar totalmente do bem.

Valor Econômico


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