Rosângela Bittar
A reforma da Previdência ficou para
as calendas
Só há
uma categoria intocável na política nacional, hoje, ou pelo menos que pensa e
age como tal: a dos procuradores. Muito mais até que a de juízes togados em
tribunais superiores, esses verdadeiros judas muitas vezes injustiçados, que a
turba malha sem dó nem piedade por qualquer razão.
Um
reparo a um equívoco, a um desvio, a uma exorbitância, a uma atitude soberba de
um procurador, transforma-se imediatamente em bumerangue e seu autor fica
condenado ao paredão.
Esse
entendimento, consolidado ao longo de 2016 e 2017, no Brasil, deu realismo à
responsabilização do grupo, por muitos atribuída, pelo enterro da reforma da
Previdência. Sim, enterro, arquivamento, desistência, pois dizer que ficou para
o ano que vem é uma licença poética. A reforma da Previdência ficou para as
calendas gregas.
O que se
dizia, com evidente exagero à época - uma vez que houve mesmo a produção de
provas de corrupção com a operação monitorada da polícia e armação de gravação
direcionada do presidente da República - é que o ataque desferido pelo
Ministério Público contra Michel Temer tinha um objetivo adicional, além de
impedir a troca de comando da Procuradoria Geral da República. Exatamente o de sustar a tramitação e
aprovação da reforma da Previdência que, no momento do tiro fatal, entrava com
força e grandes possibilidades na agenda. Estariam os procuradores, dizia-se à
época, a serviço da causa do funcionalismo em geral.
Alguns
analistas consideravam fora de propósito essa visão mas, há quase dois anos, os
fatos vêm comprovando a possibilidade de não ter sido absurda a interpretação
de que as agruras da reforma da Previdência foram engendradas pelo paredão
erguido nas hostes do funcionalismo.
Nunca
houve dúvidas sobre a força dos servidores públicos em geral, dos funcionários
do Judiciário em particular, além de ministros e procuradores, bem como de
policiais federais e auditores, para barrar tentativas de enquadramento dessas
categorias em regras de isonomia, em mudança de aposentadoria, de remuneração,
de reajustes, de benefícios. Quando se fala em pressão de corporações, são
essas que emergem nos primeiros lugares entre as mais fortes.
É mais
do que possível atribuir a desistência da reforma da Previdência à força desses
privilegiados funcionários. Desde a primeira manifestação sobre o adiamento da
reforma para 2018 já se sabia que era um calendário fantasia. Se a reforma não
foi votada a um ano das urnas, por que seria a sete meses das urnas? Portanto,
a justificativa eleitoral nunca se apresentou como consistente. Se não foi
votada em novembro ou dezembro, tendo um fim de ano de descompressão pela
frente, por que o seria em fevereiro, quando pela frente se vê uma reforma
ministerial pela desincompatibilização e um período de janela aberta à troca
partidária? Duas iniciativas que mais mobilizam deputados e senadores em ano
eleitoral.
A
desculpa de que não se vota mudança de aposentadoria porque eleitor não gosta e
o ano é dele é muito boa, mas a razão real é dramática e condenatória, pois é
uma razão permanente. O ano eleitoral passa, mas os servidores estarão sempre
alertas em qualquer período para impedir que se faça essa equiparação e se
corrijam as injustiças.
Duas
cenas deste final de ano, após o governo Temer desistir da reforma, ilustram
bem a impossibilidade.
O líder
do governo no Senado, Romero Jucá, antecipou o anúncio do engavetamento das
mudanças nas aposentadorias sem combinar com ninguém, causando um rodamoinho no
Palácio do Planalto e em toda a base de sustentação do governo, já atônitos com
a suspensão, pela Justiça, sempre ela, da propaganda que destacava a injustiça
dos privilégios. Jucá agiu depois de uma vitória pessoal na aprovação de um
trem que deu alegria a milhares de funcionários públicos dos antigos
Territórios que foram incorporados à folha da União. O senador, líder dos
últimos três governos e diferentes partidos, tem seu colégio eleitoral em um
ex-Território.
O
segundo acontecimento é ainda mais estapafúrdio, porque partiu do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, considerado um dos maiores representantes do reformismo
desejado pelos que buscam o equilíbrio das contas públicas, o mercado
financeiro. Na última reunião convocada por ele para discutir o adiamento,
tratou-se mesmo de novas concessões que, em tese, facilitariam a votação da
reforma da Previdência em fevereiro, ou seja, uma fantasia dentro da outra. E
quem estava lá, numa seleta mesa de decisões? A figura marcante de José
Robalinho, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Sem contar que um imenso contingente do funcionalismo integra o eleitorado do
Rio, onde busca votos o presidente da Câmara.
As
corporações nunca esconderam suas posições radicalmente contrárias à reforma da
Previdência, mas escondiam-se, sim, por trás dos deputados de oposição, dos
governistas que diziam temer enfrentar os eleitores, dos que gritam contra
qualquer tipo de regulação das funções por eles desempenhadas. Porém, com essa
participação ilustre em discussão sobre novas concessões, o faz de conta 2017
transformou-se logo em faz de conta 2018.
A
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a presidente do Supremo
Tribunal Federal, Cármen Lúcia, ainda não deram conta de domar essas divisões
bélicas. Ao contrário, vazar o teto salarial, manter privilégios e benefícios
correm soltos com sua anuência.
Candidato oculto
Circulou
em Brasília, esta semana, cópia de uma notícia de dois meses atrás, em
publicação de Dourados, no Mato Grosso do Sul, em que o general Sergio
Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República, é lançado candidato a presidente, na sucessão de Michel Temer.
O
curioso é a identidade de quem o indicou à tarefa: o deputado federal Carlos
Marun (PMDB), atual chefe da Secretaria de Governo e Articulação Política da
mesma Presidência. Agora trabalham lado a lado e a defesa da candidatura, lá
atrás, foi apresentada como uma espécie de antídoto contra Jair Bolsonaro, uma
opção para os eleitores que querem um militar na chefia do governo. Etchegoyen
é considerado um militar totalmente do bem.
Valor
Econômico
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