Editorial
Desponta
claramente no campo da esquerda radical um agitador firmemente disposto a
liderar uma revolução para a conquista do “poder popular”, cujo principal
desafio “é pensar um programa que não seja o de conciliação, mas de
enfrentamento e que bote o dedo na ferida de problemas estruturais”. O
candidato a líder popular-revolucionário, defasado um século no tempo, é
Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST),
um “movimento territorial dos trabalhadores” que luta contra o capitalismo: “No
capitalismo é assim: muitos trabalham e poucos têm dinheiro. Por isso lutamos
contra ele”. É o que diz aCartilha de Princípios do MTST.
Em
entrevista ao jornal Valor, Boulos não consegue disfarçar que considera Luiz
Inácio Lula da Silva um líder decadente e superado, a quem concede,
generosamente, o direito de ser candidato na eleição presidencial do ano que
vem “como uma questão democrática”, não de “convergência programática, mas de
não deixar que o Judiciário defina o processo eleitoral no tapetão”.
É tão
forte a fé de Boulos na decadência de Lula que não acredita que o chefão do PT
consiga levar o protesto popular às ruas no caso de ser impedido pela Justiça
de candidatar-se à Presidência da República, o que depende de decisão do
Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) sobre sentença do juiz Sério
Moro, que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex do
Guarujá.
A razão
disso é que “parte da esquerda deixou de fazer o trabalho de base”, o que “gera
apatia, perplexidade” e “a longo prazo cria uma fissura profunda entre Brasília
e o Brasil, que se traduz no sentimento de insatisfação com a política e que
pode se expressar em algum momento com explosões sociais”. E insiste: “Defendo
que a esquerda se apresente em 2018 com projeto de enfrentamento, sem alianças
com golpistas”.
Boulos
não deixa clara a extensão do “enfrentamento” que considera fundamental em sua
proposta de “botar o dedo na ferida”, mas a leitura da Cartilha de
Princípios do MTST dissipa qualquer dúvida: “A sociedade em que vivemos é
capitalista. O que isso quer dizer? Quer dizer que as leis, o governo, a
justiça foram organizados para beneficiar um pequeno grupo de gente muito rica,
que é a classe capitalista”.
Diz mais
a Cartilha: “Somos a maioria, mas o poder não está com a gente e sim com os
capitalistas. Construir o poder popular, que é o nosso poder, é a forma de
transformar isso. Como? Com muita organização e luta. Precisamos nos organizar
nos bairros, nas ocupações, no trabalho, em todos os lugares. Levando adiante a
ideia de que só precisamos da nossa força para mudar a realidade”.
Para
ele, a produção de riquezas é responsabilidade do Estado, que se encarregará de
distribuir essa riqueza entre todos, acabando com a pobreza. Não chega a ser uma
ideia original, como ficou comprovado pelas experiências comunistas frustradas
ao longo do século 20 e pelos ensaios populistas fracassados, inclusive no
Brasil.
O
discurso esquerdista de Guilherme Boulos, adornado por inflexões populistas que
a massa popular ouve sempre acriticamente, explora a falta de informação
generalizada impondo de cima para baixo “princípios” que justificam a submissão
do povo ao superior discernimento do comissariado encarregado de decidir o que
é bom para todos. É exatamente a partir dessa lógica que o dono do MTST afirma
na entrevista que o discurso do governo sobre a necessidade da reforma da
Previdência está “mal colocado” porque se baseia na impossibilidade de o
sistema se sustentar no longo prazo e no argumento de que a reforma combate
privilégios.
Para
Boulos, a solução para todos os problemas brasileiros é “alterar a relação de
forças sociais” para que se possa acabar com este Estado “que funciona como um
mecanismo de manutenção das desigualdades”. Como de hábito, a esquerda
popular-revolucionária é pródiga em anunciar soluções para problemas sociais.
Como implementá-las com sucesso já provou que não sabe.
O Estado de S. Paulo
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