domingo, 30 de abril de 2017

A Venezuela e as esquerdas brasileiras

Bolívar Lanounier

Tivemos de aguardar 13 anos para nos livrarmos do vergonhoso apoio oficial ao chavismo

Passo a passo, o legado chavista vai destruindo a Venezuela. Em vez de agir no sentido da reconciliação da sociedade, Nicolás Maduro, o sucessor de Hugo Chávez, parece querer dividi-la ainda mais.

A realidade cotidiana do país é o desabastecimento generalizado e a miséria. Dias atrás os jornais estamparam uma foto de venezuelanos disputando restos de comida com urubus num aterro sanitário de Boa Vista (Roraima). A alucinação de Maduro é de tal ordem que a hipótese de uma guerra civil não pode ser descartada. Informações divulgadas na semana passada dão conta de que ele estaria disposto a recrutar e armar 1 milhão de milicianos para “defender a soberania nacional”.

Chefetes fascistas como o atual presidente venezuelano são, em geral, adeptos do blefe como tática política; admitindo, porém, que ele mobilize 300 mil ou 400 mil, as consequências funestas de sua opção logo se evidenciariam. Cumprir tal ameaça seria um passo irreversível no sentido de uma ditadura totalitária, com a supressão do que lá ainda resta de liberdade, instituições e direitos humanos.

Num abrir e fechar de olhos, o chavo-madurismo se firmaria entre os piores exemplos de tirania na América Latina; e nem estável seria, pois dificilmente conseguiria desarmar a horda pretoriana que terá criado.

Por mais trágica que seja, poucas vezes a História latino-americana se configurou tão claramente como uma luta entre o mal e o bem, ou entre o mal como realidade e o bem como uma tênue esperança de reconstrução. Nós, brasileiros, tivemos de aguardar 13 anos e meio para nos livrarmos do vergonhoso apoio oficial ao chavismo. A famigerada política externa de Lula e Dilma Rousseff primou pela mais absoluta obtusidade, fruto de sua ideologia terceiro-mundista, de sua ignorância e – por que não dizê-lo? – de sua manifesta covardia.

Um exemplo egrégio do que acabo de dizer foi o que Lula e sua comitiva nos deram em Cuba no dia 24 de fevereiro de 2010. A cena está no YouTube, caso alguém a queira apreciar visualmente. Ao desembarcar em Havana, nosso então presidente tomou conhecimento da morte de um pobre-diabo chamado Orlando Zapata Tamayo, um encanador, preso como dissidente de consciência. Zapata morreu em sua cela após 85 dias em greve de fome. Claro, Lula, a primeira coisa que fez ao encontrar os irmãos Castro, foi pedir esclarecimentos e manifestar seu desejo de se avistar com dois ou três presos, certo?

Errado. O que o vídeo no YouTube nos mostra é um Lula subserviente, gaguejando palavras sem nexo e, naturalmente, culpando o miserável Tamayo pelo acontecido. Isso, é bom lembrar, num período em que o governo brasileiro prodigalizava apoio financeiro à ditadura cubana para a construção do porto de Mariel.

Ora, Lula é o líder inconteste da esquerda brasileira. A maioria dos políticos, clérigos e intelectuais que se autointitulam “de esquerda” se dedica diuturnamente a cultuar sua personalidade. Voltemos, pois, à Venezuela.

Ao evocar o que há anos se vem passando naquele país, é inevitável que nos vejamos como testemunhas da atitude das esquerdas brasileiras. Estas, com as exceções de praxe, notabilizam-se, como diria Nelson Rodrigues, por um silêncio “de estourar os tímpanos”. Não defendem os direitos humanos como conceito universal, e sim os direitos humanos de uma determinada faixa ideológica.

Quem quiser compreender tal atitude deve começar pelo antiamericanismo. Para o esquerdista brasileiro (ou para o latino-americano, em geral), ser indiscriminadamente contra os Estados Unidos é a credencial sine qua non de quem luta pelo progresso social e pelo bem da humanidade.

O corolário desse posicionamento é que qualquer regime antiamericano é bom. Cuba é excelente; a teocracia iraniana é excelente; o chavo-madurismo pode não ser excelente, mas não é o caso de criticá-lo. É, no mínimo, um aliado em “nossa” luta contra o imperialismo.

Mas o antiamericanismo é somente a ponta emersa de um vasto iceberg. A parte submersa, em geral estruturada em torno da vulgata marxista, é a missão que as esquerdas se arrogam de conduzir a humanidade a algum paraíso terreno. Toda esquerda julga conhecer de antemão o caminho que leva a tal paraíso. Acredita deter de forma exclusiva o conhecimento e o know-how político necessários para a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais, para a construção de um mundo transparente, sem trapaças nem corrupção, e para a implantação definitiva da fraternidade e da paz. A realização desse supremo bem terreno é um dever do qual não se pode abrir mão. No limite, quem se vê dessa maneira não pode coerentemente aceitar o conceito da alternância no poder, pilar inarredável da democracia.

Sim, o meu argumento requer pelo menos duas ressalvas. Primeiro, só uma pequena parcela da esquerda se mantém fiel ao marxismo intelectualizado dos velhos partidos comunistas. O PT, por exemplo, é apoiado por milhares de estudantes, intelectuais e padres que nada leram de Marx. O que os caracteriza é um vago sentimento de justiça. Um anseio francamente utópico de solidariedade social. Uma rejeição da modernidade, a ser substituída por uma espécie de cristianismo das catacumbas. Isso é verdade, mas não altera o meu argumento.

O segundo ponto – e o PT serve outra vez como exemplo – é que a juventude idealista não tem grande influência na ação política. Os atores reais são homens práticos, profissionais e sindicalistas que não servem a ideias, apenas se servem delas. Outra verdade, muito bem ilustrada, aliás, pelo passado brasileiro recente.

O Estado de S.Paulo

A ressurreição nos céus e as outras denominadas de aparições

José Reis Chaves

Ressurreição ou ressurgimento é o ato de surgir de novo. E o que surge de novo ou ressurge é o espírito que já surgiu antes.

Para os judeus da época de Jesus, a ressurreição era a reencarnação, inclusive para o rei Herodes. E Jesus considerava-a uma verdade, pois teve várias oportunidades para condená-la, mas jamais o fez. Será que Jesus cometeu o pecado de omissão por não a ter condenado? Não. Ele não a condenou, justamente, porque ela é mesmo uma verdade! E eis uma das provas bíblicas de que, realmente, tanto o povo judeu como Herodes consideravam a ressurreição como sendo a reencarnação (são Mateus 6: 14 a 16): “... porque o nome de Jesus já se tornara notório, e alguns diziam: João Batista (que já havia morrido) ressuscitou dentre os mortos e, por isso, nele (Jesus) operam forças miraculosas. Outros diziam: É Elias; ainda outros: É profeta como um dos profetas (do passado). Herodes, porém, ouvindo isto disse: É João Batista, a quem eu mandei decapitar, que ressurgiu (ressuscitou)”.

Há três tipos de ressurreição. Um acontece na hora da morte do corpo, quando o espírito ressuscita no mundo espiritual donde ele veio para dar vida a um novo corpo humano. Um exemplo bíblico dessa ressurreição do espírito é a do próprio Jesus que disse na hora de sua morte: “Pai, em vossas mãos entrego meu Espírito” (Lucas 23: 46). Outro tipo de ressurreição é conhecido também por aparição ou aparições do espírito através do seu períspirito, nome criado por Kardec. E há o terceiro tipo de ressurreição do espírito na carne, muito comum, pois é a reencarnação, crença encontrada, também, entre os judeus da época de Jesus, a que já nos referimos.

Quando o espírito desencarna, ele mantém consigo o períspirito como sendo o seu corpo, e através do qual ele ressuscita ou aparece aqui no mundo físico para nós e, às vezes, até materializado.

E, praticamente, o perispírito é conhecido em todas as civilizações com seus vários nomes: corpo bioplásmico (Rússia); corpo glorioso, corporeidade, corporalidade e corpo pancósmico (Igreja); aura (Orígenes); corpo espiritual (são Paulo); corpo vital da alma (Tertuliano); corpo fluídico (Leibnitz); Rouach (Kabala); corpo astral ou vestrum (Paracelso); luz ódica (Reichenbach); boadhas (Zen Avesta); carne sutil da alma (Pitágoras); corpo aéreo ou ígneo (Plotino); imago (latinos); eldôlon e corpo luminoso (gregos); fantasma póstumo (Dassier); pnenumá (santo Hilário, são Basílio de Cesaréia, santo Atanásio, são Cirilo de Alexandria, são Bernardo e santo Agostinho); nephesh (Israel); Khi (China); mediador plástico (Cudwerth); Ka (Egito); Linga Sharira, Kama-Rupa e Mano-Maya-Rosha (Índia) etc.

A Bíblia diz que foi só a partir do terceiro dia, depois de sua morte, que Jesus ressuscitou. É a ressurreição Dele no nosso mundo físico, chamado mundo dos vivos, a qual pode acontecer também com qualquer um de nós e comumente chamada de fantasma e assombração.

Em 1 Coríntios 15: 44, lemos que a ressurreição não é do corpo físico. Também em 1 Pedro 3: 18, este apóstolo diz sobre Jesus: “...morto, sim, na carne, mas vivificado (ressuscitado) no espírito”.

Pela Bíblia, a ressurreição de Jesus e a nossa não são da carne, mas realmente dos espíritos com seus respectivos perispíritos.

E terminamos repetindo que, na Bíblia, não há a ressurreição “da carne”, mas “na carne”, ou seja, o fenômeno da reencarnação!

PS: Recomendo “Repensar a Ressurreição”, Andrés Torres Queiruga, Ed. Paulinas. 

Jornal O Tempo

sábado, 29 de abril de 2017

Hoje, vende-se peixe fresco

Celso Ming

Se é para melhorar, por que tanta resistência às reformas?

Antes de mais nada, aumentou a percepção do cidadão comum de que a vida não só está pior do que estava há alguns anos, mas que segue piorando. O trabalhador já se sentia espoliado pelo avanço do Fisco sobre a renda, pela baixa qualidade dos serviços públicos e pela enormidade da roubalheira. Essa paisagem desolada já vinha sendo devastada por outros desastres: recessão, desemprego e endividamento, que reduziram substancialmente a qualidade de vida.

As corporações e os grupos de interesse que começaram a florescer no Brasil no governo de Getúlio Vargas começam a ter suas zonas de conforto questionadas pelas grandes transformações que vêm tomando o mundo.

É, por exemplo, a tecnologia de informação e a globalização que vêm alterando as relações de trabalho e relativizando o conceito de soberania nacional; é o aumento da expectativa de vida da população, que colocou em risco a aposentadoria; e é o ocaso do sonho socialista, que convulsionou as concepções ideológicas do mundo e da sociedade.

As corporações sentem que o chão vem se tornando movediço sob seus pés e, em pânico ou quase pânico, vêm reagindo visceralmente contra os processos de transformação. São elas que estão se aproveitando da sensação generalizada de perda produzida pela recessão para jogar a população contra quaisquer reformas, sejam elas quais forem. É a mesma atitude que os militares tiveram no início dos anos 60 quando se insurgiram contra as propostas de reforma de base das esquerdas.

O governo Temer vem perdendo para as corporações a batalha de comunicação. Não consegue convencer o cidadão comum de que, sob as regras atuais, a aposentadoria futura está ameaçada e, com ela, estão ameaçadas as políticas sociais. Não consegue convencê-lo de que, se esses vícios não forem rapidamente corrigidos, as gerações atuais deixarão um futuro desastroso para as que vêm em seguida.

Se forem aprovados, os atuais projetos de reforma vão na direção certa, mas se limitam a atacar a superfície dos problemas. Não há remédio senão ir mais fundo mais à frente. A reforma trabalhista, por exemplo, não resolve o problema de cerca de 40% dos trabalhadores que estão na informalidade ou em atividades não alcançadas pela proteção da lei. Outros 22 milhões são autônomos e vivem numa espécie de mangue econômico e social, que não é totalmente mar nem totalmente terra. São raros os que, entre essa gente, vêm cuidando do financiamento da aposentadoria futura.

Uma velha história conta que um peixeiro pendurou uma placa no seu estabelecimento que dizia: “Vende-se peixe fresco hoje”. Passou um cara e murmurou: “Para que esse hoje? Esse sujeito abre a loja em dia que não seja hoje?”. O peixeiro apagou a palavra hoje. Passou o segundo e disse: “Peixe fresco? Por acaso alguém venderia peixe podre?”. O peixeiro apagou a palavra fresco. Um terceiro olhou e disse: “Claro que é peixe, qualquer um sente o cheiro a duas quadras de distância”. O peixeiro apagou a palavra peixe. E o quarto viu aquilo: “Afinal, esse cara está vendendo o quê?”. E o peixeiro apagou o vende-se. O projeto de reforma da Previdência, sob fogo das corporações e concessões do governo Temer, está virando a loja do peixeiro.

O Estado de S. Paulo

Trump alerta sobre a possibilidade de um “grande conflito” com a Coreia do Norte

JAN MARTÍNEZ AHRENS

Presidente diz que a mediação da China corre o risco de fracassar e que espera que Kim Jong-un seja “racional”
Mísseis balísticos da Coréia do Norte
Continua a escalada. O presidente dos Estados UnidosDonald Trump, disparou os alertas globais ao sugerir que um confronto armado com a Coreia do Norteestá sobre a mesa. “Há uma possibilidade de que possamos acabar tendo um grande, grande conflito com a Coreia do Norte. Com certeza”, disse em uma entrevista à agência Reuters. Embora o presidente tenha apostado na via diplomática, a declaração, longe de acalmar as agitadas águas bilaterais, significa um novo passo em direção a um confronto sobre o qual ronda o espectro nuclear.

Esquenta a disputa com a Coreia do Norte. O claustrofóbico regime de Pyongyang tem uma disputa histórica com os Estados Unidos. Seu objetivo é ter um míssil intercontinental e durante 20 anos esteve refinando seu armamento rudimentar até desenvolver uma bomba atômica de 30 quilotons (o dobro da usada em Hiroshima) e potência balística suficiente para ameaçar a Coreia do Sul e o Japão.

Os Estados Unidos tentaram parar esta escalada. Após o fracasso das sanções, optou por aumentar a pressão militare até mostrou sua disposição de realizar um ataque preventivo. Nesta coreografia enviou o poderoso porta-aviões nuclear Carl Vinson e seu grupo de combate para as águas da península coreana. Ao mesmo tempo, desenvolveu seu escudo de mísseis na Coreia do Sul. “A melhor maneira de reduzir a tensão na península coreana é proporcionar um poder de combate crível 24 horas por dia, sete dias por semana”, disse o responsável militar no Pacífico, almirante Harry Harris.

Essa demonstração de poder serviu para fortalecer ainda mais a retórica de Pyongyang. Por trás da cortina comunista se esconde uma tirania hereditária e venenosa que fez da ameaça de guerra seu principal sinal de identidade. Uma máquina de poder pessoal nas mãos do líder supremo Kim Jong-un que desafia Washington, uma economia 1.600 vezes mais poderosa, com uma abordagem suicida: a disposição de receber um bombardeio do maior exército do planeta, em troca de atacar com uma arma nuclear, mesmo que seja apenas uma vez, seu inimigo ou alguns dos aliados dele. Esse cenário aterrorizante conseguiu manter o regime à tona e evitou que as pressões se transformem em ação militar até agora.

Neste horizonte, Trump apostou por uma política de mão dura e, após o sucesso dos bombardeios na Síria e no Afeganistão, já mostrou os dentes. A possibilidade de que essa disputa termine em um confronto armado é vista pelos especialistas como muito distante, mas a narrativa de Trump parece indicar o contrário. “Gostaríamos de resolver essas coisas diplomaticamente, mas é muito difícil”, disse na entrevista.

Consciente do poder de suas próprias palavras, o presidente quis enfatizar a importância das pressões políticas. Para isso insistiu no papel da China. O gigante asiático que, na cosmogonia de Trump cumpria até recentemente o papel de grande adversário dos Estados Unidos, passou a ser um aliado na questão norte-coreana. “Acho que eles estão tentando. O presidente Xi Jinping não quer ver turbulência ou mortes. É um bom homem, eu o conheço muito bem”, afirma Trump, que se reuniu no início deste mês com o presidente chinês em sua mansão na Flórida. “Ele ama a China e seu povo. Sei que gostaria de fazer algo, está tentando tudo que está em suas mãos, mas é possível que não consiga”, acrescenta. Nesse panorama, com um possível fracasso da mediação chinesa e a escalada nuclear em expansão, Trump aproveita para enviar uma mensagem direta a Kim Jong-un: “Tem 27 anos. O pai morreu e ele tomou o poder. E não é fácil nessa idade. Não dou nem tiro seu crédito. Apenas digo que é difícil. E não sei se é racional ou não. Só espero que seja.”

EL PAÍS

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O desmonte parcial do corporativismo

Maria Cristina Fernandes

Industriais escancaram hipocrisia da Fiesp

O anúncio foi publicado em fundo amarelo-pato. Por meio dele, a Fiesp anunciou ontem aos leitores dos principais jornais do país que decidira apoiar o fim do imposto sindical. Havia chegado a hora da meritocracia, dizia. Por isso, a entidade, em respeito à coerência, decidira aceitar a navalha na própria carne.

Em artigo, também publicado ontem, na "Folha de S.Paulo", três dirigentes industriais, Horácio Lafer Piva, Pedro Luiz Passos e Pedro Wongtschowski, expuseram a profundidade da navalhada. No texto, o ex-presidente da Fiesp, e o atual e o ex-presidente do Iedi afirmam que a proposta tirará dos sindicatos trabalhistas R$ 2,1 bilhões, referentes ao dia de salário que os trabalhadores pagam compulsoriamente.

O projeto, dizem, também vai abolir a versão patronal deste imposto que, no cálculo dos industriais, somou R$ 934 milhões, distribuídos, em 2016, para entidades como Fiesp, CNI e CNA. Não está escrito lá, mas o livro-caixa da Federação das Indústrias de São Paulo registra que a fatia a ser subtraída da instituição, com seu desprendido aval, representa 10% do seu orçamento.

As contribuições que, de fato, mantêm essas entidades, estão salvaguardadas pelo texto da reforma. A receita do Sistema S hoje soma R$ 16 bilhões, o equivalente a 17 vezes a quantia que as entidades patronais vão abrir mão com o fim do imposto sindical. A navalha não vai provocar um arranhão sequer.

As entidades que patrocinaram a ascensão de Michel Temer à Presidência da República vão ganhar uma legislação trabalhista para chamar de sua a custo de uma gorjeta. O desmonte do corporativismo é parcial. Quem diz isso são os signatários do artigo: "Se os empresários desejam fazer valer princípios de eficácia, foco em resultados, clareza nas relações com a sociedade e redução de custos e de burocracia, está na hora de defendê-los, enfrentando um tema sobre o qual muito se fala e pouco se faz".

Lafer Piva, Passos e Wongtschowski depenaram o pato. Cobraram o fim da contribuição compulsória (0,2% a 2,5% da folha de salários) e atribuíram ao desvirtuamento de seus objetivos originais de formação técnica dos trabalhadores a construção de instalações que definiram com quatro adjetivos: suntuosas, megalômanas, anacrônicas e dispendiosas. Essas anomalias, dizia o artigo, deslegitimaram direções que não prestam contas de seus gastos, se eternizam no poder e não são conduzidas por industriais de verdade.

O pato está depenado mas respira. O mandato do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, símbolo-mor desse baronato industrial que só fabrica distorções, acaba no fim do ano. Apesar de ter mudado o estatuto para poder completar 14 anos no cargo, dificilmente terá condições políticas de fazê-lo.

O aparelhamento da Fiesp, iniciado pelas candidaturas de Skaf ao Senado e ao governo do Estado, culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Foi na defesa de recursos para sua campanha que o presidente Michel Temer mais se expôs nas conversas com os empreiteiros que agora delatam na Lava-jato.

Seu modelo de liderança empresarial se esvazia num momento em que o prefeito de São Paulo, João Dória, escancara suas ambições de se tornar o principal representante da categoria nas eleições de 2018. O arcabouço corporativista sobre o qual Skaf está montado, no entanto, ainda custará a ser desfeito, em grande parte, pelas vantagens que dele auferem uma ampla rede de aliados.

Colecionador de acórdãos do TCU sobre as contas do Sistema S, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) tem, na ponta do lápis, os valores de depósitos bancários bilionários das entidades registrados, inexplicavelmente, com rendimentos abaixo daqueles auferidos por cadernetas de poupança. No início do mês, o senador conseguiu assinaturas suficientes para votar, em regime de urgência, projeto que destinava 30% das rendas do Sistema S para a Previdência. A máquina peemedebista do Senado conseguiu fazer sumir os signatários da noite para o dia.

Algo parecido já havia sido tentado, sem sucesso, pelo ex-ministro da Fazenda do governo Dilma, Joaquim Levy. Acabou rechaçado pelos mesmos partidos que hoje se encastelam na base de Temer e resistem à reforma da Previdência sem oferecer alternativas para saneá-la. Pelo grau de informalidade no trabalho previsto nos textos da terceirização e da reforma trabalhista podem provocar o pior dos mundos para a seguridade social: achatam sua arrecadação e se opõem a mudanças para reduzir suas despesas.

O Sistema S não entrou na reforma trabalhista a despeito de ser uma contribuição compulsória recolhida por entidade sindical porque dele se alimenta todo o sistema partidário. Desde a posse de Temer, apenas o PT foi destronado das entidades que presidia, mas PMDB, PSDB, PTB e PSD ainda mantêm sob sua influência as grandes confederações patronais que gerem entidades de toda a cadeia produtiva.

O fim do imposto sindical trabalhista vai fechar entidades trabalhistas de fachada e pôr um freio na proliferação de centrais que se valem do cartório sem nada representar. É resquício de um Estado que se valeu da organização sindical para amortecer conflitos e agrupar contingentes de trabalhadores num país que começava a se industrializar.

Os grandes sindicatos do país, principalmente aqueles da CUT, não serão muito afetados pelo fim do imposto sindical. Mas a medida não vai abalar apenas as entidades de gaveta. A representação sindical, principalmente dos trabalhadores menos qualificados, será afetada no momento de maior mudança da história da Consolidação das Leis do Trabalho. A principal inovação, a possibilidade de as empresas negociarem acordos diretamente com os trabalhadores sem representação sindical tanto pode ser uma porta aberta para a produtividade quanto para a corrupção.

Se os cartórios forem desmontados pela metade não se poderá falar de uma nova relação entre capital e trabalho. Será apenas mais um capítulo de uma história há muito conhecida por quem, desde sempre, paga o pato.

Valor Econômico

Quem tem medo da verdade?

Fernão Lara Mesquita

Aposentadorias e “Benefícios de Prestação Continuada” (BPC) pagos a funcionários “incapacitados” representam 54% do gasto da União. A folha do funcionalismo ativo outros 41%. Sobram 5% para financiar todos os investimentos publicos. Nos estados e municípios é tal a fome dos marajás que nem para pagar a parcela do funcionalismo que, bem ou mal, de fato “serve” o público, tem sobrado.

A carga de impostos é de 36% do PIB e o deficit de pelo menos outros 10%. São 46% do PIB, mais de R$ 2 trilhões e 500 bilhões, apropriados anualmente pelo estado, R$ 2 trilhões e 375 bilhões dos quais (95%) consumidos com salários, aposentadorias, pensões, bolsas e quejandos. Um oceano dentro do qual tudo quanto se roubou em todos os anos investigados pela Lava Jato e, provavelmente nos séculos 20 e 21 somados ou talvez, até, de 1500 até hoje, vira uma gota ou, vá lá, um balde d’água.

Não é preciso mais nada para explicar porque estamos arrebentados. Um simples olhar para as parcelas dessa conta basta, também, para tornar instantaneamente lógica a aparente confusão política em que vivemos.

Quinze dias atras Marcos Mendes e Mansueto Almeida, Secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, publicaram na Folha de S. Pauloextenso artigo destrinchando aspectos centrais da reforma da previdência. Todo servidor se aposenta com 100% do que ganhava no ultimo dia de trabalho, coisa inédita no mundo. (Na verdade costumam ter uma ou duas “promoções” pouco antes de cruzar a linha aos 50 anos). Com 30 anos ou mais pela frente de puro desfrute, camadas sucessivas se vêm acumulando. Todas essas aposentadorias têm sido “reajustadas” muito acima da inflação junto com os salários dos servidores ativos (esses com aumentos contratados até 2020 no meio do pânico do resto do Brasil). Já os súditos no país real “se aposentam” com 70% do ultimo salário (que paga imposto a partir de R$ 2 mil e poucos) e continuam trabalhando até morrer pois se já viviam no limiar da miséria com 100%, que dirá com 70%. Essa situação é tão generalizada que o governo está criando o Regime Especial para o Trabalhador Aposentado isentando o trabalho na velhice de alguns impostos. Aposentadoria “por tempo de serviço” aos 50 anos é, portanto, um luxo exclusivo dos donos do estado. A maioria se aposenta antes disso, aliás, graças aos “regimes especiais”, mais uma das inumeras formas de roubo legalizadas com que nos sangram, exatamente semelhante aos “auxílios” e outros apelidos que dão a pedaços do salário para aumenta-lo alem do teto e sonegar imposto, só que aplicado ao tempo contado para se aposentar.

Pensões por morte são outro luxo hereditário exclusivo do marajalato. Custam 3% do PIB no Brasil quando o padrão mundial é abaixo de 1%. 32% dessas pensões são pagas a funcionários que já recebem aposentadoria. 73% vão para apenas 30% dos domicílios, todos na categoria dos de maior renda do Brasil. O gasto com “Benefícios de Prestação Continuada” (BPC) pagos a “incapacitados”, valendo em média 10 Bolsas Família cada, cresceu de R$ 14 bilhões em 2003 para R$ 49 bilhões em 2016. A maior parte foi conseguida por ação judicial, dispensando, portanto, a evidência de dedos ou membros faltantes ou outras deficiências perceptiveis a olho nu. Só juizes, mais de 10 mil dos quais recebem acima do teto constitucional e, frequentemente, salários acima de seis dígitos, e “peritos judiciais”, foram capazes de “enxerga-las”. 43% dos BPC pagos vão para a faixa dos 40% mais ricos do Brasil.

Vai por aí o escárnio e, por essas e outras, a maioria dos servidores públicos federais está na faixa dos 1% mais ricos do Brasil e quase nenhum está aquém dos 5% mais ricos. Isso antes de contar as frotas de jatos, as dezenas de milhares de automoveis, os planos de saude eternos e as mordomias mil que a favela paga para os palácios.

Uns poucos, muito poucos, entre esses abusos seriam coibidos pela reforma da previdência proposta por Michel Temer que, por ter ousado tanto, está, com todos os seus “negociadores” de reformas no Congresso, varejado de delações e a um passo de ser apeado da presidência.

O problema brasileiro é “biodegradavel”. Expostos os dados ao sol a unica resposta decente, a única resposta aritimeticamente possivel, impõe-se por si só. A sobrevida da “privilegiatura” depende estritamente, portanto, de mante-los escondidos sob uma barragem a mais ruidosa possivel de mentiras. Não é por outra razão que a luta pelo poder se tem resumido à luta pelo controle dos meios de difusão de “narrativas”, o novo nome da mentira, seja pela martelação da discurseira sem contraditório daquela gente sinistra dos “horários gratuitos”, seja pelo “aparelhamento” de escolas e redações. Agora querem dar o golpe final fechando o último canal de expressão sem “tradução” da voz do povo com essa “lista fechada”.

Meu coração tem tentado mas meu cérebro recusa-se a se convencer de que é apenas ingênua e distraída essa justiça sem prioridades que, sempre em perfeita afinação com a imprensa e consonância com o tramite das reformas, arregala um olho para ladrões individuais de milhões mas sistematicamente fecha os dois para a ladroagem coletiva de trilhões sem o fim da qual o Brasil não se salva.

O passado condena? Pode ser. Mas a verdade é que Temer não pode dizer a verdade num pais onde ninguém mais diz a verdade. Como não é dele, é do Brasil que se trata, é preciso lançar uma campanha impessoal para demonstrar, sem eufemismos, a relação direta de causa e efeito entre cada marajá excluído da reforma e cada aumento de imposto, e entre cada aumento de imposto e cada emprego a menos. O Brasil precisa ser instado a fazer as escolhas que lhe restam sabendo claramente quem custa quanto ao estado brasileiro, o quê pode ser trocado pelo quê, quanta dor adicional e quanto alívio podem ser contratados pelo mesmo dinheiro escasso. Sem isso, fica fácil demais para lobos se apresentarem como cordeiros e bandidos como mocinhos enquanto nos empurram, todos juntos, para o ponto de onde não ha mais retorno.

VESPEIRO

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Vícios estatais

Editorial

Por contarem com volume expressivo de receitas próprias, que podem ser manipuladas sem a mesma vigilância imposta às verbas do Orçamento, as empresas estatais são candidatas naturais a protagonizar episódios de malversação do dinheiro público.

Será ocioso mencionar, no exemplo mais óbvio, os bilhões desviados da Petrobras por meio do esquema investigado pela Lava Jato. Ou o escândalo do mensalão, que veio à tona após a revelação de pagamento de propina nos Correios e chegou aos gastos com publicidade do Banco do Brasil.

Hoje depauperadas, nem tanto pela corrupção quanto pela gestão irresponsável, as empresas federais passam por ajustamentos forçados em suas contas e práticas. Velhos vícios, no entanto, não se abandonam com facilidade.

Reportagem desta Folha acaba de pôr sob suspeição concorrência ora conduzida pelo mesmo BB, também na área de publicidade. O jornal teve acesso antecipado ao nome da empresa que seria a primeira colocada na licitação, quatro dias antes da divulgação oficial do resultado.

O certame destina-se a escolher três agências que dividirão um polpudo contrato —o maior sob disputa na gestão de Michel Temer (PMDB)— de até R$ 500 milhões anuais, por um prazo que pode chegar a 60 meses.

O banco forneceu as respostas de praxe —que o processo segue critérios técnicos, definidos em edital público— e iniciou auditoria para apurar o caso. O Planalto preferiu manter-se em silêncio.

Não se podem desconhecer os progressos recentes na governança e na regulação das estatais federais, entre elas o próprio BB. Executivos qualificados assumiram os principais postos de comando; legislação de 2016 impôs limites à nomeação de apadrinhados políticos para as funções de direção.

A história recente mostra ser tarefa de Sísifo, porém, gerir um aparato que abarca 154 empresas, 530 mil funcionários, investimentos orçados em R$ 90 bilhões e atrativos incontáveis para partidos, sindicatos e fundos de pensão.

Tal estrutura precisa ser reduzida e, tanto quanto possível, submetida às regras de mercado. Há que aprofundar os programas de venda de ativos e demissões voluntárias já em curso; mais estatais deveriam tornar-se sociedades anônimas, com ações em Bolsa.

Mais à frente, será inescapável discernir as que desempenham função social relevante das que apenas servem a suas corporações; a privatização, demonizada por anos de propaganda ideológica obscurantista, terá de ser reconsiderada, em condições políticas e econômicas menos hostis.

Folha de S. Paulo

França derrota velhos partidos e dá um ultimato ao centro

Editorial
(*)

A vitória do candidato liberal independente Emmanuel Macron no primeiro turno, à frente da extrema-direita da Frente Nacional de Marine Le Pen, afastou de imediato o perigo de saída da França da zona do euro, mas deixou o sistema político francês em frangalhos. As fundações da V República de Charles De Gaulle, construída em 1958, ruíram, com a expulsão nas urnas de suas principais forças partidárias - Republicanos, à direita, e Partido Socialista, à esquerda. Macron é o franco favorito para o segundo turno, em 7 de maio, mas terá de criar um partido para governar, algo que seu movimento Em Marcha não tem, e conquistar o apoio da direita moderada, o que não está assegurado.

Os mercados financeiros comemoraram a vitória parcial com alívio. O socialista Benoît Hamon (6,36 milhões de votos, 6,3% do total) e o republicano François Fillon (20%, 7,2 milhões de votos) conclamaram os franceses a votarem em Macron. As pesquisas, que acertaram o resultado, dão vantagem de mais de 60% para ele na próxima rodada nas urnas. O rompimento da União Europeia por um de seus núcleos, a França, tornou-se remoto.

Mesmo assim, as tensões criadas pela globalização continuam a trazer mudanças de fundo. Donald Trump implodiu o jogo político de centro, onde a política americana era jogada, e chegou à Presidência. Os franceses rejeitaram os partidos tradicionais, incapazes de reverter a decadência econômica do país, uma crise econômica séria e um desemprego que parece permanente de dois dígitos.

As bruxas continuam à solta, porém. A Frente Nacional, de extrema direita, conseguiu arregimentar pela primeira vez mais de 20% dos eleitores, sua maior marca percentual, conquistando 7,68 milhões de votos. O esquerdista Jean-Luc Mélenchon quase derrota os republicanos, com 19,58% dos votos - 7 milhões de sufrágios. Com uma campanha moderna, Mélenchon teve média bem acima da nacional e chegou a primeiro colocado em Marselha, Grenoble, Le Havre, Montepellier e Lille. Ou seja, 41% dos franceses rejeitaram os partidos tradicionais nas urnas e optaram pelos extremos, diante de 24% que colocaram suas esperanças em um candidato que nunca concorreu a um cargo eletivo.

A clivagem entre os candidatos no segundo turno estão claras. Macron defende a União Europeia, um programa moderado de redução do Estado (demissão de 120 mil funcionários), redução de impostos em direção à média da UE (de 33% para 25%) e para empresas que contratem trabalhadores pouco qualificados. Macron não é avesso à imigração, com controle. Marine já divisou o que julga flancos vulneráveis do candidato novato. Qualificou-o de "fraco", de "candidato dos oligarcas", incapaz de deter o terrorismo islâmico e partidário da "globalização descontrolada". Ela defende a saída da UE, é avessa a acordos comerciais e favorável a limites à imigração, tarifas protecionistas e taxação de empresas que contratem mão de obra "não francesa".

Após décadas correndo da direita para a esquerda, e vice-versa, o eleitorado francês tenta uma saída pelo centro. A eleição legislativa de junho pode surpreender e ofertar boa bancada a Macron, diante de disputas intestinas nos partidos que foram humilhados nas urnas, como os socialistas e republicanos. Perto de chegar ao poder, Macron deve atrair bom número de políticos oportunistas. Mas é também provável que tenha que negociar, em posição de minoria, com legendas tradicionais que reinaram até agora.

A tarefa de Macron não é fácil. Em leitura clara, o maior partido francês, por votos, é hoje a Frente Nacional. O segundo, os Republicanos em baixa, tem um eleitorado em que parcela não desprezível tende para Le Pen. O grande empresariado apoia o liberal Macron e suas promessas de modernização das leis trabalhistas, abertura de mercado e libertação do jugo da histórica e pesada burocracia estatal. Com um programa moderado liberal e sem um partido dominante, o ex-executivo do banco Rothschild terá de encarar adversários imponentes, como os sindicatos, e a rejeição da esquerda e direita radical.

Macron terá provavelmente de governar saltitando da direita à esquerda em busca de acordos, para executar um programa de compromisso. É último biombo entre forças extremistas de direita e de esquerda em franca ascensão. Se finalmente vencer o segundo turno, terá de sepultar a quinta versão da República francesa, sem o apoio popular entusiasmado que a primeira obteve.

Valor Econômico

(*) Comentário do editor do blog-MBF: 

1 - “Macron é o franco favorito para o segundo turno, em 7 de maio, mas terá de criar um partido para governar, algo que seu movimento Em Marcha não tem ...”
2 - “Com um programa moderado liberal e sem um partido dominante, o ex-executivo do banco Rothschild ...”

1 – Está demorando para o mundo se conscientizar que partidos políticos, artificialmente ideológicos, acabaram. Não precisamos deles para exercitar a democracia em sua plenitude. Pelo contrário.
2- Rothschild. Desde o século XVIII são os principais acumuladores de capital. Mais uma vez provam porque estão sempre na frente.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O funcionalismo e a greve geral

Cristiano Romero

Adesão a movimento será maior no serviço público

As centrais sindicais prometem promover, na sexta-feira, "greve geral" com o objetivo de protestar contra a tramitação de duas reformas institucionais propostas pelo governo: a trabalhista e a previdenciária. De antemão, já está claro que as categorias que mais vão aderir ao movimento são as do serviço público. A tática é paralisar principalmente os transportes, impedindo que a maioria dos trabalhadores saia de casa para trabalhar.

A participação de funcionários públicos tem um lado anedótico - quando era sindicalista, o ex-presidente Lula costumava dizer que, sem corte de ponto, greve de funcionário público é férias - e outro bem mais sério. Quando se debatem contra mudanças na superdeficitária Previdência, os empregados do serviço público estão apenas defendendo seus interesses, que eles sabem contrários ao da maioria da população brasileira.

Em 2003, Lula chegou ao poder e, em poucos meses, enviou ao Congresso Nacional projeto de emenda constitucional propondo a unificação das regras de aposentadoria de funcionários públicos e trabalhadores celetistas (INSS). Parte da base parlamentar de apoio ao governo e toda a oposição simplesmente não entenderam aquilo: "Como? Lula quer acabar com privilégios dos funcionários públicos?".

A perplexidade se justificava: os sindicatos das principais categorias do funcionalismo eram filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT. A curiosa aliança existente entre partidos de esquerda e sindicatos do funcionalismo se deu no Brasil porque, nos estertores da ditadura, ambos tinham em seus discursos a defesa de um Estado forte, centralizador e intervencionista - o Estado que os militares criaram, inchado e razão primeira das injustiças sociais que grassam no país, e que já estava falido desde a crise da dívida externa, em 1982.

A batalha para a aprovação da PEC de 2003 foi renhida e custou a Lula, num primeiro momento, um naco do PT. Inconformada com a reforma, a então senadora Heloísa Helena liderou um pequeno motim e fundou o PSOL, partido que conseguiu se notabilizar no campo da esquerda por empunhar bandeiras mais anacrônicas que as do PT.

Embora nos tempos de sindicalismo tenha defendido algumas teses modernas, como o fim do imposto sindical e a regulamentação do direito de greve para funcionários públicos, Lula sentiu o golpe. Ao considerar excessivo o custo político da aprovação daquela reforma, o então presidente tomou uma decisão com sérias consequências para as finanças públicas nos anos seguintes: sem anunciar oficialmente ao distinto público, ele desistiu de regulamentar a reforma que aprovou em 2003.

A reforma de Lula instituiu a contribuição dos aposentados para a previdência - medida que o governo de Fernando Henrique Cardoso não conseguiu aprovar no Congresso - e estabeleceu que, a partir da regulamentação daquela emenda constitucional, quem entrasse no serviço público passaria a se aposentar pelas regras do INSS até o teto e, se quisesse, complementaria aquele valor contribuindo para um fundo de pensão a ser criado pela União. Na prática, a reforma de Lula acabava com uma velha injustiça: a aposentadoria integral dos funcionários públicos.

Mas, sem regulamentação, apenas a contribuição dos inativos passou a vigorar. Lula ficou mais sete anos no cargo, durante os quais, ordenou que esquecessem a reforma que ele aprovou com enorme dificuldade no Congresso. Nesse período, contratou dezenas de milhares de funcionários públicos, e estes vão se aposentar pelas regras antigas.

Numa das poucas decisões sensatas de sua ruinosa gestão, a ex-presidente Dilma Rousseff regulamentou a reforma da previdência promovida por Lula. A empreitada era fácil: bastava passar, por maioria simples, lei ordinária instituindo o fundo de pensão que administraria a aposentadoria complementar dos funcionários contratados a partir da vigência da nova lei - e assim foi criado o Funpresp.

Uma nota: a desistência de regulamentar a reforma da previdência foi o primeiro sinal de que não era para valer a intenção de Lula e do PT de abraçar o pragmatismo e reformar as ideias econômicas da esquerda. A partir dali, Lula se convenceu de que era preciso fazer um aceno à esquerda, ideia que se tornou uma obsessão em 2005, com o escândalo do mensalão que o enfraqueceu e quase o tirou da presidência. A ascensão de Dilma, que estava à esquerda de todos no PT, se deu justamente naquele momento - como a história é irônica, Dilma regulamentou a reforma "neoliberal" de Lula, mas também destruiu sua herança na macroeconomia por considerá-la desde sempre... "neoliberal". Vá entender...

O tema previdenciário voltou porque não há futuro para o Brasil sem mudanças drásticas no regime atual. De saída, é preciso considerar uma questão de natureza ética - as diferenças ainda existentes entre as regras aplicadas a trabalhadores do setor privado e do setor público - e outra, atuarial: o Brasil é um dos poucos países do mundo onde é possível se aposentar aos 50 anos, sendo que a expectativa de vida dos brasileiros é superior atualmente a 70 anos.

Quanto maior a expectativa de vida e menor a idade de aposentadoria, mais tempo o Estado terá que arcar com os rendimentos dos aposentados. Mesmo tendo uma população relativamente jovem, o Brasil gasta com previdência o equivalente a quase 13% do PIB. O déficit anual é crescente (dados de 2016): R$ 151,9 bilhões no INSS e R$ 78,5 bilhões no regime dos servidores.

A temporada, claro, é rica em argumentos que, se fossem levados em conta, não reduziriam o rombo real em um centavo sequer. Alguns, por exemplo, fazem a seguinte afirmação: a previdência quebrou porque JK usou dinheiro da previdência para construir Brasília e também porque as empresas devem bilhões de reais ao INSS - a maioria dessas firmas não existe mais e as que existem e devem não pagam por absoluta incapacidade; outras não pagam porque a cobrança é ineficiente.

Outro argumento: o regime próprio de previdência dos servidores públicos é deficitário porque a Constituição obrigou o governo a bancar as aposentadorias de funcionários que nunca contribuíram e fez o mesmo, no regime geral (INSS), com os aposentados rurais. Se essas benesses fazem parte do pacto social inscrito na Constituição e todos vivemos sob a égide da Carta Magna, logo, todos devem pagar por ele e não apenas os setores da sociedade não representados em Brasília.

Valor Econômico

Sabotagem contra a Lava Jato

Editorial
(*)

Quem quiser identificar um foco de sabotagem contra a continuidade das investigações da Operação Lava Jato, que estão sendo conduzidas pela força-tarefa da Procuradoria-Geral da República (PGR), não precisa ir muito longe. Basta olhar para o próprio Ministério Público Federal (MPF).

Numa proposta que não deixa margem a dúvidas quanto às verdadeiras intenções de sua autora, a subprocuradora-geral da República Raquel Elias Dodge apresentou ao Conselho Superior da instituição um projeto de resolução que obriga o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ter de mudar a equipe que o assessora no momento em que a Lava Jato se encontra numa de suas fases mais importantes.

A votação da proposta só não foi concluída na sessão de ontem porque Rodrigo Janot pediu vista, quando 7 dos 10 conselheiros já haviam se manifestado a favor da resolução e 1 contra. O procurador-geral alegou que em momento algum foi consultado sobre a resolução e afirmou que, por causa das especificidades técnicas das investigações, não tem como mudar sua equipe. Como só faltam votar dois conselheiros, a aprovação da resolução é uma questão de tempo.

Entre outras inovações, o projeto de resolução limita em 10% o número de procuradores que uma unidade do Ministério Público Federal pode ceder para participar de investigações em outra unidade. Isso atinge o coração da Operação Lava Jato, pois desde sua instalação ela sempre contou com especialistas do MPF vindos de todo o País. Só no caso da Procuradoria Regional do Distrito Federal, por exemplo, 8 dos 29 procuradores federais – cerca de quase 30% – estão atuando nos tribunais superiores em nome da PGR. O órgão é responsável não apenas pelas investigações de quem tem foro privilegiado, como, igualmente, pela formalização dos grandes acordos de delação premiada que envolvem parlamentares e empreiteiras do porte da Odebrecht e da OAS.

No total, há atualmente 41 procuradores federais cedidos à Procuradoria-Geral, dos quais 10 estão trabalhando na Operação Lava Jato. Sua substituição, por causa da resolução que está sendo votada pelo Conselho Superior do MPF, poderá retardar as investigações, pois os novos procuradores que Rodrigo Janot terá de nomear precisarão de tempo para conhecer os processos. E, como o próprio Janot alegou, a PGR não dispõe de especialistas em número suficiente para conduzir as investigações mais complexas. Essa morosidade era tudo o que os advogados dos réus queriam, para tentar fazer com que as ações penais de seus clientes prescrevam.

O projeto de resolução estabelece ainda um prazo máximo de quatro anos para que um procurador federal possa atuar fora de sua unidade de origem. Como a força-tarefa da PGR em Curitiba começou a trabalhar há mais de três anos, isso significa que os membros do MPF a ela cedidos também terão de ser substituídos até o final do ano. Essa é mais uma inovação intempestiva que pode gerar problemas de descontinuidade nas investigações e comprometer a coleta das provas necessárias para fundamentar a proposição de ações penais contra políticos e empreiteiros.

O mais grave é que nem mesmo as entidades de procuradores da República – cujos dirigentes são candidatos ao cargo de Janot, que será substituído em setembro – se opuseram à resolução. “Não há ninguém insubstituível. A Operação Lava Jato é um trabalho de instituição, não um trabalho de apenas alguns colegas, por mais brilhantes que sejam”, disse ao jornal O Globo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.

Fica evidente que, por trás do projeto de resolução apresentado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, há irresistíveis pressões corporativas, pois notáveis personagens desse edificante episódio almejam suceder a Rodrigo Janot, preocupando-se mais com suas aspirações do que com a mais importante investigação que a instituição do Ministério Público já conduziu na história do País.

O Estado de S. Paulo

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  assim como os réus conseguiram acabar com o processo Mãos Limpas na Itália, até assassinando juízes e promotores para conseguí-lo, no Brasil, agora que está chegando a hora da verdade, os donos do Poder começaram mexer seus pauzinhos e também vão conseguir deixar a Lava Jato a meio caminho.
Era esperado, pois mexeu com os poderosos do país, aqueles que mandam no Estado dentro do Estado, os principais membros da Corte, dessa nossa Monarquia Republicana.
Vivemos num arremedo de democracia. O povo não tem Poder nenhum. Seu único direito é pagar a conta da farra dos maganos.

terça-feira, 25 de abril de 2017

O fracasso histórico do socialismo francês

EL PAÍS

Benoît Hamon obtém o pior resultado da esquerda francesa desde 1969
Era um fracasso anunciado, mas nem por isso foi menos cruel. O socialismo francês registrou, neste domingo, seu pior resultado desde 1969, ao obter 6% dos votos do primeiro turno, segundo as primeiras estimativas. Foi a consequência natural de uma campanha árdua para o candidato socialista, Benoît Hamon, prejudicado pela falta de apoio de sua família política e por uma série de erros táticos que fizeram sua máquina eleitoral nunca arrancar. O Partido Socialista e seus aliados foram eliminados do segundo turno, como ocorreu em 2002.

Ninguém tinha notado esse deputado e ex-ministro de 49 anos, ganhador de surpresa das primárias socialistas de janeiro, quando venceu o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, de quem tinha sido ministro da Educação durante quatro meses. Suas desavenças em relação à política econômica do presidente Hollande forçaram sua saída do Governo em 2014. Desde aquele momento, Hamon se tornou um dos líderes das fileiras de deputados revoltados com a linha oficial, que tanto amargaram a vida de Valls e seus simpatizantes na reta final de seu mandato. Quando Hamon precisou da ajuda deles, agiram em vingança. Após prometer o contrário nas primárias, Valls negou a ele seu apoio, anunciando que votaria em Emmanuel Macron. Uma a uma, as estrelas do partido lhe deram as costas ou, no melhor dos casos, manifestaram um apoio mínimo. O próprio Hollande não declarou em quem votaria, apesar de sua preferência por Hamon “não ser um mistério para ninguém”, segundo o Le Monde.

Tampouco houve unanimidade em relação a seu programa de governo dentro das fileiras da esquerda. Sua promessa mais celebrada – a criação de uma renda universal básica – foi incompreendida, contestada e depois modificada várias vezes pelo próprio Hamon, até o ponto de se tornar ininteligível. O impulso obtido após a retirada a seu favor do candidato verde Yannick Jadot não durou muito. Tampouco lhe serviu o apoio de intelectuais de primeiro nível, como o economista Thomas Piketty e a filósofa Sandra Laugier. Quando os debates televisivos começaram, em março, Hamon não brilhou, e ficou evidente que seu espaço político se reduzia, encaixado entre o voto útil dirigido a Macron e os cantos de sereia de Jean-Luc Mélenchon a seu eleitorado.

O próximo desafio para o Partido Socialista será a reconstrução, na qual Hamon aspira ter um papel protagonista. “Voltei a colocar a esquerda sobre seu eixo histórico. Lutarei no domingo e seguirei lutando depois”, advertiu o candidato derrotado em um de seus últimos comícios. Seu resultado ruim neste primeiro turno dificulta consideravelmente para ele a tarefa.

Entidades defendem juízes auxiliares para força-tarefa no STF

Frederico Vasconcelos

A força-tarefa para acelerar os trabalhos da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal) terá um desafio bem maior do que o enfrentado pela corte na tramitação da ação penal do mensalão.

Magistrados especializados em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro dizem que haverá um volume maior de documentos a serem garimpados e analisados. Os inquéritos terão que ser bem fundamentados para virar processo, pois a delação, por si só, não é prova.

Eles entendem que a força-tarefa é essencial, mas não seria suficiente.

"Muitas investigações têm sido alcançadas pela prescrição na fase de inquérito na Polícia Federal, por isso precisamos urgentemente de uma força-tarefa de delegados, escrivães, agentes e peritos criminais", diz Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Veloso considera necessária uma articulação coordenada entre a Polícia Federal e o Ministério Público, nos mesmos moldes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

A Ajufe faz coro à Ordem dos Advogados do Brasil, que sugeriu à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, o reforço de servidores e juízes no gabinete do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato.

O trabalho de Fachin foi ampliado com os pedidos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a partir das delações de executivos da Odebrecht. Ao contrário do juiz Sergio Moro, em Curitiba, o relator no STF continua recebendo outros processos.

Em 2007, o STF viveu experiência semelhante quando a corte recebeu a denúncia do mensalão e a então presidente Ellen Gracie incluiu no regimento interno a figura do juiz auxiliar.

Na ocasião, havia dúvidas se esses magistrados atuariam como juízes ou como assessores, o que poderia caracterizar desvio de função.

Gracie já havia convocado a juíza federal Salise Sanchotene, do Rio Grande do Sul, para auxiliá-la na presidência. Antes, o presidente do STF

Nelson Jobim convocara o juiz federal Flávio Dino, atual governador do Maranhão, para assessorá-lo no Conselho Nacional de Justiça.

Em 2012, quando o STF condenou os réus do mensalão, um discreto grupo de juízes ajudava ministros a analisar as provas, a pesquisar e a preparar minutas de votos.

Na ocasião, o Supremo contava com 14 juízes auxiliares. Os ministros evitavam confirmar esse apoio. Atribui-se o silêncio ao receio de que advogados assediassem os juízes, que, por sua vez, evitavam exposição para não constranger os ministros.

Sergio Moro auxiliou a ministra Rosa Weber no mensalão. Sua convocação foi vista pelos colegas de primeiro grau como uma oportunidade para "oxigenar" o tribunal em matéria penal. Pouco antes, aposentara-se o ministro Sepúlveda Pertence, único especializado na área criminal.

O juiz federal João Carlos Costa Mayer Soares, de Minas, ajudou Ayres Britto. O juiz Leonardo de Farias Duarte, do Pará, ajudou Joaquim Barbosa. Sanchotene cuidou de outros processos criminais no gabinete de Barbosa.

Gilmar Mendes foi auxiliado pelo juiz Danilo Pereira Júnior, do Paraná. Dias Toffoli, pelo juiz estadual paulista Carlos Vieira von Adamek (que o acompanhou no TSE). E Cármen Lúcia, pelo juiz Júlio Ferreira de Andrade, de uma Vara Criminal em MG.

Dez anos depois da regulamentação, ainda há controvérsias sobre a convocação de juízes auxiliares. Celso de Mello e Marco Aurélio não admitem essa ajuda. "Acho que o estudo [que embasará a decisão] tem que ser meu. É um ato pessoal", disse Mello, em 2012. "Não tem sentido convocar um juiz para atuar como assessor de ministro."

Marco Aurélio considera "indelegável" o ofício de julgar. Ele continuará sem juiz auxiliar, mesmo se vier a receber processos da Lava Jato.
"Nós temos uma estrutura muito boa. São nove assessores em cada gabinete. A convocação descobre um santo para cobrir outro. O jurisdicionado sai perdendo", diz.

Segundo alguns magistrados, essa assessoria supre a falta de vocação do STF para preparar as ações penais originárias (cujo julgamento é iniciado no Supremo).

Folha de S. Paulo

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Modelo pioneiro de previdência privada adotado no Chile enfrenta crise

ROCÍO MONTES
(*)

Sistema que foi seguido por outros países é contestado por chilenos. Aposentadoria atual de 91% da população é inferior a 760 reais

O sistema previdenciário privado implantado no Chile em 1981, durante a ditadura de Augusto Pinochet, que inspirou reformas em outros países e ganhou apoiadores do modelo no Brasil, hoje não tem grandes defensores na sociedade chilena. Desde o ano passado, quando um escândalo envolvendo a mulher de um conhecido deputado socialista expôs as injustiças desse mecanismo, um intenso debate se instalou no país andino, e a discussão promete ser um dos temas centrais da campanha presidencial de 2017. Myriam Olate, a mulher do parlamentar, recebia uma pensão equivalente a 25.400 reais por mês por pertencer à Gendarmería (departamento prisional), uma das instituições que oregime militar resguardou ao alterar o sistema, há 36 anos. Em contrapartida, 91% da população recebe menos de 760 reais por mês de aposentadoria.

A trama das pensões na Gendarmería e nas Forças Armadas e policiais, que está sendo investigada pelo Ministério Público, não só contribuiu para a queda da ministra da Justiça da presidenta Michelle Bachelet, Javiera Blanco, como também impulsionou o nascimento de um movimento social. A coordenadoria No + AFP [“basta das administradoras dos fundos de pensões”], formada por diversas entidades de todo o Chile, conseguiu convocar centenas de milhares de pessoas para as ruas do país a fim de exigir que as autoridades se comprometam a substituir um sistema que é deficiente para a imensa maioria dos cidadãos. Em 24 de julho do ano passado, cerca de 100.000 pessoas, só em Santiago, participaram de um protesto que exigia a criação de um novo mecanismo. As manifestações foram sempre pacíficas e familiares, com a presença de crianças e adultos, e se repetiram em várias cidades.

O modelo privado de pensões em vigor no Chile, baseado na capitalização individual, não existia em nenhum outro lugar do mundo até 1981, embora, com o passar do tempo, tenha sido implementado em outros países (Malawi, Kosovo e República Dominicana, Israel, Hong Kong e Austrália, que tem uma renda básica de 959 dólares, ou 2.900 reais).

De acordo com a legislação, os trabalhadores dependentes são obrigados a reservar 10% de sua renda mensal para a aposentadoria. As mulheres começam a receber o benefício aos 60 anos e os homens aos 65. O dinheiro é gerenciado por administradoras de fundos de pensões (AFP), que investem essa poupança na bolsa de valores e outras ferramentas financeiras, supostamente com o objetivo de obter rentabilidade. O trabalhador tem a opção de colocar o seu dinheiro em diferentes fundos, que variam conforme o risco, e na hora de se aposentar recebe uma pensão calculada com base na sua poupança individual.

Diferentemente do que acontece no modelo de previdência adotado no Brasil e na grande parte dos países, não há aportes dos empregadores nem do Estado, a não ser no caso de pensões mais baixas. Tampouco existe um sistema de solidariedade formal por parte dos trabalhadores ativos para com a população mais velha que vai se aposentando.

A principal crítica ao sistema das AFP é que, no momento de se aposentar, o dinheiro que os trabalhadores recebem é muito reduzido e mal dá para viver em um país onde serviços básicos como saúde e ensino público vivem uma crise. Em 2015, a presidente Bachelet recebeu o relatório da comissão Bravo, que estudou o sistema de pensões e propôs algumas saídas para se chegar a uma solução. De acordo com os especialistas, quando se comparam o salário recebido por uma pessoa nos últimos 10 anos com o dinheiro de sua aposentadoria, este chega a apenas 45% daquele, isso se houver um aporte por parte do Estado. Se não houver nenhum aporte complementar, como ocorre na maioria dos casos, a taxa chega a apenas 34%.

A comissão fez algumas projeções. Embora os criadores do sistema tenham previsto que em 2020 as pessoas se aposentariam com 100% de seus vencimentos na ativa, metade daqueles que contribuíram entre 25 e 33 anos receberá pensões equivalentes a 21%.

O mecanismo de pensões implementado pela ditadura tem origem privada, está vinculado à seguridade não social, mas sim individual, e se assemelha a uma espécie de poupança obrigatória. Para a população e para as autoridades, a crise profunda do sistema é uma evidência: 91% dos chilenos aposentados recebem no máximo 235 dólares (726 reais), que representam apenas dois terços do salário mínimo do Chile. No caso das mulheres, em que os problemas são agravados pela fragilidade do mercado de trabalho feminino, 94% das aposentadas ganham menos ainda, segundo dados da Fundação Sol, uma organização dedicada a questões de trabalho, sindicalismo e educação.

Embora os salários no Chile sejam muito baixos, as AFP recebem muito dinheiro todos os meses. Em 2014, por exemplo, as administradoras pagaram em pensões o equivalente a apenas dois quintos das contribuições feitas pelos trabalhadores no mesmo período. Como não se trata de um sistema de distribuição e o dinheiro não é usado para pagar pensões, os outros três quintos são usados em investimentos. As AFP alegam que graças a essas operações é que se gera rentabilidade para as próprias pensões dos trabalhadores, mas a realidade não mostra que a poupança cresce ao longo do tempo. De acordo com os críticos do sistema privado em vigor no Chile, o dinheiro acaba se voltando para o investimento em grandes grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, motivo pelo qual se torna muito difícil obter qualquer mudança.

EL PAÍS

(*) Comentário do editor do blog-MBF: 
- Fundos de Pensão (empresas estatais) geridos por sindicalistas indicados pelos políticos, vão a falência, como de fato aconteceu, não apenas agora.
- Fundos de Pensão geridos pela iniciativa privada – bancos -, trazem um retorno pífio, pois o grosso do lucro fica com a diretoria e os acionistas do banco.

- FIPS – Fundo de Investimento e Previdência Social, proposta em Capitalismo Social, é um fundo privado totalmente gerido pelos trabalhadores. Todo retorno é para os contribuintes do Fundo. Não é para sustentar governos e políticos de plantão, nem empresas privadas (bancos).

Macron é favorito sobre Le Pen no segundo turno

AFP

O candidato de centro e pró-europeu Emmanuel Macron é favorito para vencer sua adversária, a ultradireitista Marine Le Pen, no segundo turno das eleições presidenciais francesas, em 7 de maio, após o castigo infligido nas urnas aos partidos tradicionais no primeiro turno celebrado neste domingo (23).

O resultado dessa primeira rodada foi implacável. É a primeira vez em quase 60 anos que a direita estará ausente do segundo turno e a primeira que não terá representantes dos dois grandes partidos que dominam a política francesa em meio século: os socialistas do presidente François Hollande e os conservadores liderados por François Fillon.

"A direita sofre nocaute", intitulou a primeira página do jornal "Le Figaro", qualificando o resultado de "enorme desperdício".

Segundo resultados quase definitivos do Ministério do Interior, Macron, de 39 anos, venceu o primeiro turno com 23,7% dos votos, à frente de Le Pen, de 48, a quem se atribuiu 21,9% dos votos.

Eles são seguidos pelo conservador François Fillon e pelo esquerdista Jean-Luc Mélenchon, enquanto o grande derrotado deste domingo foi o socialista Benoît Hamon, que obteve apenas 6,2% dos votos.

Jovem e à frente de um novo partido, o En Marche!, Macron, que não se considera nem de esquerda, nem de direita, ganhou a primeira etapa de uma disputa arriscada, sem nunca ter-se submetido ao veredicto das urnas.
Enquanto os votos contabilizados na França indicavam a vitória de Macron, o euro teve forte alta na manhã de segunda-feira na Ásia perante o dólar e o iene.

"A voz da esperança"
"Em vosso nome, encarnarei (...) a voz da esperança para nosso país e para a Europa", declarou Macron, que se apresentou como o "presidente dos patriotas frente à ameaça dos nacionalistas".
"Os franceses expressaram seu desejo de renovação", declarou o ex-banqueiro, apontado por duas pesquisas realizadas neste domingo à noite como o vencedor do segundo turno por ampla maioria. Em uma, ele aparece com 62% dos votos, contra 38% para Le Pen. Na outra, são 64% contra 36%.

Hollande, de quem foi ministro da Economia, telefonou para cumprimentá-lo. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, saudou-o em um tuíte, no qual lhe desejou "sorte para o futuro".


Marine Le Pen, de 48 anos, ficou exultante de alegria diante do que chamou de "resultado histórico" e "uma etapa superada" para o partido Frente Nacional (FN), com o qual repetiu a façanha de seu pai 15 anos depois.

"A grande alternância"
Os franceses terão de escolher entre a "globalização selvagem", disse Le Pen, referindo-se a Macron, e "a grande alternância", representada, segundo ela, por seu programa.

Toda a classe política francesa, de direita e de esquerda, pediu que se detenha a ultradireita, como Fillon, que disse que Le Pen trará apenas "desgraça", "divisão" e "caos".

Qualquer um dos dois fará história: Macron, como o presidente mais jovem, e Le Pen, como a primeira mulher a chefiar o Estado francês.
Uma vitória de Macron representaria um alívio para a União Europeia (UE). Esse ex-ministro fez uma campanha com um programa abertamente pró-europeu e liberal. A Alemanha, voz ativa da UE, declarou-se feliz com o resultado.

É que, se Marie Le Pen vencer, ao contrário, viria uma grande época de incertezas para a UE, devido à sua defesa da saída do euro - um um golpe fatal para um bloco já debilitado pelo Brexit.

Capitalizando o cansaço dos franceses com o sistema, a ultradireitista se beneficiou da mesma onda populista que propulsionou a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, com um programa centrado na "preferência nacional".

Apesar da ameaça de atentados extremistas que pairava sobre essas eleições, os franceses não se amedrontaram e compareceram em massa às urnas. A participação beirou os 80%, uma das mais altas dos últimos 40 anos.

A reta final da campanha foi sacudida, esta semana, por um atentado na emblemática avenida Champs-Elysées de Paris e pela descoberta de um atentado iminente, em um país traumatizado por uma onda de ataques extremistas que deixaram mais de 230 mortos desde 2015.

Nesse clima de tensão máxima, as autoridades não pouparam em termos de segurança em todo o território para a votação, com o envio de mais de 50.000 policiais e gendarmes, além de 7.000 militares.

No nível interno, essas eleições são consideradas cruciais em um país com uma economia golpeada pelo desemprego e por um crescimento que não avança desde a crise de 2008.

A corrida ao Palácio do Eliseu tem sido atípica. Enfraquecido por uma impopularidade recorde, Hollande foi obrigado a renunciar de concorrer novamente. O impacto foi direto em seu candidato, Benoît Hamon, que teve um desempenho pífio, com menos de 7% dos votos.

A campanha esteve marcada pelos problemas judiciais, o que relegou ao segundo plano o debate das questões importantes.

François Fillon pagou um alto preço pelo escândalo dos empregos-fantasma de sua esposa, Penelope, e de dois de seus filhos.

Le Pen também é alvo de uma investigação por empregos fictícios no Parlamento Europeu, onde ocupa uma cadeira, e por irregularidades no financiamento de campanhas passadas.

Ela se nega, porém, a ser interrogada pela Justiça, invocando sua imunidade parlamentar.

Macron e Le Pen terão agora 15 dias para convencer os 47 milhões de eleitores de que são a melhor opção para comandar o país.

Aquele que vencer logo terá de criar alianças, de olho nas legislativas de junho. Realizadas em dois turnos, essas eleições até agora favoreceram os partidos tradicionais.

Agence France-Presse