Editorial
O buraco da Previdência continua engolindo facilmente o dinheiro
juntado pelo governo em seu esforço de economizar e arrecadar. Esse empenho
garantiu ao Tesouro um superávit de R$ 98,70 bilhões nos 12 meses terminados em
junho. Não sobrou um centavo para uma celebração. Muito maior, o sumidouro do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), um déficit de R$ 190,40 bilhões,
condenou o governo central, nesse período, a um saldo negativo de R$ 92,40
bilhões nas contas primárias. O cálculo inclui um pequeno déficit (R$ 715
milhões) do Banco Central (BC). Juros e custos de amortização ficam fora do
balanço primário. Como os governos de Estados e municípios e as estatais
conseguiram saldo positivo, o conjunto do setor público foi deficitário em R$
89,82 bilhões.
Não se paga um tostão de juros ou de amortização sem superávit
primário. Este superávit corresponderia, na economia familiar, àquele dinheiro
posto de lado, mensalmente, para liquidar as prestações e seu custo financeiro.
Quando é preciso rolar essa dívida, juros se acumulam e cresce o rombo nas
finanças domésticas. Algo parecido, mas com mecanismo e proporções diferentes,
ocorre nas contas públicas. Somados os juros, obtém-se o chamado resultado
nominal do setor público.
No conjunto, o déficit alcançou em 12 meses R$ 487,04 bilhões, soma
equivalente a 7,28% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o relatório mensal
divulgado pelo BC.
Um padrão de referência pode dar uma ideia mais clara do desastre
embutido nesses números. Na zona do euro, o déficit nominal equivaleu em média
a 0,1% do PIB no primeiro trimestre deste ano, de acordo com dados do Eurostat.
Na União Europeia, um conjunto mais amplo, o buraco chegou a 0,5% do PIB. Os
números são ajustados sazonalmente e a comparação é imperfeita, mas a diferença
entre as ordens de grandeza é inequívoca.
Na Romênia, um país com desempenho bem longe da média, o déficit ficou
em 4,2%. Vários países, como Alemanha, Bulgária, Holanda, República Checa,
Lituânia e Eslovênia, fecharam as contas com superávit.
Muitos países emergentes, na Europa, na América Latina e em outras
áreas, têm exibido contas públicas mais saudáveis que as brasileiras, mesmo
necessitando, ainda, de reformas para tornar suas economias mais eficientes e
suas finanças públicas mais sustentáveis. Chile, Colômbia, México e Peru têm
mantido seus déficits fiscais abaixo de 3,5% do PIB – e todos têm conseguido,
nos últimos dez anos, taxas de crescimento econômico mais altas que as do
Brasil.
Déficit primário persistente resulta em expansão da dívida pública.
Sem dinheiro posto de lado sequer para cobrir os juros vencidos, o governo é
forçado a rolar seus compromissos e, portanto, a endividar-se cada vez mais. No
Brasil, com a inflação contida o BC teve espaço, a partir de outubro de 2016,
para cortar os juros básicos. Desde o início da redução, a taxa básica diminuiu
de 14,25% para 6,50% ao ano.
Esse corte proporcionou ao Tesouro algum alívio financeiro. Apesar dos
juros mais baixos, foi impossível, no entanto, evitar a acumulação dos
compromissos, uma consequência da rolagem dos débitos vencidos. Com isso, a
dívida bruta do governo geral (União, Estados e municípios) atingiu em junho R$
5,16 trilhões, equivalentes a 77,2% do PIB estimado pelo BC.
No fim do ano passado a proporção estava em 74%. Em dezembro de 2016,
em 70%. Não haverá como deter a escalada, nos próximos meses e anos, enquanto o
setor público for incapaz de gerar superávit primário suficiente para cobrir o
serviço da dívida. Mas as contas primárias, segundo projeções de economistas de
respeito, dificilmente sairão do vermelho antes de 2023.
Na melhor hipótese, a volta a um resultado positivo nessa
contabilidade poderá ocorrer em prazo pouco menor, mas, de toda forma, o
próximo governo terá de se empenhar durante quatro anos para arrumar as
finanças oficiais. Se o futuro presidente acreditar em mágicas, jogará o País
numa crise bem maior que a dos últimos anos. Se tiver juízo, dará prioridade a
reformas, começando pela da Previdência.
O
Estado de São Paulo