Editorial
A remuneração do funcionalismo,
assim como a aposentadoria, é desproporcionalmente elevada; daí, a necessidade
também de uma reforma neste campo
A
conhecida e repetida frase do bilionário americano Warren Buffett — “sabe-se
quem está nadando nu quando a maré baixa” — ajusta-se à perfeição ao efeito
pedagógico da maior crise fiscal brasileira de que se tem notícia. Devido a
estudos e debates, ela tem disseminado informações sobre fortes mecanismos de
concentração de renda operados pelo Estado brasileiro. Alguns deles sempre
justificados por bons propósitos: por exemplo, os bilhões de reais de crédito
do BNDES subsidiados pelo dinheiro do contribuinte vão (ou estavam indo) para
grandes empresas em condições de obter financiamentos no exterior, sob o
argumento meritório da criação de empregos e de riquezas no país.
Principalmente dos controladores das empresas, é certo, constata-se.
A
explosão há tempos anunciada do sistema da Previdência apareceu à frente da
sociedade, de forma mais visível, e tem sido possível chamar a atenção para o
injusto desnível entre a aposentadoria dos servidores públicos e a do
assalariado do setor privado. Neste, o limite do benefício, difícil de
alcançar, é de cinco salários mínimos (R$ 5.531), enquanto em castas do
funcionalismo há aposentadorias de vários milhares de reais. Nos servidores do
Legislativo, por exemplo, a média é R$ 28 mil. Como o Tesouro cobre os
inevitáveis déficits do sistema, esta é uma eficiente máquina de transferência
de renda de pobres para ricos.
O
tratamento preferencial do funcionalismo começa nos salários de carreira,
assunto a ser tratado depois de aprovada a reforma da Previdência, segundo o jornal
“Valor Econômico”. Será outra batalha no Congresso contra representantes de
corporações e de castas.
A
intenção do governo, como na reforma da Previdência, tem uma lógica sólida:
aproximar os salários de carreira no funcionalismo daqueles pagos na iniciativa
privada. Será outra guerra, porque a extensão dos privilégios repete o da
seguridade. Por exemplo, o salário inicial do funcionário de nível superior na
função de gestor, no Executivo, no Banco Central e no Tesouro, é de R$ 16.933,
e a proposta é que caia para R$ 5 mil, salário de início de carreira de
professor universitário. As vantagens para a sociedade são várias: o servidor
se esforçará para evoluir como profissional, e o contribuinte gastará menos com
o segundo maior item do bloco de despesas obrigatórias da União, a folha do
funcionalismo (12,6% do total). O primeiro é a Previdência (57,1%). Outra ideia
é criar mecanismos de avaliação, para estabelecer neste mundo à parte do
mercado de trabalho o critério do mérito, algo já tentado, sem êxito. Agora, na
crise, há uma outra oportunidade.
As
mudanças, na Previdência e nos salários, se aprovadas, produzirão efeitos
benéficos, boa parte a médio e longo prazos, porque há a garantia dos direitos
adquiridos de razoável parcela do funcionalismo. Mas a certeza de que o Tesouro
não ficará insolvente já será “precificado” no presente, com a tendência de
queda dos juros. Colhem-se dividendos imediatos com os avanços.
O Globo
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