Guilherme Moreira
Tudo começa por seus sindicatos
Ao final
de novembro, o Banco Mundial divulgou um abrangente e detalhado relatório sobre o setor público
brasileiro.
Embora
as descobertas não tenham trazido grandes novidades para quem já conhece o
assunto, os números, ainda assim, impressionam.
Para
começar, entre 53 países pesquisados, o Brasil é o que a apresenta amaior diferença entre o salário de um
funcionário público federal e o de um trabalhador da iniciativa privada, ambos
com a mesma idade, a mesma formação e a mesma experiência profissional.
Pegando
um exemplo prático: suponha dois irmãos gêmeos com a mesma formação e a mesma
experiência profissional. Um escolheu uma carreira em uma grande empresa; o
outro foi aprovado em um concurso para funcionário público federal. Esse último
ganhará simplesmente 67% a mais.
Esta é a
média da diferença entre os salários do setor público e do setor privado no
Brasil. Para se ter uma ideia, no resto do mundo, o setor público paga em média
"apenas" 16% a mais que o setor privado.
Ou seja,
a situação brasileira simplesmente não tem par.
E piora:
o gasto do país com funcionários públicos (agora de todas as esferas de
governo) é de 13,1% do PIB. Trata-se também do maior
percentual entre todos os países analisados. Muito acima de países como
Portugal, França, Austrália e EUA. Nestes, o gasto do governo com funcionalismo
público é de aproximadamente 9% do PIB.
Ou seja,
em relação à renda, o Brasil gasta 45% a mais que os países mais ricos com seus
funcionários públicos. Em relação ao Chile, gastamos incríveis 104% a mais.
E um
detalhe curioso: ainda segundo o Banco Mundial, o quadro do
funcionalismo público brasileiro pode ser considerado "enxuto" em
relação ao resto do mundo. Ao passo que, no Brasil, 5,6% da população empregada
está no setor público, nos países da OCDE este percentual é de quase 10%.
A
conclusão óbvia, portanto, é que o alto gasto com funcionalismo público no
Brasil não decorre exatamente de um excessivo número de funcionários público,
mas sim do elevado custo (altos salários) deles.
Mais:
considerando todo o funcionalismo público federal, nada menos que 83% dos
funcionários estão no topo da pirâmide da renda, compondo assim a parcela mais
rica da população. E sete em cada dez estão no grupo dos 10% mais ricos do
país.
Assim, o
governo é simplesmente o maior concentrador de renda e maior causador das
desigualdades sociais no Brasil.
Com base
em dados de 2016, os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o
dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano), e os servidores federais
civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$130.000 por
ano). A remuneração média por funcionário
é excepcionalmente alta no Ministério Público
Federal (R$ 205.000 por ano), no Poder Legislativo R$ 216.000 por ano) e no
Poder Judiciário (R$ 236.000 por ano).
Além
desses salários magnânimos, há também vários benefícios (penduricalhos)
atrelados ao cargo, como auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-creche,
auxílio-educação, auxílio-funeral, auxílio plano de saúde, reembolso por
despesas médicas e odontológicas não cobertas pelo plano de saúde, retribuição
por acúmulo de funções, bônus de eficiência etc.
A coisa
é tão surreal que um juiz morando em uma mansão, se locomovendo em carro chique
com motorista particular, e com filho em escola privada caríssima recebe
auxílio-moradia, auxílio-transporte e auxílio-educação.
E o
descalabro se manifesta desde o início: ao passo que um advogado recém-formado
é contratado por cerca de R$ 3.100 no setor privado, se ele fizer concurso para
o Poder Executivo começará já com um salário de R$ 18.283. Nos poderes Legislativo e
Judiciário, os salários de advogados que estão começando são ainda mais altos:
cerca de R$ 30 mil por mês.
Para
completar, além dos salários astronômicos e dos penduricalhos, os funcionários
públicos também gozam estabilidade de emprego.
E tudo
isso bancado pelos impostos pagos por quem trabalha e produz riqueza — e,
consequentemente, ganha bem menos.
O
trabalhador do setor privado, que é quem produz e é tributado para sustentar
toda essa farra — não houvesse trabalhador do setor privado, não haveria
salário para funcionalismo público —, tem uma renda média de R$ 2.100 por mês.
A
injustiça causada pelo estado não poderia ser mais fragorosa: todos os
privilégios do setor público são bancados por impostos e endividamento do
governo, os quais são integralmente pagos pela iniciativa privada, a qual
também é asfixiada pelo governo com
burocracias e regulamentações.
Logo, é
exatamente o setor privado quem sustenta essa farra do setor público. Daí os
baixos salários pagos na iniciativa privada. Toda a carga tributária
existente no Brasil, que impede aumentos salariais na iniciativa privada,
existe exatamente para sustentar o setor público e seus funcionários que ganham
salários magnânimos e vivem à custa dos trabalhadores da iniciativa privada, os
quais ganham pouco exatamente porque têm de bancar os membros do setor público.
As causas
Tentar
estabelecer as causas deste descalabro exigiria um trabalho minucioso e
profundo, algo muito além do escopo deste artigo. A Constituição de 1988, que
concedeu vários "direitos" e nenhum dever ao funcionalismo público —
na versão originalmente aprovada, funcionários públicos se aposentariam com
salário integral e eram isentos de pagar qualquer contribuição previdenciária
—, certamente é esta a raiz.
Mas ela,
por si só, não explica tudo.
Porém,
utilizando a lógica dedutiva, é possível chegar a uma constatação básica: os
sindicatos do funcionalismo público desempenharam um papel fundamental no
aprofundamento deste estado de coisas.
Os
funcionários públicos sempre foram uma categoria extremamente organizada e
combativa na exigência de seus "direitos" (isto é, na pilhagem dos
impostos pagos pela população). Já, eles sempre formaram uma base eleitoral
extremamente influente e poderosa.
Os
funcionários públicos sempre estiveram na base eleitoral do PT, o qual, por sua vez, nunca sequer
escondeu que faz políticas voltadas a agradar
exatamente esta classe.
Adicionalmente,
qualquer político (do PT ou não) que ousar contrariar as exigências dos
sindicatos do funcionalismo público será massacrado pelos sindicatos e não
conseguirá ser reeleito.
A conseqüência
é que este enorme poder exercido pelos sindicatos dos funcionários
públicos significa que são eles que efetivamente exercem o poder de tributar.
Dado que os sindicatos dos funcionários públicos podem facilmente forçar os
políticos a elevar gastos e impostos para que a receita atenda às suas
exigências de privilégios, são eles, e não os eleitores, que controlam o
crescimento dos gastos do governo e da carga tributária dentro da jurisdição
política.
Assim,
funcionários públicos e seus sindicatos se tornaram a perfeita ilustração
daquilo que se convencionou chamar de "tributação sem representação"
(não que a tributação com representação seja muito melhor): o povo
trabalhador paga impostos escandinavos para bancar esta classe e, em troca,
recebe serviços moçambicanos.
Os
sindicatos atuam de várias maneiras para garantir seus privilégios. Por
exemplo, dado que eles estão primordialmente interessados em maximizar suas
receitas, eles utilizam as regulamentações do setor público como ferramenta
para proteger o emprego de absolutamente qualquer burocrata estatal, não
importa o quão incompetente ou irresponsável ele seja. Afinal, quanto
menos burocratas estiverem empregados, menor será o volume das contribuições
pagas aos sindicatos pelos seus membros.
Assim, é
praticamente certo que os sindicatos irão à justiça (também comandada por
funcionários públicos sindicalizados) para recorrer de qualquer tentativa de
dispensa de qualquer funcionário público. Isso significa que demitir um
funcionário incompetente ou mesmo corrupto, por exemplo, pode levar meses, ou
anos, de disputas jurídicas.
Adicionalmente,
os sindicatos dos funcionários públicos também são os paladinos da
"sinecura" — a prática sindical de obrigar o governo a contratar mais
do que o número de pessoas necessárias para fazer algum serviço.
Como no
setor público não há preocupações com lucros e prejuízos, e a maioria das
agências é monopolista, a conta é simplesmente repassada aos pagadores de
impostos. Sinecuras no setor público são vistas como
um benefício tanto para os políticos quanto para os sindicatos — mas
certamente não para os pagadores de impostos. Os sindicatos auferem mais
receitas quando há um maior número de burocratas empregados, e os políticos
ganham a simpatia dos sindicatos por terem nomeado ou permitido a contratação
de mais funcionários públicos.
Cada
emprego criado desta forma geralmente significa dois ou mais votos, dado que o
burocrata sempre poderá arrumar para o político o voto de pelo menos um membro
da família ou de um amigo próximo.
Por tudo
isso, cada sindicato de funcionários públicos é uma máquina política de fazer
uma implacável e inflexível pressão por maiores impostos, maiores gastos
governamentais, mais sinecuras e mais promessas de generosas pensões.
E a
fatura vai integralmente para a população.
Conclusão
Já era
passada a hora de esta trágica questão se tornar mainstream e ser
abordada abertamente pelos meios de comunicação. Felizmente, está havendo uma
maior disseminação da informação e, pela primeira vez, há alguma chance de algo
ser efetivamente feito contra esse descalabro.
No
entanto, a grande massa dos pagadores de impostos parece ainda não ter se dado
conta de que eles, na realidade, são os escravos — e não os mestres — do
governo em seus três níveis. A questão é saber até quando permanecerão neste
estado de ignorância. As pesquisas eleitorais — a estarem corretas — mostram
que eles estão dispostos a aceitar mais desse arranjo.
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