Carlos E.Cué – Ramiro Barreiro
(*)
Congresso debatia mudança
legislativa mais importante e polêmica do presidente Macri
A Argentina volta a uma
das suas mais arraigadas tradições: a
rua manda na política. A tensão em torno dareforma
previdenciária, a mais importante e polêmica das mudanças promovidas até
agora por Mauricio
Macri, provocou grandes incidentes diante do Congresso e uma enorme
confusão dentro do hemiciclo, o que levou finalmente à suspensão da sessão.
Macri tinha os votos para levar a reforma adiante, mas a combinação das imagens
de grande violência nas ruas, com tiros de balas de borracha e bombas de gás
lacrimogêneo, e os empurrões e gritos no Congresso, levaram a uma derrota
inesperada do Governo que tentará aprovar a reforma na próxima semana.
O mês de
dezembro, em pleno verão austral antes das férias, é o momento histórico de
tensão social na Argentina. Nesse mêsaconteceu
a crise de 2001, quando ao grito de “fora todos” e em pleno corralito(retenção
dos depósitos bancários) houve cinco presidentes diferentes em duas semanas e
38 mortos nas ruas. Neste mês de dezembro de 2017, muito diferente daquele,
Macri não está nem perto de sofrer uma crise semelhante, ao contrário,cada
vez tem mais apoio político, mas a tensão explodiu como nunca havia
acontecido em seus dois anos de mandato e nem sequer os 1.500 policiais que
mobilizou para proteger o Congresso puderam evitar essa derrota política
temporária que supõe suspender a sessão.
O debate
da reforma previdenciária terminou com incidentes graves nos arredores do
Congresso que deixaram feridos não só entre os manifestantes, mas também entre
deputados da oposição que tinham vindo em solidariedade a eles. As investidas
da polícia foram indiscriminadas e atingiram até mesmo alguns parlamentares.
Pelo menos dois foram atendidos na enfermaria do Congresso, algo inédito.
A
oposição exigiu aos gritos a suspensão da sessão diante dos incidentes que
estavam acontecendo fora. Em um momento particularmente dramático, a deputada
Victoria Donda, filha
de desaparecidos que foi roubada dos pais logo depois do nascimento em
cativeiro na ESMA, com a perna engessada por causa de uma pancada recebida
em outra investida policial no dia anterior, pediu ao presidente, Emilio Monzó,
que paralisasse os trabalhos. Mas o presidente, um homem de confiança de Macri,
recusou-se porque acreditava ter os votos dos 129 deputados necessários, alguns
deles peronistas. Alguns parlamentares kirchneristas se aproximaram da mesa do
presidente e, aos empurrões, começaram a tentar impedir a abertura da sessão.
Chegaram até a dar um tapa no microfone.
As telas
de televisão de todo o país se dividiram em duas: de um lado a batalha campal
entre a polícia e os manifestantes; de outro a guerra à base de empurrões e
gritos dentro do Congresso para paralisar a importantíssima sessão, que deveria
aprovar a reforma. Esta implica em
um ajuste nas aposentadorias, mas ninguém tem claro suas dimensões, porque
depende muito da inflação, sempre imprevisível no país com a economia mais descontrolada
da América depois da caótica Venezuela.
Os
parlamentares da oposição insistiram que a sessão não poderia ser iniciada
enquanto havia alguns membros feridos por causa da violência policial que
estavam impossibilitados de comparecer. “Estão aqui atrás”, argumentou Monzó,
em referência ao salão que existe ao lado do plenário. Tudo isso em meio a um
enorme caos que lembrava outras épocas do país. Finalmente Monzó se rendeu e,
depois de um pedido da deputada governista Elisa Carrió, decidiu suspender a
sessão. “Ganharemos a votação, será nesta semana, ou na outra. Não assustem
mais as pessoas”, gritou ela.
Apesar
desse fracasso, a realidade política é que Macri agora tem muito mais apoio do
que tinha há dois anos. Acaba de ganhar as eleições legislativas e, embora
continue em minoria no Congresso, tem o apoio de vários governadores peronistas
com os quais negociou apoio ao projeto em troca de outras medidas em favor de
suas regiões. O paradoxo é que Macri controla o Parlamento mais do que nunca, mas
parece que a oposição kirchnerista e de alguns dos principais sindicatos
decidiu ir às ruas. E lá conseguiu torcer-lhe o braço, pelo menos por enquanto.
“Votaram
em nós para discutirmos aqui sentados e pedindo a palavra, os gritos e a
agressividade não são democráticos”, berrava o macrista Nicolás Massot. Mas era
quase impossível ouvi-lo entre o escândalo que faziam seus colegas. Na
terça-feira, a comissão prévia a esta sessão plenária já tinha acabado aos
socos e aos gritos. Mas tensão aumentou e mais de 1.500 policiais blindaram o
Congresso nesta quinta-feira para impedir que os manifestantes se aproximassem.
Voltaram as imagens de máscaras de gás e caminhões com jatos d’água que não
eram vistas há 15 anos na Argentina.
“Esse
projeto prejudica os aposentados, não têm os números, não continuem passando
vergonha”, clamou a peronista oposicionista Graciela Camaño. “Chega de vergonha
democrática, que se suspenda a sessão”, gritou outro peronista enquanto vários
cantavam o hino nacional. Do lado de dentro era possível escutar os tiros das
armas dos policiais que atiravam com balas de borracha nos manifestantes, algo
inédito em outros países mas que na Argentina aconteceu muitas vezes no
passado. E isso aconteceu apenas algumas horas depois do encerramento da cúpula
da OMC, o debute internacional de Macri, na qual quis demonstrar o retorno da
Argentina ao mundo.
O que
parece difícil é que com estas imagens Macri e sua equipe, que estão em um
momento político positivo, consigam convencer os cidadãos de que a reforma
favorece os aposentados.
EL PAÍS
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: quando Macri assumiu, e cumprindo
promessa de campanha, seriam demitidos 150.000 funcionários públicos. Este
mesmo pessoal (minoria) que agora conseguiu transferir a votação da Reforma da
Previdência deles, fizeram a mesma baderna, conseguindo no final, que o número se
reduzisse a 13.000.
Governos populistas incham as folhas
de pagamento do setor público, num desrespeito ao contribuinte. Se alguém
tentar consertar a situação, tem que em primeiro lugar enfrentar os defensores
da parasitagem, uma minoria barulhenta e violenta, que não mede conseqüências
para manter seus empregos sem trabalho. Isto
sim é que é injustiça.
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