Javier Salas
Desde
que sabemos que o homem é o lobo do homem, as metáforas animais para descrever
a política humana tiveram grandes marcos, como os líderes machos alfa, os
enfrentamentos entre falcões e pombos ou os porcos daRevolução
dos bichos. E os especialistas emcomportamento de
animais não deixam de oferecer oportunidades para popularizar novas.
Por exemplo, ficaria bem dizer que “na Europa votam como os mabecos”? E que tal
dizer que “esse conselho de acionistas funciona como uma reunião de cachorros
selvagens”?
Os
mabecos, uma espécie selvagem da família doscachorros que vive na
África, são animais muito sociáveis que saem em grupo para caçar. Como em
bandos de outras espécies, os mabecos contam com líderes que, depois de
capturarem a presa, conquistam a hierarquia que lhes permite alimentar-se antes
dos demais. Mas os mabecos, considerados os canídeos mais sociáveis e os de
maior êxito nas caçadas, desenvolveram um sistema muito peculiar para impedir
que o poder absoluto dos membros dominantes do grupo se imponha.
Os
cientistas que os estudam em Botsuana se perguntaram durante muito tempo quais
seriam os mecanismos ativados nas vibrantes reuniões que congregam os mabecos
antes de começarem a se movimentar em grupo ou saírem para caçar. Essas
reuniões, qualificadas por eles de “energéticas” e “altamente ritualizadas”, têm
uma importância social enorme, porque servem para representar a unidade como
bando desses cachorros selvagens africanos. Mas havia um mistério que intrigava
os pesquisadores que acompanham seu comportamento: apenas um terço das reuniões
terminam com o grupo saindo, e não se sabia explicar por que isso acontecia.
Os
cientistas da Botswana Predator Conservation Trust monitoraram exaustivamente
68 desses encontros, em cinco bandos diferentes, para chegar a esses sinais
ocultos. E depois de revisar as gravações e cruzar dados com o resultado das
reuniões, surgiu uma conclusão que, dizem, lhes pareceu inacreditável. Os
mabecos se reúnem em forma de assembleia: votam se estão de acordo com partir
ou se preferem ficar mais tempo ali.
O
sistema de votação usado é o que os humanos chamam de voto aberto (não
respeitam as garantias que oferece o voto secreto), mas um tanto peculiar: com
uma forte exalação pelo nariz, um tipo de espirro sonoro, que serve para
manifestar sua posição. De todos os gestos e circunstâncias que acontecem
nessas reuniões rituais na quais se cumprimentam, correm juntos, grunhem e
levantam nuvens de pó, só o número de espirros ouvidos em uma reunião
era indicativo de seu resultado. Já se tinha notícia de que outros canídeos,
como coiotes, cães
domésticos e chacais, arfam, roncam e bufam para se comunicar.
Votam,
sim, mas não é um sistema de sufrágio universal no qual a cédula espirrada por
um valha igual para todos. Essas assembleias começam quando um membro da manada
a convoca, com gestos ritualizados (cabeça baixa, boca aberta e orelhas
dobradas para trás) que podem ser traduzidas como “proponho que comecemos a
andar”. E não é a mesma coisa se quem sugere é alguém com alta patente na
hierarquia social ou um dos mabecos que não tem direito a comer como os
primeiros.
“Descobrimos
que a probabilidade de sucesso de uma reunião aumenta conforme a hierarquia de
quem a inicia, e exige-se mais espirros dos iniciadores de menor patente para
que tenham sucesso”, afirmam os autores do estudo publicado na revista científica Proceedings of the Royal
Society B. Como dizem os cientistas políticos, os mabecos dominantes
do bando têm mais poder de barganha, mas esse sistema de votação oferece um
contrapeso político para que nem sempre imponham seu critério (falham um quarto
das vezes) e para que a classe baixa mabeca possa ter sucesso em suas
convocatórias.
Democracia animal e ciências sociais
“Quando
o macho e a fêmea dominantes estavam envolvidos na reunião, o bando só teve de
espirar algumas vezes para que se movessem”, explica a primeira autora do
estudo, Reena Walker, da Brown University, em uma nota. “No entanto, se o casal
dominante não estava envolvido, eram necessários mais espirros para que a
manada caminhasse”, explica Walker. Na verdade, um mabeco qualquer precisava do
triplo de votos favoráveis do casal alfa. Algo assim como o voto ponderado
dos países da União
Europeia, que exige uma maioria qualificada no Conselho para tomar as
decisões. Se Alemanha e França agem como casal dominante, têm grandes
possibilidades de prevalecer, mas a aritmética permite que os países menores
vençam pelo número.
“Em
conjunto, esses dados sugerem que os cachorros selvagens usam uma vocalização
específica (o espirro) junto com um mecanismo de quórum variável no processo de
tomada de decisões”, concluem os pesquisadores. Os mabecos não são os únicos
animais que votam. Os gorilas de montanha se valem de um sistema parecido, usando
grunhidos, para optar por deixar o ninho. Os suricatas também precisam que haja
quórum para que todo o grupo decida se mover em busca de comida, do mesmo modo
que os sinais das abelhas melíferas e os trinados dos macacos-prego são
necessários para que haja saídas coletivas.
A mesma
revista científica que publica esses resultados dedicou uma monografia há alguns anos para comparar o
sistema de tomada de decisões de um grupo de humanos e do resto dos animais. Em
suas conclusões, afirmava que a observação que mais chama a atenção é que nessa
área das ciências naturais estavam “reinventando a roda” que os cientistas
sociais já conheciam há tempos. “Muitos conceitos e ferramentas matemáticas que
estiveram disponíveis de forma avançada e sofisticada nas ciências sociais
durante um tempo estão sendo redescobertos, às vezes de forma ligeiramente
diferente, pelos naturalistas”, afirma na publicação da Royal Society, propondo
que os especialistas em animais se deixem ajudar por sociólogos, porque as
semelhanças são importantes.
EL PAÍS
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