Cristiano Romero
Esquema de corrupção da Petrobras
foi criado por técnicos de carreira
Quando é
indagado sobre as causas da corrupção no Brasil, o juiz Sérgio Moro costuma
dizer que o mal está no loteamento político dos cargos de direção das estatais,
das autarquias e da administração direta. É fato que, sim, o loteamento existe
para sustentar politicamente as forças que governam o país. Na ausência de
partidos fortes, cargos. Mas a ocupação de espaços na administração direta e
indireta não explica, sozinha, a roubalheira que, erradamente, atribuímos a um
desígnio exclusivo do Brasil.
Observe-se
o caso da Petrobras, do qual trata Sérgio Moro há mais de três anos e que se
transformou no símbolo da malversação de dinheiro público na história do país:
o mega-esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato, que já
resultou na condenação de 177 indivíduos, foi montado originalmente por
funcionários de carreira da estatal e não por pessoas indicadas por políticos.
Incentivados
por padrões absolutamente lenientes de governança, diretores e gerentes da
Petrobras perceberam que era muito fácil desviar recursos da empresa que, na
primeira metade deste século, inflada por uma política de gigantismo estatal
irresponsável e danosa ao erário, orgulhava-se de tocar o maior programa de
investimento corporativo do planeta - claro, às custas do Tesouro Nacional, que
apenas em 2010 despejou na companhia, em recursos obtidos por meio de
endividamento, R$ 51 bilhões, isto sem falar de centenas de bilhões de reais de
dívida emitida para viabilizar os empréstimos subsidiados do BNDES a empresas
como a Petrobras, a maior tomadora desses recursos.
Muito
bem remunerados e tratados a pão de ló pelo Estado brasileiro, técnicos da
petrolífera montaram esquema cinematográfico de desvio de recursos, expondo à
sociedade a fragilidade dos sistemas estatais de controle. Como tanto dinheiro
foi desviado por tão longo tempo sem que nenhum dos órgãos de controle
percebesse? No fundo, o escândalo da Petrobras, com bilhões de reais desviados
para os bolsos de funcionários, políticos e empresários desonestos, escancarou
uma verdade nua e crua: a simples existência de uma empresa estatal é motivo
suficiente para se esperar a ocorrência de malfeitorias com dinheiro público.
Políticos
corruptos entram em esquemas como o da Petrobras no momento seguinte ao da sua
criação - para que funcionários de carreira continuem ocupando cargos
estratégicos, necessários à manutenção do sistema de desvios, é preciso ter
pistolão em Brasília. Quando o funcionário de carreira Paulo Roberto Costa foi
nomeado diretor de Abastecimento da Petrobras, nos corredores do Congresso o
que se negociava era qual seria o partido, da base de apoio ao governo do então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o adotaria como afilhado político.
A
"filiação" política foi definida, portanto, depois da efetivação do
técnico no cargo. Ora, os caminhos do esquema de corrupção já tinham sido
esquadrinhados, antes da designação, portanto, daquele cargo ao PP, o partido
que oficialmente bancou a indicação de Paulo Roberto, o primeiro delator da
Lava-Jato.
Não se
trata aqui de afirmar que a corrupção nasce entre os técnicos e os políticos
apenas tiram proveito disso. Na verdade, a corrupção é um incentivo
"irresistível" em instituições estatais como a Petrobras. A maior
prova disso foi dada pelo próprio Paulo Roberto em depoimento a uma Comissão
Parlamentar de Inquérito.
Técnico de carreira, que
ingressou na Petrobras por meio de concurso e lá ascendeu por mérito, ele disse
que, quando foi nomeado diretor, percebeu que não ficaria imune aos esquemas de
corrupção. E declarou, então, ter se arrependido de ter assumido o cargo. A
inevitabilidade da corrupção, presente nessa narrativa, é assustadora e faz
pensar.
A razão
por trás do desabafo de Paulo Roberto Costa é uma só: o poder de uma pessoa que
ocupa um cargo dessa natureza é descomunal, maior, inclusive, que o de
presidentes de grandes empresas privadas e mesmo de governadores e prefeitos de
cidades importantes - a discricionariedade na tomada de decisões é
definitivamente maior e dinheiro não falta; ademais, não há, respectivamente,
acionistas e eleitores para o aperrearem. Diante da impunidade que sempre
grassou no país e dos elos que politicamente sustentam os esquemas, o sujeito
se sente intocável.
A
Lava-Jato é uma interessante novidade da história brasileira. Pôs um pouco de
areia na engrenagem que levou grandes empresários a se locupletarem sem medo.
Mas o fato é que, embora tenha aumentado de forma considerável a percepção de
risco em torno dos negócios de empresas privadas com o Estado, o caso não
provocou mudanças institucionais que evitem a corrupção. Não basta ter aparato
para combater as malversações; é preciso reduzir drasticamente os incentivos
existentes para que elas ocorram.
Chegou o
momento de a sociedade brasileira debater a utilidade da existência de tantas
estatais no país - para ser exato, 149 apenas no âmbito federal: 48 sob
controle direto da União e 101, subsidiárias das controladas; do total, 41 são
ligadas à Petrobras, 38 à Eletrobras e 16 ao Banco do Brasil. O que o país
ganha mantendo todas essas empresas sob o manto do Estado?
Por
definição - inclusive, pelas regras de controle que se aplicam às estatais -,
uma empresa do Estado é menos eficiente que sua concorrente do setor privado.
Se é menos eficiente, lucra menos e paga menos impostos. Seu retorno para a
sociedade muitas vezes é muito inferior ao que a sociedade gasta para mantê-la
funcionando.
No
Brasil, funcionários de companhias estatais têm estabilidade no emprego.
Possuem os melhores empregos do planeta: não podem ser demitidos, a não ser por
casos de corrupção; são celetistas, ou seja, mesmo tendo estabilidade no
emprego, recebem FGTS, um fundo criado para indenizar trabalhadores
demissíveis; gozam de benefícios incomparavelmente mais vantajosos que os da
maioria absoluta dos trabalhadores; aposentam-se com vencimento integral porque
as empresas mantêm esquemas generosos de patrocínio dos fundos de pensão.
Há
alguma explicação plausível para o Brasil ainda ter cinco bancos federais?
Justiça seja feita, um deles - o Banco do Brasil - possui acionistas privados e
tem hoje boa governança, funcionando em muitos casos - a BB Seguridade é o
melhor exemplo - como um banco privado; mas, se é assim, já pode ser
privatizado. O outro gigante na área de varejo - a Caixa Econômica Federal - tem
capital fechado, logo, é 100% Tesouro e, não por acaso, foi onde políticos
desonestos se fartaram em recentes esquemas de ladroagem.
Valor
Econômico
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