Alexandre Schossler
Eleições presidenciais e
parlamentares dão ares democráticos ao Irã, mas uma complexa estrutura garante
que o poder esteja nas mãos do Líder Supremo e que, na prática, o país seja uma
teocracia islâmica.
A realização de eleições no Irã
sempre chama a atenção para a complexa estrutura de poder da República
Islâmica, que é chamada pela sua liderança de "democracia religiosa".
Um
primeiro aspecto dessa forma peculiar de democracia é que a população pode
eleger o presidente, o Parlamento e os membros da Assembleia dos Peritos. Só
que nem todo mundo pode concorrer a esses cargos, já que as candidaturas
necessitam do aval do Conselho dos Guardiães.
Os
poderes do presidente também são bem mais limitados do que nas
democracias presidencialistas ocidentais, como o Brasil e os Estados Unidos. No
Irã, ele é responsável pela execução das políticas social, externa e econômica,
mas não decide em questões estratégicas, como, por exemplo, o acordo nuclear
com o Ocidente. Somente um iraniano xiita pode ocupar o cargo.
Situação
semelhante é a do Parlamento, composto por 290 deputados. Assim como o
presidente, os mandatos deles são de quatro anos. Só pode concorrer quem tiver
a candidatura aprovada pelo Conselho dos Guardiães, e entre os requisitos estão
a confissão da fé islâmica e um título acadêmico. Cinco assentos são reservados
às minorias religiosas reconhecidas, como judeus e cristãos. O poder do
Parlamento é bem limitado, pois o Conselho dos Guardiães pode tanto
rejeitar leis aprovadas como também declarar inválidas leis já em vigor. Tudo o
que o Parlamento aprova deve ser ratificado pelo Conselho dos Guardiães, que,
como o nome sugere, cuida para que o caráter religioso do Estado seja mantido.
Quando a
divergência entre Conselho dos Guardiães e Parlamento leva a um impasse é chamado
para resolver a situação o Conselho de Discernimento, um órgão composto
por 35 membros, todos indicados pelo Líder Supremo. Em tese, o Conselho de
Discernimento pode impor uma lei aprovada pelo Parlamento mesmo contra a
vontade do Conselho de Guardiães, mas, na prática, tem tomado a posição deste
em casos de impasse.
O
Conselho de Discernimento também assessora o Líder Supremo, que é quem
exerce o poder de fato no Irã e, na prática, é também o chefe de Estado da
República Islâmica. O cargo é vitalício e foi ocupado pelo líder revolucionário
aiatolá Khomeini de 1979 até 1989 e, com a morte deste, passou a ser exercido
pelo aitolá Ali Khamenei. O Líder Supremo indica metade dos 12 membros do
Conselho dos Guardiães (a metade religiosa; a metade técnica, composta por
juristas, é escolhida pelo Parlamento entre candidatos sugeridos pelo chefe do
Judiciário). O Líder Supremo também indica os juristas da corte suprema. Ele é
o comandante em chefe das Forças Armadas e está no comando da Guarda
Revolucionária, que é acionada para resolver conflitos internos. Ele pode
destituir o presidente e tem a palavra final sobre todos os assuntos políticos,
econômicos, culturais e jurídicos. Ele também pode perdoar ou atenuar as penas
de condenados. Ele não se ocupa do dia a dia da política, o que é função do
presidente, e deixa para o Conselho dos Guardiães a tarefa de verificar se as
decisões do Parlamento estão em conformidade com os princípios do islã e com a
Constituição.
Mas quem
escolhe o Líder Supremo em caso de morte? E ele pode ser afastado se estiver
incapacitado de exercer o cargo, por exemplo em caso de doença? O Líder
Supremo é eleito pela Assembleia dos Peritos, que, por sua vez, é eleita pelo
voto direto da população. Porém, só pode concorrer quem tiver a candidatura
aprovada pelo Conselho dos Guardiães. Além disso, todos os 86 membros da
Assembleia dos Peritos são necessariamente clérigos muçulmanos. Em tese, a
Assembleia dos Peritos pode destituir o Líder Supremo, mas na prática isso não
é tão simples, já que todos os seus 86 membros tiveram suas candidaturas
aprovadas pelo Conselho dos Guardiães, e este, por sua vez, tem metade dos
membros indicada diretamente pelo Líder Supremo. De qualquer forma, em caso de
incapacidade, a Assembleia dos Peritos pode optar pelo afastamento do Líder
Supremo.
A coluna
Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas
da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das
notícias que ele recebe no dia a dia.
DW-Deutsche Welle
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