sábado, 20 de maio de 2017

Perversa transferência de renda

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO / ANDRÉ GAMERMAN / RODRIGO ADÃO

Em valores correntes, R$ 1,3 trilhão de impostos pagos por todos os brasileiros foram transferidos para pagar o déficit das aposentadorias dos funcionários públicos federais

O déficit da Previdência dos funcionários públicos (RPPS) federais foi o maior programa de transferência de renda do governo federal entre 2001 e 2015. Neste período, R$ 1,3 trilhão (em valores correntes) de impostos pagos por todos os brasileiros foram transferidos para pagar o déficit financeiro das aposentadorias dos funcionários públicos federais. Isto significa um valor médio de R$ 1,3 milhão para cada um dos servidores federais aposentados ou R$ 86 mil por ano.

Esta enorme transferência de renda foi o custo para os cofres públicos dos 980 mil servidores federais inativos (0,5% da população do país). Ela foi maior que o crescente déficit na Previdência dos 29 milhões de aposentados do setor privado, cujo déficit acumulado no período foi de R$ 936 bilhões.

Também superou qualquer outro item do Orçamento federal no período, exceto o pagamento de juros. Superou os gastos em saúde, e foi 50% superior a todos os gastos com educação. O governo gastou três vezes mais com essas transferências para os servidores aposentados do RPPS do que para os 4,5 milhões de idosos e deficientes que recebem o Benefício de Prestação Continuada e cinco vezes mais do que para as 13,5 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família.

Em 2016, o valor mensal médio do benefício pago aos servidores públicos aposentados foi de aproximadamente R$ 9 mil. Em média, os servidores públicos aposentados estão entre os 2% mais ricos do país. Em outras palavras, têm renda superior a 98% da população. Servidores inativos do Judiciário e Legislativo possuem privilégios ainda maiores, obtendo benefícios que superam a renda de 99,5% dos brasileiros.

Os três últimos presidentes implementaram mudanças no RPPS na direção de torná-lo menos oneroso aos cofres públicos. Essas reformas reduziram os privilégios dos aposentados do setor público, mas foram insuficientes para acabar com o déficit do sistema, porque a maioria das alterações afetou apenas novos servidores. De acordo com previsões do governo federal, sob o regime atual, o sistema permanecerá deficitário até 2090, com um custo acumulado de R$ 1,9 trilhão, em valores de hoje.

A proposta de reforma em discussão igualará as regras de acesso à Previdência de servidores federais e trabalhadores do setor privado. A reforma também acaba com integralidade e paridade, uma das maiores generosidades do RPPS, para uma parcela dos servidores. Porém, os benefícios pagos não serão equalizados, e somente os servidores que ingressaram no serviço público depois de 2013 terão seus vencimentos limitados pelo teto do INSS. Por isso, nas próximas décadas, a maioria dos servidores se aposentará com rendimentos muito acima daqueles recebidos por trabalhadores da iniciativa privada.

A proposta reduz privilégios, porém, é possível diminuir ainda mais distorções entre os benefícios recebidos por servidores federais inativos e aqueles recebidos pelo resto da população, sem violar direitos adquiridos. O governo poderia definir uma idade mínima de aposentadoria dos servidores maior que a do INSS, aumentar a alíquota da contribuição dos ativos e a dos inativos criada pelo presidente Lula em 2003 ou reajustar as aposentadorias abaixo da inflação temporariamente.

Diminuir a generosidade do sistema de previdência social dos servidores é uma das medidas mais poderosas de redução da enorme desigualdade de renda do país e liberaria recursos no Orçamento para setores fundamentais, como saúde e educação.

José Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão são economistas

O Globo

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