JOSÉ MÁRCIO CAMARGO / ANDRÉ
GAMERMAN / RODRIGO ADÃO
Em valores correntes, R$ 1,3 trilhão
de impostos pagos por todos os brasileiros foram transferidos para pagar o
déficit das aposentadorias dos funcionários públicos federais
O
déficit da Previdência dos funcionários públicos (RPPS) federais foi o maior
programa de transferência de renda do governo federal entre 2001 e 2015. Neste
período, R$ 1,3 trilhão (em valores correntes) de impostos pagos por todos os
brasileiros foram transferidos para pagar o déficit financeiro das
aposentadorias dos funcionários públicos federais. Isto significa um valor
médio de R$ 1,3 milhão para cada um dos servidores federais aposentados ou R$
86 mil por ano.
Esta
enorme transferência de renda foi o custo para os cofres públicos dos 980 mil
servidores federais inativos (0,5% da população do país). Ela foi maior que o
crescente déficit na Previdência dos 29 milhões de aposentados do setor
privado, cujo déficit acumulado no período foi de R$ 936 bilhões.
Também superou
qualquer outro item do Orçamento federal no período, exceto o pagamento de
juros. Superou os gastos em saúde, e foi 50% superior a todos os gastos com
educação. O governo gastou três vezes mais com essas transferências para os
servidores aposentados do RPPS do que para os 4,5 milhões de idosos e
deficientes que recebem o Benefício de Prestação Continuada e cinco vezes mais
do que para as 13,5 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família.
Em 2016,
o valor mensal médio do benefício pago aos servidores públicos aposentados foi
de aproximadamente R$ 9 mil. Em média, os servidores públicos aposentados estão
entre os 2% mais ricos do país. Em outras palavras, têm renda superior a 98% da
população. Servidores inativos do Judiciário e Legislativo possuem privilégios
ainda maiores, obtendo benefícios que superam a renda de 99,5% dos brasileiros.
Os três
últimos presidentes implementaram mudanças no RPPS na direção de torná-lo menos
oneroso aos cofres públicos. Essas reformas reduziram os privilégios dos
aposentados do setor público, mas foram insuficientes para acabar com o déficit
do sistema, porque a maioria das alterações afetou apenas novos servidores. De
acordo com previsões do governo federal, sob o regime atual, o sistema
permanecerá deficitário até 2090, com um custo acumulado de R$ 1,9 trilhão, em
valores de hoje.
A
proposta de reforma em discussão igualará as regras de acesso à Previdência de
servidores federais e trabalhadores do setor privado. A reforma também acaba
com integralidade e paridade, uma das maiores generosidades do RPPS, para uma
parcela dos servidores. Porém, os benefícios pagos não serão equalizados, e
somente os servidores que ingressaram no serviço público depois de 2013 terão
seus vencimentos limitados pelo teto do INSS. Por isso, nas próximas décadas, a maioria dos
servidores se aposentará com rendimentos muito acima daqueles recebidos por
trabalhadores da iniciativa privada.
A
proposta reduz privilégios, porém, é possível diminuir ainda mais distorções
entre os benefícios recebidos por servidores federais inativos e aqueles
recebidos pelo resto da população, sem violar direitos adquiridos. O governo
poderia definir uma idade mínima de aposentadoria dos servidores maior que a do
INSS, aumentar a alíquota da contribuição dos ativos e a dos inativos criada
pelo presidente Lula em 2003 ou reajustar as aposentadorias abaixo da inflação
temporariamente.
Diminuir
a generosidade do sistema de previdência social dos servidores é uma das
medidas mais poderosas de redução da enorme desigualdade de renda do país e
liberaria recursos no Orçamento para setores fundamentais, como saúde e
educação.
José
Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão são economistas
O Globo
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