Editorial
As concessões na primeira rodada de
negociações desidrataram o projeto, mas ele continua a apontar para a direção
certa; importante é evitar novos recuos
Passada
a primeira fase de negociações, em comissão especial na Câmara, a reforma da
Previdência chega desidratada para o teste de plenário, onde será votada em
dois turnos. Depois das concessões feitas pelo governo, ficou aquém da
necessidade de uma mudança profunda no quadro fiscal do país. Mas, de qualquer
forma, o projeto continua a apontar para a direção correta.
Principalmente,
devido à fixação de idades mínimas de 65 anos para homem e 62 para mulheres,
como pré-condição ao pedido de aposentadoria. Assim, estancam-se as
aposentadorias precoces, permitidas pela regra da concessão do benefício por
tempo de contribuição: 35 anos, no caso dos homens; 30, das mulheres.
Resulta
que é muita baixa a média de idade dos que se aposentam, na faixa dos 58 anos.
E como a sobrevida do beneficiário hoje ultrapassa os 80 anos, e há cada vez
proporcionalmente menos jovens para financiar o sistema de seguridade com as
suas contribuições, os déficits se tornaram, há algum tempo, insustentáveis.
Embora
haja regras de transição, cujo efeito nas contas públicas será a distribuição
em um prazo longo dos ganhos da reforma, o projeto, mesmo agora, consegue
definir um horizonte fiscal melhor para o país. Mas é certo que será necessária
nova rodada de ajustes nas aposentadorias e pensões, em algum tempo.
Embora
reconheça-se que Lula e Dilma avançaram na modernização da seguridade dos
servidores públicos — mas também não o suficiente —, os dois presidentes
lulopetistas lavaram as mãos diante da desestabilização estrutural do Regime
Geral (INSS), e ainda foram responsáveis por uma política econômica ruinosa,
antecipando a debacle fiscal. Por isso, a reforma tem sido feita com as contas
públicas em estado de emergência.
Os
pontos frágeis da reforma — decorrentes de recuos forçados por grupos
privilegiados da sociedade e corporações, sindicais e outras, de dentro e de
fora da máquina do Estado — servem como pauta para a futura rodada de mudanças,
a fim de que o sistema da Previdência não volte ao ponto atual.
O
tratamento igualitário de homens e mulheres, como era proposto, precisa ser
novamente tentado. Assim como a redução das enormes e injustas disparidades
entre servidores públicos e empregados do setor privado. Isso também foi
tentado, mas em vão. Precisa continuar a ser perseguida a subordinação de todos
ao Regime Geral, criando se fundos de complementação de aposentadoria, como
estabelecido para os servidores nomeados a partir de 2003. Há, ainda, muito a se fazer no universo de aposentadorias ditas
especiais, outro fator de disseminação de injustiças sociais.
Numa
visão otimista, entende-se que, enfim, começou uma reforma atrasada em anos.
Mas é essencial evitar novos recuos. Calcula-se que dos R$ 800 bilhões
estimados de economia em dez anos, as concessões já subtraíram R$ 200 bilhões.
Está no limite.
O Globo
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