Vittorio Medioli
Quando
entrei na Câmara dos Deputados pela primeira vez, em 1991, lá encontrei figuras
que despertavam respeito e admiração pelo preparo, pela formação acadêmica,
pela capacidade de enxergar o interesse nacional acima de qualquer outro.
Não era
certamente um conclave de santos representando o povo do Brasil, mas havia
erudição, discernimento, bagagem intelectual e, ainda, respeito com a coisa
pública.
Havia
corrupção em grau não perceptível e interesses velados, que na atualidade
seriam considerados troco na conta do restaurante.
Quando
saí de lá, em 2006, por decisão pessoal, o fiz deixando atrás um cenário que
tinha-se degenerado assombrosamente. Ficaram mais raras as figuras de destaque
ético e intelectual; já pululavam mensaleiros, aqueles movidos a vantagens e
barganhas ilícitas.
Estive
recentemente naquela Casa e notei que a inarredável decadência ultrapassou os
limites imagináveis. As virtudes praticamente estão a um passo da extinção,
enquanto os pecados e vícios são soberanos. Lá, mais que pessoas dispostas a
servir a nação, encontram-se figuras que se servem da nação, tendência comum
aos Poderes Executivos centrais e periféricos. Abusa-se de prerrogativas e
pratica-se o patrimonialismo mais abjeto; a locupletação foi escancarada pela
Lava Jato. A devassa em curso tirou as cortinas e os biombos do “poder”. Jogou
nos lares do país as vantagens, os ganhos ilícitos e insaciáveis,
incompatíveis, e criminosos considerando os amplos bolsões de pobreza e a falta
de recursos para atender os serviços minimamente essenciais.
Lula
queixava-se dos deputados em Brasília, que definiu como “300 picaretas” na
década de 90. Os oito anos de governo dele coincidiram certamente com um
aumento para 400 ou mais que merecem a definição imortalizada pelo
ex-presidente. Salvam-se poucos, nitidamente insuficientes para garantir a
eficiência da instituição representativa da “democracia”.
Lembro-me
de que o salário, no período de Itamar Franco, quando os ministros, ao mínimo
aceno de irregularidade, eram afastados para responder a sindicância e se
defender, estava abaixo de R$ 9.000. A verba de assessores, despesas de
gabinete e viagens não passava de R$ 25 mil por mês. Poucos parlamentares
possuíam carro, raríssimos o motorista, eram atendidos por “Veraneios” da
Câmara, que atuavam em regime de “lotação”. Hoje o custo da instituição subiu
desmedidamente, provavelmente proporcionalmente à queda de qualidade do
conjunto presente na “Casa”.
O
aumento de remuneração, supostamente voltado a dar “autonomia financeira” aos
parlamentares, na prática não serviu, e ocorreu com uma profunda decadência
ética no Legislativo federal, atrelada à mesma decadência nas instâncias
executivas estaduais e municipais.
O
escritor escocês Robert Louis Balfour Stevenson anotou que “a política talvez
seja a única profissão em relação à qual se considera que nenhuma formação
prévia é necessária”. Aí está o causador do problema.
No
Brasil quem trabalha não costuma ter tempo algum para dedicar ao meio político,
dessa forma o ambiente ficou restrito, com raras exceções, a quem faz da
política sua profissão e se esquece da missão, do sacerdócio, que “in tesi” é a
finalidade de quem atua nessa seara.
Brasília
(DF) é uma ilha da fantasia, surreal, cínica, afastada da realidade nacional,
registra a maior renda per capita, 36,4% superior à de São Paulo e exatamente o
dobro da de Minas Gerais, ainda seis vezes superior àquela do Estado de
Maranhão, o mais atrasado do país, juntamente com Alagoas.
O Estado
do Maranhão teve ministros, presidentes de estatais, presidentes do Senado e
até presidente da República. Em vão. Com o poder nas mãos, continua o pior do
ranking, enquanto seus representantes políticos ditam lei no Congresso.
Se fosse
possível passar por um “espectrofotômetro político“ os elementos que formam o
ambiente dominante em Brasília, se dariam as cores da ignorância e corrupção e
do descaso com o sofrimento da população.
Depois
do petrolão, aparecem agora os desvios do BNDES e a fórmula que os regia. Os
pagamentos das propinas eram no exterior, e a maior fatia para os presidentes
da República, que, segundo Joesley Batista, receberam da JBS R$ 500 milhões
(US$ 150 milhões) em contas no exterior. E Obebrecht e demais grupos? Mais de
R$ 10 bilhões?
Num
ambiente tão perverso qualquer moralização drástica e urgente é bem-vinda.
Jornal O Tempo
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