terça-feira, 30 de maio de 2017

A decadência

Vittorio Medioli

Quando entrei na Câmara dos Deputados pela primeira vez, em 1991, lá encontrei figuras que despertavam respeito e admiração pelo preparo, pela formação acadêmica, pela capacidade de enxergar o interesse nacional acima de qualquer outro.

Não era certamente um conclave de santos representando o povo do Brasil, mas havia erudição, discernimento, bagagem intelectual e, ainda, respeito com a coisa pública.

Havia corrupção em grau não perceptível e interesses velados, que na atualidade seriam considerados troco na conta do restaurante.
Quando saí de lá, em 2006, por decisão pessoal, o fiz deixando atrás um cenário que tinha-se degenerado assombrosamente. Ficaram mais raras as figuras de destaque ético e intelectual; já pululavam mensaleiros, aqueles movidos a vantagens e barganhas ilícitas.

Estive recentemente naquela Casa e notei que a inarredável decadência ultrapassou os limites imagináveis. As virtudes praticamente estão a um passo da extinção, enquanto os pecados e vícios são soberanos. Lá, mais que pessoas dispostas a servir a nação, encontram-se figuras que se servem da nação, tendência comum aos Poderes Executivos centrais e periféricos. Abusa-se de prerrogativas e pratica-se o patrimonialismo mais abjeto; a locupletação foi escancarada pela Lava Jato. A devassa em curso tirou as cortinas e os biombos do “poder”. Jogou nos lares do país as vantagens, os ganhos ilícitos e insaciáveis, incompatíveis, e criminosos considerando os amplos bolsões de pobreza e a falta de recursos para atender os serviços minimamente essenciais.

Lula queixava-se dos deputados em Brasília, que definiu como “300 picaretas” na década de 90. Os oito anos de governo dele coincidiram certamente com um aumento para 400 ou mais que merecem a definição imortalizada pelo ex-presidente. Salvam-se poucos, nitidamente insuficientes para garantir a eficiência da instituição representativa da “democracia”.

Lembro-me de que o salário, no período de Itamar Franco, quando os ministros, ao mínimo aceno de irregularidade, eram afastados para responder a sindicância e se defender, estava abaixo de R$ 9.000. A verba de assessores, despesas de gabinete e viagens não passava de R$ 25 mil por mês. Poucos parlamentares possuíam carro, raríssimos o motorista, eram atendidos por “Veraneios” da Câmara, que atuavam em regime de “lotação”. Hoje o custo da instituição subiu desmedidamente, provavelmente proporcionalmente à queda de qualidade do conjunto presente na “Casa”.

O aumento de remuneração, supostamente voltado a dar “autonomia financeira” aos parlamentares, na prática não serviu, e ocorreu com uma profunda decadência ética no Legislativo federal, atrelada à mesma decadência nas instâncias executivas estaduais e municipais.

O escritor escocês Robert Louis Balfour Stevenson anotou que “a política talvez seja a única profissão em relação à qual se considera que nenhuma formação prévia é necessária”. Aí está o causador do problema.

No Brasil quem trabalha não costuma ter tempo algum para dedicar ao meio político, dessa forma o ambiente ficou restrito, com raras exceções, a quem faz da política sua profissão e se esquece da missão, do sacerdócio, que “in tesi” é a finalidade de quem atua nessa seara.

Brasília (DF) é uma ilha da fantasia, surreal, cínica, afastada da realidade nacional, registra a maior renda per capita, 36,4% superior à de São Paulo e exatamente o dobro da de Minas Gerais, ainda seis vezes superior àquela do Estado de Maranhão, o mais atrasado do país, juntamente com Alagoas.

O Estado do Maranhão teve ministros, presidentes de estatais, presidentes do Senado e até presidente da República. Em vão. Com o poder nas mãos, continua o pior do ranking, enquanto seus representantes políticos ditam lei no Congresso.

Se fosse possível passar por um “espectrofotômetro político“ os elementos que formam o ambiente dominante em Brasília, se dariam as cores da ignorância e corrupção e do descaso com o sofrimento da população.

Depois do petrolão, aparecem agora os desvios do BNDES e a fórmula que os regia. Os pagamentos das propinas eram no exterior, e a maior fatia para os presidentes da República, que, segundo Joesley Batista, receberam da JBS R$ 500 milhões (US$ 150 milhões) em contas no exterior. E Obebrecht e demais grupos? Mais de R$ 10 bilhões?

Num ambiente tão perverso qualquer moralização drástica e urgente é bem-vinda.


Jornal O Tempo

Nenhum comentário: