Claudia Safatle
Sucessor
terá que decidir como cumprir o teto do gasto
A
aprovação da reforma da Previdência não esgota o corte de despesa necessário ao
cumprimento do teto do gasto público. O governo que assumir em 2019 terá que
decidir se e como vai obedecer o limite de gasto imposto pela lei do teto, que
congela as despesas públicas em valores reais por pelo menos dez anos. E não
escapará de medidas duras e impopulares. Estará em jogo, muito provavelmente, a
existência do abono salarial, a integridade dos benefícios sociais e despesas
obrigatórias tais como existem hoje.
Sem a
reforma da Previdência, o teto se inviabiliza em 2020. Com a reforma sugerida
pelo Executivo, ele ganha sobrevida de dois anos, tornando-se inexecutável em
2023, conforme os cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgados
nesta semana. A PEC da previdência que já foi aprovada na Comissão da Câmara,
porém, não é mais a que foi sugerida pelo governo. Concessões foram feitas, o
que pode encolher esses prazos.
A
discussão sobre como será a política fiscal nos próximos 10 a 20 anos - tempo
de alcance da lei do teto - já está em curso. Há quem considere que o futuro
governo terá que continuar avançando nas mudanças na previdência, tal como
fizeram as três últimas administrações (de FHC, Lula e Dilma).
O
economista Manoel Pires, do Ibre/FGV, que trabalhou no Ministério da Fazenda na
gestão de Dilma Rousseff, tem avaliação parecida com a do IFI sobre a
dificuldade de cumprimento do teto do gasto. Ele sugere que a agenda de
reformas a partir de 2019 se volte para a despesa de pessoal que é, depois das
contas da seguridade social, a que mais pesa no orçamento da União. E um dos
aspectos desta seria rever os critérios de estabilidade do funcionalismo
público.
Outra
proposta que ele indica é racionalizar os programas em duplicidade. Hoje, por
exemplo, há dois programas para atenuar o desemprego: o seguro-desemprego, que
consome cerca de R$ 40 bilhões por ano, e o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço). Na assistência social, também vigoram os benefícios de prestação
continuada (com a Lei Orgânica de Assistência Social, Loas) e o Bolsa Família,
ambos com função semelhante.
Pires
considera prematura a ideia de novas etapas reformistas na seguridade social
até porque não está claro o efeito que a PEC 287, se aprovada pelo Congresso,
terá ao longo de sua implementação. Ele antevê, inclusive, sérios problemas na
proposta que foi aprovada na comissão da Câmara esta semana. Um deles é o risco
de judicialização pela inexistência de uma regra de transição para o cálculo
dos benefícios, embora ela exista para se ter acesso à aposentadoria.
A
combinação da lei do teto do gasto com a rigidez do orçamento levará as contas
públicas a um estrangulamento do que o IFI denominou "margem fiscal".
Estimada em R$ 114 bilhões entre custeio e investimentos, equivalente a 9% dos
gastos sujeitos ao teto, a margem fiscal é uma medida do que poderia ser reduzido
da despesa discricionária para atender ao crescimento paulatino do gasto
obrigatório. Mas, para que a administração pública não entre em total colapso,
sem conseguir pagar as contas de energia, água, material de consumo, serviços
terceirizados, investimentos, limpeza e conservação e aluguéis de imóveis,
dentre outros, há uma parcela dessa margem que é incomprimível. O mínimo que o
Estado precisa para se manter é calculado em cerca de R$ 70 bilhões.
Sem
reforma da Previdência, cujo crescimento vegetativo do gasto é de 3,4% ao ano,
em 2019 as contas esbarram nesse mínimo e em 2022 a margem fiscal fica
negativa. Com a reforma, que reduz o crescimento vegetativo para cerca de 2,5%
ao ano, atinge-se o mínimo em 2021 e no ano seguinte a margem estará bem
abaixo, em torno de R$ 50 bilhões.
No
processo de ajuste fiscal o investimento é, em geral, o mais sacrificado. Ele
corresponde a praticamente metade da margem fiscal hoje existente. Com o avanço
do gasto obrigatório sobre essa parcela do orçamento, o risco é de o Estado não
ter mais dinheiro algum para investir. Hoje o investimento é do mesmo tamanho
que era em 2004.
Tudo
indica que ainda por um bom tempo a questão fiscal estará no centro do debate
macroeconômico. Aproxima-se o momento de se rediscutir a natureza do gasto
obrigatório e temas tabus, como a estabilidade generalizada para o servidor
público. A despesa total ainda não cabe na receita extraída do contribuinte. E
pior: será preciso um milagre para que o contribuinte não venha a ser chamado
pelo governo a pagar mais impostos. Além do teto do gasto o governo terá que
cumprir, também, alguma meta de superávit primário para reduzir a dívida
pública bruta que, por enquanto, é crescente como proporção do PIB.
O Banco
Central já enviou ao Palácio do Planalto proposta para que a Presidência da
República lhe transfira a competência para decidir sobre a operação de bancos
estrangeiros no país. Hoje é da alçada do presidente Michel Temer definir se é
do interesse nacional autorizar um banco estrangeiro a se instalar no Brasil, o
que deixa o país fora do padrão das demais nações que dão essa atribuição aos
seus bancos centrais.
Para
isso, basta uma portaria do Palácio do Planalto delegando ao Banco Central a
tarefa de autorizar a operação de instituições estrangeiras em território
nacional, assim como já o faz com os bancos nacionais.
Embora
não exista uma forte demanda de bancos estrangeiros solicitando autorização do
governo brasileiro para abrir suas operações no país, a exigência de
autorização presidencial para isto é sempre citada como uma lacuna da administração
local pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) e pelo Financial Sector
Assessment Program (FSAP). Este é um mecanismo do Fundo Monetário Internacional
encarregado de analisar, no âmbito do artigo IV do estatuto do FMI, a
resiliência e a qualidade regulatória e de supervisão do setor financeiro dos
países membros. A cada cinco anos o FMI junto com o Banco Mundial fazem uma
avaliação geral do setor financeiro dos países emergentes membros do FMI, e
sugerem mudanças.
A missão
técnica do artigo IV do FMI chegou ao Brasil no dia 8 e fica até o dia 19 de
maio. Este ano também haverá o trabalho conjunto com o Banco Mundial sobre o
sistema financeiro.
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário