Marco Antonio Villa
Na Presidência, ele adotou como lema
ter como princípio não ter princípio, repetindo o método de dirigente sindical
Luiz
Inácio Lula da Silva é um fenômeno político. Disso ninguém pode duvidar.
Afinal, venceu as quatro últimas eleições presidenciais. Hoje, é de
conhecimento público que, especialmente, nas eleições de 2006, 2010 e 2014,
movimentou verdadeiras fortunas comprando aliados antes e durante o período
eleitoral, além de ter efetuado as campanhas publicitárias mais caras da
história eleitoral brasileira. Mas só isso — que já é muito — não justificaria
as quatro vitórias e alguns momentos, como no segundo governo, quando obteve índices
recordes de popularidade.
Como
explicar o sucesso de Lula? É produto dele próprio ou também de características
específicas do Brasil, principalmente após o processo incompleto de
redemocratização? Lula surgiu no mundo político como um líder sindical que
negava a política. Mais do que isso, nas suas primeiras entrevistas, na segunda
metade dos anos 1970, chegou a satanizar a política. Serviu, naquele momento,
para barrar um processo de politização dos sindicatos que os aproximava da
esquerda tradicional, representada pelo Partido Comunista Brasileiro, ou de
correntes à esquerda que tiveram origem em divisões no velho PCB, desde os anos
1960.
Saltando
do mundo sindical para a política partidária, liderou a fundação do Partido dos
Trabalhadores, em 1980. Teve papel marginal nas eleições diretas para os
governos estaduais, em 1982. Para o Congresso Nacional conseguiu eleger apenas
oito deputados federais e nenhum senador. As mudanças que estavam ocorrendo no
país passavam ao largo da sua liderança. Lula era mais um personagem folclórico
do que um relevante ator político.
Mesmo
dobrando a representação parlamentar petista na Constituinte, Lula teve atuação
apagada. Em momento algum se sobressaiu em algum debate. Faltou a diversas
sessões. Não deixou sua marca em nenhum dispositivo constitucional. Foi,
apenas, um espectador privilegiado nas discussões. Inexiste registro de algum
discurso que tenha sensibilizado os constituintes. Pelo contrário, nos anais da
Constituinte encontram-se diversos deputados petistas que tiveram participação
expressiva nos trabalhos, como Plínio de Arruda Sampaio.
Na
campanha presidencial de 1989 adotou um figurino de esquerda. Como confessou,
anos depois, tinha uma plataforma de governo descolado dos novos ventos que
estavam soprando no mundo após a queda do Muro de Berlim. Lula não acreditava
no que dizia. Mas sabia que isto poderia dar um capital político para ser
explorado no futuro. Repetiu à exaustão nas campanhas de 1994 e 1998 a cartilha
esquerdista. Não tinha chance de vitória, portanto, não se preocupava com a
aplicação prática do que propalava aos quatro ventos. Era puro oportunismo com
o objetivo de ocupar o espaço político à esquerda e se transformar aos olhos da
direita no seu grande opositor.
Quando
veio a campanha de 2002, Lula aproveitou para vestir um novo figurino, mais à
direita, como se algum dia tivesse acreditado na cartilha esquerdista.
Apresentou a mudança como um símbolo de modernidade. Ocupou o vazio político
deixado por Fernando Henrique Cardoso, que pouco fez para eleger seu sucessor —
é inegável o desinteresse de FHC na eleição de 2002, pouco ou nada realizou
pelo candidato Serra e demonstrou, após o término do processo eleitoral,
satisfação pela eleição de Lula.
Na
Presidência, Lula adotou como lema ter como princípio não ter princípio,
repetindo o método utilizado quando foi dirigente sindical. Só que tendo um
imenso poder. Buscou cooptar o Congresso Nacional e as cortes superiores de
Brasília. Conseguiu. Comprou apoios e vaidades. Superou a crise do mensalão.
Desmoralizou as instituições democráticas. Usou do aparelho de Estado como se
fosse propriedade privada, sua propriedade. Fez do contato direto com o povo
seu grande instrumento político, eficaz numa sociedade invertebrada, como a
nossa. E contou com o auxílio da oposição parlamentar — especialmente do PSDB
—, frágil, pouca combativa e que temia enfrentá-lo no Congresso, nas ruas e até
no voto.
Sua
forma de fazer política foi um grande salto para o passado. Retroagimos como
nunca na história recente brasileira. Aparentando ser o novo, Lula deu
novamente enorme poder aos coronéis, ampliou as antigas formas de obter apoio
parlamentar e estabeleceu o maior esquema de desvio de recursos públicos da
História, o petrolão. Acabou legitimando a corrupção através da sua
popularidade.
Em 2010
e 2014, conseguiu eleger Dilma Rousseff como sua preposta. Demonstrou um poder
nunca visto na nossa História. Contou com o apoio entusiástico do grande
capital espoliador. Foi considerado um estadista, um político insubstituível —
até por jornalistas experientes. Mesmo com denúncias de suas mazelas, nada
parecia abalá-lo.
Tudo
começou a ruir em 2014 com a Operação Lava-Jato. Nestes três anos o país ficou
estarrecido com as revelações do petrolão e da participação de Lula como “o
comandante máximo da organização criminosa,” na definição do Ministério Público
Federal.
Hoje, a
decadência política de Lula é inegável. Não passa de um réu temeroso de ser
condenado a regime fechado — o que deve ocorrer ainda este ano. Sua queda — e
de seu nefasto legado — é fundamental para que o Brasil retome o processo de
construção de uma sociedade democrática. Lula representa a velha forma de fazer
política, o conchavo, a propina, o saque do Erário, o desprezo pelas
instituições. Removê-lo da política, condená-lo a uma pena severa, é um serviço
indispensável ao futuro do nosso país.
O Globo
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