AFONSO BENITES
(*)
Em 12 meses, dobrou o número de
pessoas que só podem ser investigadas após aval de algum chefe da Receita
Federal
Num
momento em que o país vive sob a pressão de tirar os privilégios dos políticos
– com projetos como o fim
do foro privilegiado criminal para que sejam investigados na Justiça
comum e não no Supremo –,
uma outra lista VIP só faz crescer dentro da Receita Federal. No
último ano o órgão dobrou o número de cidadãos que possuem uma espécie de “foro
privilegiado fiscal”. Em doze meses, o número de pessoas que só podem
ser investigadas após a autorização de algum chefe da Receita atingiu 6.052
nomes. No ano passado, eram cerca de 3.000. Nessa relação estão autoridades que
ocupam ou ocuparam nos últimos cinco anos os cargos de deputado federal,
senador, presidente da República, ministro de Estado, dirigente de empesas
estatais (como Petrobras, Caixa,Transpetro),
reitores de instituições federais, entre outros. Elas são denominadas pessoas
politicamente expostas.
Todas
elas foram beneficiadas por algo que auditores fiscais identificaram ser uma
distorção de uma regra que deveria servir para proteger os cofres públicos e aumentar
a fiscalização das autoridades responsáveis por manejar recursos milionários.
Com isso, procedimentos de investigações que poderiam ser antecipados pelos
servidores da Receita, acabam sendo protelados e só ocorrem após outros órgãos,
como a Polícia
Federal ou oMinistério
Público, iniciarem suas apurações. Foi exatamente o que ocorreu na Lava Jato.
Diretores da Petrobras que já foram condenados na primeira instância, como
Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Sergio Machado e Nestor
Cerveró, estavam entre essas pessoas protegidas pelas regras da Receita. Na
relação dos blindados também estão o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio
Cabral (PMDB), o ex-senador Delcídio do Amaral (que era do PT-MS) e o
ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A Receita só passou a olhar para eles com mais atenção após o início da
operação.
O
conceito de pessoas politicamente expostas surgiu dentro da Estratégia Nacional
de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), é bastante amplo e foi
incorporado às normas brasileiras a partir da resolução do Conselho
de Controle da Atividade Financeira (COAF) número 16 de 2007. Diz essa
norma: “consideram-se pessoas politicamente expostas os agentes públicos que
desempenham ou tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em
países, territórios e dependências estrangeiras, cargos, empregos ou funções
públicas relevantes, assim como seus representantes, familiares e estreitos
colaboradores”.
A lista
oficial à qual o EL PAÍS teve acesso possui atualmente 927 deputados e
ex-deputados federais, 142 senadores e ex-senadores, 115 governadores,
vice-governadores, ex-governadores e ex-vice-governadores, 128 reitores e
vice-reitores, além de 174 presidentes de empresas estatais e autarquias
federais. A ex-presidenta
Dilma Rousseff (PT) e o atual presidente Michel Temer (PMDB)
também estão entre os blindados. Apesar
de a resolução do COAF permitir o ingresso de parentes das autoridades na
relação, a reportagem não identificou nenhum familiar nela.
A
Receita Federal incorporou essa regra do COAF não para colocar uma lupa nas
declarações de impostos dessas pessoas, e, sim, para blindá-las de
fiscalizações eventuais de auditores. Tudo isso sem uma normatização
específica. Se um funcionário da Receita detectar alguma irregularidade na
declaração de um‘cidadão
VIP’ e precise cruzar os dados com informações prestadas por um
deputado federal, por exemplo, um alerta será emitido aos seus superiores: um
delegado, um inspetor e um superintendente da região onde o servidor é lotado.
Quase que instantaneamente, esse auditor teria de justificar por que estava
checando os dados do parlamentar. O aviso é produzido por um sistema batizado
de Alerta.
“Ao
invés de monitorar as pessoas politicamente expostas, a Receita monitora os
auditores que venham a acessar os dados relativos a essas pessoas”, diz o
presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil (Unafisco), Kleber Cabral.
Segundo
Cabral, o que acontece na prática é o que ele chama de “foro privilegiado
fiscal”. “Não há impedimento para fiscalizar, mas o auditor não tem essa
autonomia e acaba sendo constrangido a não ir adiante nas apurações. Nem todos
são destemidos e ninguém quer correr o risco de perder seu emprego”.
O
sistema Alerta começou a ser desenvolvido em 2010, ou seja, três anos depois da
norma, durante o governo Luiz Inácio Lula da
Silva, por iniciativa do então ministro da Fazenda Guido Mantega (PT).
Na ocasião, ele tentou dar uma resposta ao vazamento de informações do imposto
de renda de Verônica Serra, filha do então candidato à presidência pelo PSDB e
hoje senador José
Serra, que aconteceu em agosto de 2010. Três anos depois o sistema foi
ampliado e, em fevereiro de 2017, atingiu o maior número de beneficiados por
esse “foro privilegiado fiscal” desde que foi criado, conforme fontes do
Ministério da Transparência Fiscalização e da Controladoria-Geral da União.
Outro lado
Em nota
enviada à reportagem, a Receita Federal afirmou que “ninguém que apresente
indícios de infração à norma tributária deixa de ser fiscalizado”. O órgão não
informou em qual regra o sistema Alerta tem embasamento e nem a razão de o
número de pessoas politicamente expostas ter dobrado no período de um ano.
A
Receita informou ainda que o Alerta “faz parte do sistema de gerenciamento de
risco institucional” e negou que haja qualquer cerceamento de atividade dos
auditores ou punições aos que acessarem os dados dessas pessoas politicamente
expostas. “O objetivo buscado é o da contínua confirmação da segurança dos
sistemas de informação da Receita
Federal do Brasil, de modo que a sociedade esteja protegida quanto ao uso
indevido de suas informações, de que a Instituição esteja protegida quanto ao
acesso indevido às suas bases de dados, e de que os servidores estejam
protegidos quanto ao eventual uso não autorizado (por terceiros) de suas senhas
de acesso”, diz trecho do documento.
De
acordo com o órgão, punições aos servidores só acontecem quando eles são
responsáveis pelo acesso imotivado, que é quando ele permite, facilita ou
fornece sua senha para outras pessoas acessarem os dados protegidos por sigilo
fiscal.
EL PAÍS
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: seria trágico se não fosse
cômico. Mais esta ainda, em defesa dos privilégios do pessoal do setor público.
É um Estado dentro do Estado, que nós temos que sustentar calados.
Quem agradece essas barbaridades são
os rentistas e os banqueiros, sempre sustentando alegremente a farra da Corte.
Para eles isto é mais simples do que
roubar a bengala de um cego, dormindo.
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