ROCÍO MONTES
A fracassada candidatura
presidencial de Ricardo Lagos condensa a crise do Partido Socialista
A
social-democracia chilena, que desde a redemocratização do país, em 1990,
mantinha uma aliança com o centro para liderar a ransição, encontra-se no
auge de uma crise prolongada.
Ao desistir de tentar um retorno ao palácio de La Moneda, em abril, Ricardo Lagos
(que foi presidente entre 2000-2006) cristalizou
os problemas que esse setor político enfrenta.
Atualmente
sem candidato claro, o eleitorado social-democrata se divide entre apoiar o
senador socialista Alejandro Guillier, a democrata-cristã Carolina Goic e a
jornalista Beatriz Sánchez, candidata da coalizão Frente Ampla, que pretende
superar a esquerda tradicional fora dos dois grandes blocos.
“O que
ocorre com o Partido Socialista chileno é muito parecido com o que
aconteceu na França.
Tem um eleitorado muito tentado a votar em Sánchez, uma aposta que nas eleições
francesas foi encarnada por Jean-Luc Mélenchon. Os socialistas procuram
responder a essa tentação esquerdizando a sua própria postura, o que é fatal
para a candidatura de Guillier, que é o candidato oficial do partido”, afirma o
sociólogo Eugenio Tironi.
O
ex-senador Carlos Ominami, que pertenceu por décadas ao Partido Socialista,
aponta um cenário de crise global das esquerdas e da social-democracia. “Há
décadas foi o desabamento da esquerda comunista, e hoje em dia temos uma
esquerda socialista e social-democrata que está sendo muito maltratada”,
explica o economista. Cita o caso da França, onde o Partido
Socialista obteve apenas 6% nas
últimas eleições, mas evoca também a situação dos socialismos da Holanda,
Áustria, Espanha e Alemanha: “Há um cenário de crise global da social-democracia
por uma razão muito simples: ela não foi capaz de responder aos desafios da
globalização e à crise do neoliberalismo”.
Transição democrática
Para
Ominami, a esquerda chilena tem um ativo grande em sua contribuição à transição
para a democracia. “Mas é um ativo que foi se desvalorizando à medida que o
tempo passou, e ela tem também um tremendo passivo: não foi capaz de dar o
salto para uma sociedade pós-neoliberal. Fizemos uma transição limitada –
porque ficamos com a mesma Constituição e a mesma ordem econômica geradas
durante a ditadura – e finalmente temos um sistema altamente privatizado”, diz
Ominami, ministro da Economia do primeiro Governo da democracia (1990-1994),
presidido por Patrício Aylwin.
Ele
considera que, embora não vá acabar, a esquerda chilena está em crise e num
processo de reconfiguração muito forte, com um concorrente
significativo: a Frente Ampla.
De acordo com o ex-senador, que deixou o Partido Socialista em 2009 para apoiar
a candidatura presidencial de seu filho, Marco Enríquez-Ominami, ainda não se
sabe se esta nova coalizão poderá dar novos rumos ao conjunto da esquerda,
hegemonizando-a, “ou se irá se acomodar a uma concorrência fratricida com a
esquerda tradicional, sem chegar a ser opção de Governo, que é o que acontece
hoje na Espanha com o Podemos”.
Junto
com a derrota de Lagos, que nunca conseguiu decolar nas pesquisas nem teve o
apoio do Partido Socialista chileno, fracassou a tentativa do ex-presidente de
contribuir de alguma forma para a superação da crise global da
social-democracia. “Não se tratava apenas de disputar a presidência do Chile,
mas também de responder ao desafio de entregar conteúdos novos ao socialismo no
século XXI”, explica o assessor de Lagos para assuntos internacionais, Fernando
Reyes Matta. Ele recorda que Lagos, ao anunciar ter desistido da sua
candidatura, em 10 de abril, disse também que as respostas do socialismo aos
fenômenos do século XX já não servem para dar conta dos fatos contemporâneos.
Reyes
Matta observa que, embora a aspiração presidencial não tenha sido bem sucedida,
o ex-presidente Lagos, que no começo dos anos 2000 foi parte da terceira via
socialista da América Latina, não abandonou sua intenção de formar equipes de
trabalho em seu país e novas propostas para o futuro. “Como há um vazio na
matriz progressista, na social-democracia, é aí onde Lagos está se
comprometendo a deixar sua última marca”, afirma seu assessor. Para Tironi, em
seus sete meses de campanha o ex-presidente “conseguiu reconstituir um
pensamento social-democrata moderno, que é algo valioso no Chile, no contexto latino-americano e
mundial”.
Com o
eleitorado moderado de esquerda sem um candidato claro para as eleições de
novembro, e uma geração, a que liderou a transição, que parece ter sido
repentinamente aposentada, uma das dúvidas que permanecem abertas é se o
socialismo chileno deveria repensar um novo posicionamento doutrinário. Por
enquanto tem dois grandes problemas: um Governo, o de Michelle Bachelet, que
terminará seu mandato em março de 2018 com escasso
apoio da opinião pública,
e a falta de novos rostos que ajudem no processo de renovação.
EL PAÍS
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