Fernando Martins
Governo federal tem 151 empresas
públicas. Juntas, elas dão um prejuízo bilionário e impõem um desafio para a
gestão pública:
Dividendos entregues por elas para o
Governo-2016: R$ 2,8 bilhões
Repasse total do orçamento para as
estatais-2016: R$ 22 bilhões
Na ponta
do lápis, as empresas estatais do governo federal custaram ao contribuinte R$
19,1 bilhões em 2016 – ou R$ 92 por brasileiro. E neste ano vão onerar os
cofres públicos em mais R$ 15 bilhões. É um montante que, se não fosse
despejado pela União nessas empresas, seria mais do que suficiente para ter
evitado o aumento dos impostos sobre combustíveis, que vai custar R$ 10,4
bilhões no bolso do cidadão em 2017.
Num
momento em que o país discute um rombo de R$ 139 bilhões nas contas federais e
em que as estatais estão no centro dos principais escândalos de corrupção, o
déficit das empresas públicas levanta a discussão: elas são necessárias?
Privatizá-las
é a resposta mais imediata a esse questionamento. Mas a solução é mais complexa
do que simplesmente se desfazer das estatais a rodo. Algumas podem ser úteis ao
país, mesmo não dando nenhum lucro – o objetivo principal de uma empresa. Cada
caso é um caso.
Uma centena e meia
O
governo federal tem hoje 151 estatais. Apenas uma minoria, 18, depende de
dinheiro do orçamento federal – ou seja, do contribuinte – para pagar salários
de seus funcionários e as despesas corriqueiras de custeio. Elas não têm
condições de andar com as próprias pernas. No ano passado, a União gastou R$
15,5 bilhões com essas 18 empresas. Em 2017, a previsão é de que o gasto seja
ainda maior: R$ 18,7 bilhões.
A rigor,
muitas são estatais que não têm como gerar lucro porque desempenham funções
típicas de Estado, como a gestão de hospitais e pesquisa científica e de defesa
nacional.
Mas nem
mesmo as outras 133 estatais – que geram receita própria para sobreviver –
deixam de receber verba do orçamento federal. Em geral, é porque não têm lucro
suficiente para fazer investimentos em suas áreas de atuação. E então entregam
a conta para a União. Ou seja, para o contribuinte.
Em 2016,
foram R$ 6,5 bilhões destinados pelo orçamento para estatais que teoricamente
não deveriam depender do Tesouro. Quem mais recebeu foi a gigante Eletrobras:
R$ 2,9 bilhões. Na sequência estão a Infraero (R$ 2,3 bilhões) e a Telebras (R$
685,8 milhões).
Já em
2017, as chamadas estatais “não dependentes” do orçamento vão receber R$ 2,1
bilhões, do orçamento. Segundo o Ministério do Planejamento, 70% desse valor
serão destinados para a Infraero fazer obras em aeroportos que ela administra
sozinha ou em parceria com empresas privadas – que, em princípio, entraram no
negócio para colocar dinheiro novo. Outro aporte generoso será para a Telebras
comprar um satélite e criar a infraestrutura de recebimento dos sinais emitidos
pelo equipamento quando ele estiver em órbita.
“O ideal
é que as estatais fizessem seus investimentos com o lucro que obtêm com sua
atividade”, diz Gil Castello Branco, secretário-executivo da Associação Contas
Abertas, especializada na fiscalização do uso do dinheiro público.
O lucro não compensa
Se o
lucro que as estatais geram não é suficiente nem mesmo para elas promoverem
investimentos, a parcela dos ganhos que elas remetem ao Estado tampouco
compensa o que consomem do orçamento federal. As empresas públicas pagaram à
União, em participações de lucro e dividendos, R$ 12 bilhões em 2015 e R$ 2,8
bilhões no ano passado. Neste ano de 2017, o valor previsto é de R$ 5,8
bilhões.
O saldo
final é de “prejuízo” para a União, pois a dotação orçamentária para as
empresas públicas foi, respectivamente, de R$ 17,1 bilhões e de R$ 22 bilhões
em 2015 e 2016. E será de R$ 20,9 bilhões em 2017. No final, o déficit das
estatais foi de R$ 5 bilhões (em 2015) e R$ 19,1 bilhões (em 2016). E chegará a
R$ 15 bilhões em 2017.
A conta
negativa dos últimos anos sofreu forte impacto da Petrobras, que desde 2014 –
ano de deflagração da Lava Jato – só deu prejuízo. E, consequentemente, não
remeteu dividendos ao governo.
O problema: ingerência política
E esse é
o ponto. A crise da Petrobras tem a ver com aquela que é a unanimidade apontada
por todos os especialistas como o principal problema das estatais: a ingerência
política.
Gil Castello Branco diz qual é a
explosiva fórmula brasileira que envolve as empresas públicas:
O
mensalão envolveu os Correios. A Lava Jato descobriu um imenso esquema de
desvios na Petrobras, com ramificações para outras empresas públicas como a
Eletrobras.
Professor
de administração do Insper, Sérgio Lazzarini lembra de outro problema, além da
corrupção, provocado pela ingerência: o governo Dilma cedeu à tentação de usar
as estatais para intervir politicamente no mercado. Tentou conter a inflação
mantendo os preços dos combustíveis e da energia artificialmente baixos. Causou
fortes prejuízos às empresas.
O
presidente Michel Temer tomou posse prometendo mudar isso. Uma de suas
primeiras iniciativas foi proibir que políticos assumam cargos de direção nas
empresas públicas – regra estabelecida na Lei de Responsabilidade das Estatais,
sancionada em julho do ano passado.
Mas Gil
Castello Branco considera a lei insuficiente. “As indicações dos diretores
continuam sendo feitas por políticos. No caso da Lava Jato, por exemplo, tem um
monte de funcionário de carreira da Petrobras envolvido no esquema de
corrupção: Pedro Barusco, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa.”
O que fazer então: privatizar?
A grande
questão que se coloca é: o que fazer então com as estatais? Para alguns, é
necessário criar regras de governança interna que impeçam a ingerência político
e tornem mais difíceis os desvios de conduta.
Embora
não descarte isso como algo a ser feito, o secretário-geral da Contas Abertas
têm dúvidas se normas desse tipo podem coibir a corrupção. Gil Castello Branco
lembra que a Petrobras tem internamente um conselho de administração e outro
fiscal. Além disso, suas contas eram alvo de auditorias externas. A empresa
ainda podia ser fiscalizada pelo Ministério do Planejamento, Tribunal de Contas
da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Congresso. “E ninguém
descobriu nada. Foi preciso que a Polícia Federal investigasse um doleiro
ligado a um posto de gasolina em Brasília”, diz ele, lembrando do começo da
Lava Jato.
Diante
disso, a privatização costuma aparecer como alternativa para evitar que o
dinheiro público corra pelo ralo. E, neste momento em que o governo não tem de
onde tirar recursos, vender estatais ainda surge em muitos discursos como um
jeito de fazer caixa e salvar as contas públicas. Será?
Vender
estatais pode ajudar a dar um fôlego financeiro ao governo. Mas Sérgio
Lazzarini afirma que a privatização, sozinha, não é solução. Outras medidas
seriam necessárias.
Os dados
comprovam. O patrimônio das estatais federais brasileiras vale R$ 500 bilhões.
Se todas fossem privatizadas, o rombo nas contas públicas (a previsão é de R$
139 bilhões em 2017) seria coberto por apenas três anos e meio. E o déficit da
Previdência, de R$ 215 bilhões, só por pouco mais de dois anos. Ou seja, se o
objetivo de privatizar fosse apenas esse, seria um mero paliativo.
Modelo de Estado
O
debate, no fundo, é sobre o modelo de Estado que a sociedade quer. “Tem de ter
esse tamanho mastodôntico?”, resume Gil Castello Branco.
Simplesmente
se desfazer de empresas, contudo, não necessariamente é a melhor ideia. “Uma
estatal, quando bem administrada, pode ser boa para o país”, diz Hsia Hua
Sheng, professor de finanças da FGV/EAESP.
Sheng
lembra que países como China, Cingapura, Índia e Rússia usam empresas públicas
como parte da estratégia de desenvolvimento. “As estatais têm a função
importante de investir em áreas nas quais o setor privado não vai investir”,
diz o professor da FGV/EAESP. É o caso da infraestrutura básica e da pesquisa
científica. “A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] é uma boa
estatal”, exemplifica Sheng.
Os
especialistas, porém, concordam no princípio (para logo depois discordarem no
mérito) que há estatais de determinados setores que poderiam ser privatizadas
sem problemas. Sheng sugere vender aeroportos e o que restou nas mãos do Estado
de telecomunicações. Lazzarini aposta nos setores de água e saneamento e de
energia elétrica. Gil Castello Branco acredita que é preciso pensar inclusive
se vale a pena o governo ter bancos e até mesmo uma Petrobras.
Todos
voltam a concordar que é preciso fazer um pente-fino para avaliar onde é
possível o Estado deixar que a iniciativa privada aja sozinha.
O que o governo está fazendo
O
governo Temer afirma que é isso que vem fazendo. O Ministério do Planejamento,
que coordena o plano de “desestatização”, informa que “cada caso é analisado
individualmente”. “Há possibilidades de incorporação, extinção, liquidação,
parcerias estratégicas, vendas parciais e totais [das empresas estatais]”, diz
o ministério em nota enviada à Gazeta do Povo.
Segundo
a pasta, a Petrobras está buscando vender parte de seus ativos. A Eletrobras
pretende passar para a iniciativa privada seis distribuidores de energia
(Ame-GT, Boa Vista Energia, Ceal, Cepisa, Ceron e Eletroacre). Por enquanto,
apenas uma distribuidora, a Celg-D (de Goiás), já foi vendida.
Raio-X do buraco
As
estatais federais viraram um sorvedouro bilionário de dinheiro público. Mesmo
aquelas que têm receitas próprias para, teoricamente, andar com as próprias
pernas acabam por receber repasses da União. No ano passado, as empresas
públicas deram um “prejuízo” de R$ 19,1 bilhões. Em 2017, serão R$ 15 bilhões –
dinheiro que, se não fosse gasto, seria mais do que suficiente para evitar o
aumento dos impostos sobre combustíveis, que vão garantir um extra de R$ 10,4
bilhões ao governo.
Gazeta do Povo
Curitiba
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