Luiz Carlos Azedo
A crise
de representação dos partidos políticos não é um fenômeno exclusivo do Brasil.
Ocorre em todo o mundo, em consequência de vários fenômenos, alguns mais
antigos, como o surgimento dos meios de comunicação de massas, outros mais
recentes, como o crescente papel das redes sociais na formação de opinião. Mas,
no caso brasileiro, tem ingredientes que são bem característicos da nossa
formação política.
Os
partidos políticos, tal como os conhecemos, surgiram após a Revolução Francesa
e na sociedade industrial estruturada em classes mais ou menos definidas. Sua
transformação em partidos de massa, com características ideológicas definidas,
a partir do final do século XIX, decorreu de projetos programáticos e do
surgimento de democracias de massa, mas não se pode dizer que estivessem
intrinsecamente comprometidos com elas. Os partidos comunista e fascista, por
exemplo, foram vocacionados para assaltar e manter o poder pela força, não para
exercê-lo no âmbito da democracia representativa.
No
Brasil, onde as ideias políticas acabam sempre mitigadas, os partidos já
nasceram dissociados de seus objetivos programáticos. No Império, por exemplo,
a luta de liberais (luzias) e conservadores (saquaremas) gravitava em torno do
tema centralização/descentralização, ou seja, do exercício e controle do poder
nas províncias; do ponto de vista programático, porém, ambos eram monarquistas
e intransigentes defensores da escravidão. O movimento abolicionista
desenvolveu-se à margem dos partidos; assim como o movimento republicano, era
mais bem representado pela Escola Militar da Praia Vermelha do que pelo
minúsculo partido ao qual emprestava o nome.
De certa
maneira, o mesmo fenômeno se repete na crise da República Velha, na qual as
elites regionais se digladiaram na luta pelo poder, até que as sucessivas
crises da economia do café e o grande debate “agrarismo e/ou industralização”
implodiram o pacto perverso das elites oligárquicas e seu sistema excludente e
elitista de partidos regionais que se revezavam no poder a partir do eixo
Rio-São Paulo. A opção da elite cafeeira paulista pela industrialização gerou
uma disjuntiva na qual o eixo da modernização se deslocou da República Velha
para o Estado Novo, depois da Revolução de 1930, a fracassada Revolta
Constitucionalista de 1932 e o incipiente levante comunista de 1935.
A
tentativa de constituir um sistema de representação corporativista na
Constituinte de 1937, claramente de inspiração fascista, com a entrada do
Brasil na guerra contra o nazifascismo, morreu no nascedouro.
Com a
redemocratização, em 1945, a Guerra Fria se encarregou de fraudar o sistema
representativo da Segunda República. O Partido Comunista (PCB), que ressurge no
pós-guerra como um partido de massas, foi posto na ilegalidade, o que reforçou
sua vertente golpista; e a antiga União Democrática Nacional (UDN), que nasceu
da resistência à ditadura de Vargas, derivou de forma irreversível para o
golpismo. Os três partidos de vocação verdadeiramente democrática eram o
Partido Social-Democrata (PSD), conservador, elitista e ligado às oligarquias;
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um partido de massas, nacionalista e
populista; e o pequeno Partido Socialista Brasileiro (PSB), uma pequena
agremiação de intelectuais progressistas.
Depois do golpe
Esses
partidos protagonizaram os melhores e piores momentos da vida nacional, até o
golpe de 1964, após o qual foram todos expurgados da vida política, com a
reforma partidária imposta pelos militares, uma tentativa frustrada de
implantar o bipartidarismo no Brasil. O projeto de institucionalização do
regime autoritário, que havia derivado para o fascismo após o Ato Institucional
no. 5, era uma espécie de “mexicanização” do país, no qual a hegemonia absoluta
da Arena seria a via de transferência do poder para os civis.
Esse
projeto sofreu sucessivas derrotas eleitorais — 1974 e 1978 — e foi sepultado
com a anistia e a volta do pluripartidarismo, em 1979. Nova derrota do regime
nas eleições de 1982, nas quais a oposição conquistou os principais governos
estaduais, e a campanha das Diretas, Já!, apesar de frustrada, resultaram na
derrota definitiva do regime, com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, que não
assumiu, mas cujo vice, José Sarney, convocou uma Constituinte e completou a
transição.
O regime
partidário que resultou da Constituição de 1988, cuja marca é a ampla liberdade
para formação de partidos, já surgiu, porém, em meio às mudanças no mundo
descritas no começo desse artigo, embora com a aparência de que algo novo
estava nascendo. O PMDB emergiu da ditadura como o grande partido político
liberal democrático. Com o colapso do socialismo real no Leste Europeu, o
surgimento do PT como partido de massas, ligado aos sindicatos e aos movimentos
sociais, sinalizava, porém, uma ruptura com o comunismo e o populismo.
Fundado
por políticos e intelectuais progressistas, o PSDB oferecia à sociedade
brasileira um programa social-democrata moderno, em sintonia com as
necessidades de modernização do país. Esses três grandes partidos, mas não
somente, derivaram para o patrimonialismo e o clientelismo. Com seu
transformismo, ameaçam garrotear a democracia brasileira, como principais
artífices de uma reforma política cujo objetivo principal é salvar seus quadros
enrolados na Operação Lava-Jato de uma degola eleitoral, em vez de renovar os
costumes políticos do país.
Correio Braziliense
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