Editorial
Parlamentares prometem resistir a
propostas do governo no campo do funcionalismo, em nome do ‘povo’, quando agem,
na verdade, em favor de castas
A maior
crise fiscal de que se tem registro joga luz na movimentação de grupos de
interesse que falam em nome do povo e da democracia, mas cuja reação ao ajuste
é para manter vantagens, conseguidas por meio do acesso privilegiado às
entranhas do Estado. Uma maquinação que teve especial êxito nos governos Lula e
Dilma.
Um sinal
visível dessa movimentação surgiu em atos contra a reforma da Previdência,
incluindo a de servidores públicos. Manifestações de rua expuseram a
mobilização de categorias profissionais de classes de rendas médias, com a
ausência nada surpreendente de populares. Também fica exposta a marca das
corporações, quando vociferam contra uma das propostas básicas para salvar a
seguridade — o estabelecimento de idade mínima, para a requisição da
aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 para mulheres —, e nisso também
falam em nome do “povo”. Um embuste, porque este, mostram as estatísticas, já
busca o benefício aos 65 anos, por não ter escolha. Costuma passar muito tempo
na informalidade. Enquanto categorias profissionais organizadas conseguem o
benefício no INSS dentro da média irrisória de 58 anos de idade, uma das molas
propulsores dos déficits crescentes e descontrolados do INSS.
A ação desses grupos privilegiados fica mais às claras agora, com o pacote de 11 medidas tomadas pelo governo Temer para tentar conter os gastos públicos, anunciadas junto com a fixação de metas de déficits mais elevados para este e o próximo ano, persistindo os resultados negativos até 2020. Dessas propostas, nove dependem do Congresso, e as bancadas corporativistas já avisaram que lutarão contra o ajuste, e em defesa dos grupos que representam na máquina pública. Às favas com o país.
Não surpreende, mas o que acontecerá no Congresso, na discussão e votação dessas imprescindíveis medidas, será uma dessas oportunidades de se observar a representação de corporações em plena ação, em prol de seus interesses, sem qualquer compreensão da gravidade da situação das finanças públicas. Nem tampouco esforço para entendê-la.
As ações
colocadas sobre a mesa pelo governo — tímidas diante do tamanho da crise —
mexem no vespeiro dos favorecimentos recebidos por faixas do funcionalismo ao
longo do tempo. O mais recente foi uma série de reajustes salariais concedidos
por Dilma e, de maneira equivocada, mantidos por Michel Temer. Agora, o governo
quer, enfim, adiá-los
Além de a folha dos servidores ser a segunda mais elevada despesa da União, acima de R$ 200 bilhões anuais, abaixo apenas da Previdência, muitas categorias dos servidores são remuneradas bem acima do que receberiam no setor privado. Daí, também, a outra iniciativa correta ser baixar os elevados salários de início de carreira no setor público.
Não
faria sentido, também, deixar de elevar a alíquota de contribuição à
Previdência do funcionalismo da União de 11% para 14%, como fazem estados e
municípios. Há na pauta outras ideias corretas, como a redução de despesas com
auxílio-moradia e ajudas de custo.
Parlamentares
prometem rejeitar as propostas, sempre “em nome do povo”, quando, na verdade,
estão a serviço de castas do funcionalismo e do sindicalismo que os ajudam a se
eleger. Este jogo é antigo, mas o contribuinte não aguenta mais bancá-lo.
O Globo
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