Guido Orgis
Expressão
máxima do planejamento estatal no setor de energia, Eletrobras encara a
realidade de sua ineficiência e custo social
O Brasil
conseguiu criar a maior empresa de energia elétrica da América Latina e
construiu projetos como Itaipu, Belo Monte e Angra 2. É um fato que, visto de
longe, serve como um ótimo argumento para a estatização ufanista. De perto, a
Eletrobras é um mastodonte custeado pelo bolso do contribuinte e que se tornou
um mico. Agora o governo vai chamar a iniciativa privada para tentar dar mais
racionalidade à empresa.
A
Eletrobras é expressão do pensamento desenvolvimentista, segundo o qual o
Estado tem o dever de colocar suas mãos nos setores chamados de
“estruturantes”. Se o governo não mobilizasse recursos, diz essa linha de
pensamento, não haveria investimentos nos setores que são básicos para o
surgimento de uma economia desenvolvida. Energia, mineração, siderurgia,
ferrovias, estradas e portos estariam nessa categoria.
A
experiência brasileira indica que os efeitos colaterais desse tipo de
intervenção custam caro para a sociedade. Esse custo não deriva essencialmente
do fato de haver empresas estatais no mercado, mas da estrutura montada a
partir das estatais: mercados sem competição, com espaço amplo para intervenção
de governos, preços manipulados artificialmente, uso político de projetos
megalomaníacos e assim por diante. Eletrobras e Petrobras nunca foram estatais
concorrendo em mercados saudáveis. Elas substituíram os mercados.
Ao longo
de décadas, o governo jogou para dentro da Eletrobras toda sorte de projetos. O
sonho nuclear brasileiro, por exemplo, virou uma draga infinita de recursos.
Angra 3 é um projeto dos anos 80. Em 2008, quando a ideia de tocar a obra
voltou com o governo Lula, a usina já havia consumido R$ 1,5 bilhão. Foram mais
três anos para a aprovação da retomada da obra, com um custo estimado em R$ 10
bilhões. No fim do ano passado, com o projeto já envolvido na Lava Jato, o
custo foi revisto para R$ 17 bilhões. Com as empresas contratadas pulando fora
da obra, não há indicação de quando ela vai ficar pronta nem o custo real do
projeto até lá.
A
estatal também foi escolhida para viabilizar a distribuição de energia em
estados do Norte e Nordeste. No processo complexo de atender uma região com
pouca densidade demográfica, a companhia trocou a busca da eficiência e uso de
novas tecnologias pela sonhada combinação de geração hídrica e interligação ao
sistema nacional. É desse modo de pensar que surgiu o projeto para a usina de
Balbina, considerada uma tragédia ambiental. As empresas regionais também se
tornaram “cabides de emprego”, como descrito por auditores do Tribunal de
Contas da União.
O ápice
do uso político da Eletrobras foi quando o governo Dilma Rousseff decidiu
diminuir o preço da energia por medida provisória. A companhia foi chamada a
antecipar a renovação da concessão de usinas e linhas de transmissão, que
passariam a ter remuneração menor. O valor de mercado da empresa
caiu mais de 60% entre 2011 e 2016, refletindo a trapalhada regulatória. E
a redução de 20% nas tarifas durou pouco: a seca dos anos seguintes fez o preço
da energia disparar no mercado à vista e levou muitas distribuidoras a
pleitearem reajustes extraordinários.
A MP
veio pouco tempo depois de a Eletrobras se tornar a condutora do maior projeto
hidrelétrico das últimas décadas, a usina de Belo Monte. O governo formou um
consórcio liderado pela Chesf, do grupo Eletrobras, para confirmar sua tese de
que era possível gerar energia no Rio Xingu a preço baixo e contratos de longo
prazo. No consórcio estavam as empreiteiras Queiroz Galvão e Mendes Junior,
ambas enroladas na Lava Jato. O custo da usina dobrou durante sua execução,
chegando a R$ 30 bilhões, e a obra agora é investigada pela Lava
Jato.
O
planejamento centralizado combinado com grandes soluções deu certo para criar
ineficiência. A atual gestão da Eletrobras tem um plano para demitir 4,5 mil
funcionários e ainda quer repassar as distribuidoras deficitárias para a
frente. Parece que o plano não seria suficiente. A ideia agora é conseguir
levantar dinheiro de investidores com venda de participação na empresa inteira,
com seus ativos bons e ruins, e levar no processo a autorização do governo para
que a companhia retome a rentabilidade perdida na MP de 2012.
Na prática, os consumidores serão chamados a contribuir com a reestruturação da empresa quando a iniciativa privada começar a geri-la. O mico da Eletrobras tem esqueletos que precisarão ser sanados nos próximos anos e não será um processo barato. O lado positivo é que isso pode levar a uma gestão mais eficiente, com a venda de ativos e a adoção de tecnologias novas, sem a obrigação de se investir mais no modelo hidrelétricas gigantes–linhões quilométricos, quando ele não for o mais indicado.
Na prática, os consumidores serão chamados a contribuir com a reestruturação da empresa quando a iniciativa privada começar a geri-la. O mico da Eletrobras tem esqueletos que precisarão ser sanados nos próximos anos e não será um processo barato. O lado positivo é que isso pode levar a uma gestão mais eficiente, com a venda de ativos e a adoção de tecnologias novas, sem a obrigação de se investir mais no modelo hidrelétricas gigantes–linhões quilométricos, quando ele não for o mais indicado.
O sonho
do planejamento estruturante da Eletrobras já custou caro demais, algo em torno
de R$ 250 bilhões nos últimos 15 anos, segundo o próprio Ministério de Minas e
Energia declarou no anúncio da privatização. Ou, mais precisamente, “democratização”
da empresa. O eufemismo impressiona: depois de tudo isso, qualquer governo
responsável ficaria satisfeito em anunciar uma privatização, com toda as
letras. Mas o Brasil parece mesmo é gostar de planos gigantes tocados pelo
Estado.
Gazeta do Povo
Curitiba
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