André Shalders e
Amanda Rossi
O governo federal acelerou a
liberação de verbas para os deputados em julho, antes da votação que salvou
Michel Temer. Mas, na média, oposicionistas e governistas obtiveram valores
parecidos. Ou seja, as emendas parlamentares aparentemente não foram o principal
fator na vitória do presidente - outros aspectos pesaram mais na decisão da
Câmara, segundo especialistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil.
Entre
eles, negociações realizadas com bancadas temáticas (a ruralista, por exemplo),
promessas de alianças eleitorais para 2018 e até a perspectiva de liberação
futura de emendas. Além disso, a falta de mobilização popular para pressionar o
Congresso e o "espírito de já ganhou" teriam contribuído para a
vitória do presidente.
Deputados
que votaram contra Temer receberam, em média, promessas de pagamento de verbas
no valor de R$ 3,2 milhões em julho. Já os que votaram com o governo ficaram,
em média, com R$ 3,4 milhões. Os dados são do portal Siga Brasil, do Senado
Federal, e estão atualizados até o dia 25 de julho.
Um
exemplo de distribuição equilibrada é a situação dos deputados que mais tiveram
emendas empenhadas em julho. Domingos Neto, do PSD, obteve R$ 10,7 milhões e
votou a favor de Temer. Do outro lado, Vitor Valim, do PMDB, recebeu os mesmos
R$ 10,7 milhões e votou contra o presidente.
Emendas
são sugestões feitas por deputados e senadores ao Orçamento da União.
Geralmente, destinam recursos para obras e projetos nos locais onde os
congressistas têm votos. São importantes para o desempenho eleitoral dos parlamentares.
O
empenho é um compromisso do governo de que fará o investimento determinado na
emenda. Mas nem todos os empenhos são pagos imediatamente. Em julho, só uma
minoria de deputados teve algum valor efetivamente quitado: 33 dos 490
parlamentares que votaram nesta quarta. Nessa lista, as figuras de peso
político são minoria.
Por
isso, é possível dizer que não foi o pagamento de emendas que salvou o
presidente da investigação.
O que salvou Temer?
Para
políticos governistas, pesou a falta de articulações políticas consistentes
para criar uma opção a Temer. "A verdade é que não há uma alternativa
viável ao presidente. O governo só cairia se houvesse uma articulação em torno
do (Rodrigo) Maia (presidente da Câmara e sucessor de Temer em caso de afastamento)
Ele chegou a se colocar como alternativa, mas depois recuou", diz um
deputado do PP.
Outro
elemento que ajudou o governo foi a ausência de mobilização da população.
"Se 95% das pessoas são contrárias ao governo de Michel Temer, por que é
que não havia ninguém protestando no aeroporto de Brasília quando nós chegamos?
Não vi ninguém protestando no Salão Verde (da Câmara) e nem em nenhuma
capital", diz um peemedebista, também sob condição de anonimato.
Além
disso, o governo liberou recursos que atendem interesses de grupos específicos,
como os deputados ligados ao agronegócio e de Estados produtores de minérios.
Apenas
na véspera da votação, o Executivo publicou, após quatro meses de negociações,
uma medida provisória que facilita o pagamento de dívidas previdenciárias de
produtores rurais. No mesmo dia, Temer almoçou com um grupo de deputados
ligados ao agronegócio.
Segundo
a Receita Federal, a medida envolve uma renúncia fiscal de R$ 7,6 bilhões nos
próximos 15 anos.
No fim
de julho, o governo também anunciou mudanças na cobrança de royalties de
empresas de mineração. A expectativa é de que as novas regras aumentem em até
80% a arrecadação com os royalties, que foi de cerca de R$ 1,6 bilhão no ano
passado. Estados produtores de minérios, como o Pará e Minas Gerais, serão
beneficiados. Parlamentares de ambos deram forte apoio a Temer.
Balcão de emendas
O mês de
julho concentrou mais da metade dos empenhos de emendas de 2017. Só nesse mês,
foram R$ 1,8 bilhão prometidos aos deputados. É mais que em junho (R$ 1,5
bilhão) e muito mais que nos cinco primeiros meses do ano (R$ 88,4 milhões).
Julho
foi o principal mês de articulações do governo federal para barrar a acusação
da Procuradoria-Geral da República contra Temer. Em 26 de junho, Planalto e
deputados ficaram sabendo que o presidente seria julgado na Câmara.
Considerando
apenas o mês de julho, foram empenhados R$ 884,3 milhões para os 263 deputados
que votaram com o governo. E R$ 716,9 milhões para os 227 anti-Temer.
No
quesito pagamento, poucos deputados foram beneficiados. Governistas levaram a
melhor - na média, um deputado que votou a favor do governo recebeu o dobro de
um oposicionista. Foram 21 ao lado de Temer e 13 na oposição.
Dos
partidos, o PP foi o que mais teve emendas efetivamente pagas em julho. A sigla
recebeu R$ 1,2 milhão, 25% do total destinado a todas as legendas. O montante é
cerca de 50% maior do que o valor pago para o PMDB, que tem a bancada mais
numerosa da Câmara.
Oito de
cada dez deputados do PP votaram com Temer.
CCJ x plenário
Antes de
ir a votação no plenário, a denúncia contra Temer foi analisada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ). Na semana passada, reportagem da BBC Brasil
mostrou que dispararam os valores de emendas empenhadas dos integrantes da CCJ
- o aumento ocorreu no período em que o colegiado analisava a denúncia contra
Temer.
Ao
chegar no plenário, a importância das emendas mudou, segundo o cientista
político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
"É
um jogo diferente do que foi jogado na CCJ. No colegiado, o número de deputados
é menor e o peso de cada um se torna mais significativo. O Planalto tinha a necessidade
de ter um ponto de partida favorável ao governo (um parecer favorável para ser
votado no Plenário) e evitar uma bola de neve", afirma.
"Já
no plenário, a barganha individual por emendas é menor, porque o número de
deputados é maior. Ninguém tem a bala de prata para fazer a diferença no
resultado", acrescenta ele.
Cortez
concorda que o governo se valeu de outras estratégias para conquistar apoio na
votação na Câmara. Entre elas, a composição com partidos da base aliada, a
promessa de alianças eleitorais para 2018 e a construção de argumentos
políticos que pudessem justificar o apoio do parlamentar ao governo.
Negociação
A
liberação dos recursos é coordenada pelo Ministério do Planejamento, em
conjunto com o ministério responsável pela obra ou serviço que o deputado
deseja patrocinar.
Para a
oposição, a liberação de emendas é uma estratégia do governo para tentar
"comprar" o apoio de deputados e impedir a investigação contra Temer.
Já o Palácio do Planalto diz que os pagamentos não tem relação com a votação na
Câmara.
"O
que estamos vendo hoje é uma nova modalidade de obstrução de Justiça: é aquela
praticada pelo Parlamento e movida pelo dinheiro público. É o contrário do que
seria uma República", diz o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que faz
oposição a Temer.
Aliado
ao Planalto, o líder do DEM, Efraim Filho (PB) lembra que o governo é obrigado
(desde o começo de 2015) a pagar parte das emendas de todos os congressistas
(inclusive os de oposição), o que contraria a tese da barganha.
"O
orçamento hoje é impositivo. É uma conquista da independência do Legislativo.
As emendas representam um investimento importante nos municípios, que muitas
vezes não conseguem se sustentar só com recursos próprios", diz.
Entenda o caso
Michel
Temer foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo
crime de corrupção passiva.
Para
Janot, Temer recebeu propina do empresário Joesley Batista, dono do frigorífico
JBS. O dinheiro teria sido pago por meio de um ex-assessor de Temer, o
ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.
Se a
Câmara tivesse autorizado o prosseguimento da denúncia, caberia ao Supremo
Tribunal Federal (STF) decidir se a aceitaria ou não - e em caso positivo, ele
seria afastado do cargo por até 180 dias para que o caso fosse julgado.
A
votação se estendeu das 18h20 até as 21h50 desta quarta-feira. Para que o
presidente pudesse ser processado criminalmente, 342 deputados precisariam
autorizar o envio da denúncia ao STF.
Com o
resultado, a denúncia contra Michel Temer fica suspensa. Só poderá ser
analisada pela Justiça quando ele deixar o cargo.
Mas
mesmo com a vitória obtida pelo presidente, é possível que Janot volte a
denunciá-lo por outros crimes nos próximos dias. Se isso ocorrer, haverá novas
votações na Câmara.
Da BBC
Brasil em São Paulo
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