Mônica Sodré
Darcy
Ribeiro, escritor e antropólogo brasileiro foi, entre outros, ministro da
educação no Brasil e Chefe da Casa Civil, nos anos que antecederam a instalação
do regime autoritário. Intelectual consagrado, foi também vice-governador do
Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola (1983/1987) e Senador, pelo PDT,
entre 1991 e 1997. É atribuída a ele uma das mais anedóticas frases sobre
aquela Casa Legislativa, que diz que o Senado é melhor que o paraíso, uma vez
que não é preciso morrer para se chegar lá.
Se
referia ele, já naquele tempo, às características que tornaram a Casa famosa e
fazem dela, até hoje, sonho de consumo de boa parte dos concurseiros e da
“classe” política. E volta e meia nos deparamos com aqueles que argumentam que,
em se tratando de Senado, feliz mesmo é o tal do suplente, “o senador sem
voto”. Argumento estranho, já que uma das características principais que
nos define como república é justamente a eleição de representantes, para
mandatos com tempo determinado, por meio do voto.
As eleições
para o legislativo no Brasil não ocorrem todas baseadas no mesmo princípio.
Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais têm sua
composição baseada no sistema proporcional em que, após cálculos de quociente
eleitoral e partidário e descarte de votos brancos e nulos, são definidos os
titulares a ocuparem as vagas no parlamento e, em consequência disso, seus
respectivos suplentes. São considerados suplentes todos aqueles que tenham sido
votados e não tenham atingido a “nota de corte” anterior. Por sua vez, as
eleições para o Senado Federal são realizadas com base no sistema majoritário
e, por meio dele, após descarte de votos brancos e nulos, é eleito o candidato
ou candidata que obtiver maioria dos votos. Automaticamente, por disposição do
artigo 46 da Constituição Federal, “estão eleitos também seus dois suplentes”.
Aqui tem
início uma confusão bastante comum. Embora em ambos os casos exista essa figura
– responsável por assumir o cargo do titular em caso de afastamento, morte, doença
ou impedimento – a definição sobre quem são essas pessoas não se dá do mesmo
modo. No primeiro, o indivíduo a ocupar essa função vem como uma consequência
da distribuição de votos naquela eleição e não é um sujeito assim identificado
no momento da disputa. No caso das eleições para o Senado, o eleitor escolhe
uma chapa, cujo registro contém – necessariamente – a identificação de três
indivíduos. A legislação eleitoral é ainda mais específica a esse respeito: a
propaganda e o material de campanha devem conter o nome do candidato(a) e dos
candidatos a suplente, de modo claro e legível, em tamanho específico e que
permita o reconhecimento pelo eleitor.
Embora
isso possa, em princípio, parecer pouco importante, não é incomum que suplentes
assumam a vaga de seus titulares, quando esses são convidados a ocupar cargos
no Executivo. É o que ocorreu, por exemplo, com Hélio José (PSD), que assumiu a
vaga do Senado deixada por Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) quando esse se elegeu
governador do Distrito Federal. Hélio José, que em 2014 havia se
candidatado à Deputado Distrital obtendo a expressiva marca de 6 votos ficará
no cargo que era de Rollemberg até 2018.
Hoje,
algo que chama a atenção é que não há regra que discipline quem devem ser os
suplentes de Senadores. Uma breve pesquisa no portal do Senado é reveladora
sobre o lugar da família brasileira continua a ocupar em nossa organização
política e social, algo para o qual Gilberto Freyre e Sergio Buarque de
Hollanda já haviam chamado nossa atenção no século passado.
David
Alcolumbre (DEM), um dos três senadores eleitos pelo Amapá e cujo sobrenome
apresenta o aeroporto da capital, tem entre seus suplentes seu irmão, Josiel
Alcolumbre. Cássio Cunha Lima (PSDB), Senador mais votado na história da
Paraíba, não viu problema em ter o tio, Ivandro Cunha Lima, entre os seus.
Eduardo Braga (PMDB) do Amazonas, eleito em 2011, entendeu ainda que sua
esposa, Sandra Braga, seria sua melhor sucessora em caso de vacância. Foi
exatamente o que ocorreu quando, a convite da Presidente Dilma Rousseff, o
senador assumiu a pasta de Minas e Energia, levando sua esposa, a assumir a de
Senadora pelo Amazonas por quase um ano e meio, entre Janeiro/2015 e
Abril/2016.
Mudanças
nessas regras já foram aventadas. As PECs 287/2013 e 18/2015 visam justamente
instituir novos critérios para a suplência de senador, entre outros, proibindo
que esses sejam cônjuge, parentes consanguíneos ou afim, até o segundo grau ou
por adoção do titular; transformando o suplente de senador em substituto
temporário, ou ainda, mudando o critério para que essa figura passe a ser do
segundo mais votado, à semelhança do que ocorre em outras casas legislativas.
Encontram-se hoje, paradas, respectivamente na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A Câmara
discute, ainda, via Comissão Especial destinada a analisar propostas de reforma
política, a possibilidade de redução no número de suplentes, de dois para um.
Enquanto
as regras não mudam, fica uma certeza: não é que os suplentes sejam senadores
sem voto. O problema está, em parte, numa população que confere a eles seus
votos sem saber.
** Após o fechamento desse texto, a
Comissão Especial da Câmara dos alterou, na noite de quarta-feira (09/08),
trecho do relatório de Vicente Cândido (PT/SP) sobre esse tema. A modificação
faz com que as regras atualmente em vigor sejam mantidas. O texto vai ainda ao
Plenário da Casa, onde deverá ser julgada em dois turnos, antes de ser enviado
ao Senado.
Estadão
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