Stephen Kanitz
Uma
semana depois de assumirem o governo, os militares patrocinaram uma emenda
constitucional número 9, que se tornaria o maior erro deles.
Promoveram
a emenda
constitucional número 9 de 22 Julho de 1964, e logo aprovada 81 dias
depois, que passou a obrigar todo jornalista, escritor e professor deste
país a pagar imposto de renda, algo que nenhum destes faziam desde 1934.
Este é
um dos segredos mais bem guardado pelos nossos professores de história, a ponto
de nem os novos militares, jornalistas, professores de história e escritores de
hoje sabem o que ocorreu de fato.
Os
militares terminaram com o Artigo 113 n 36
da Constituição de 1934 e o mesmo artigo 203 da constituição
de 1946.
“Nenhum
imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor.”
Por 30
anos foi uma farra, algumas faculdades vendiam diplomas de jornalista “até
arcebispo era jornalista.” 5
Só que
com esta medida os militares de 1964 antagonizaram, em menos de dois meses de
poder, toda a elite intelectual deste
país.
Antagonizaram
aqueles que até hoje fazem o coração e as mentes das novas gerações.
Estes,
obviamente, se revoltaram imediatamente, afinal “A maior parte da grande
imprensa participou do movimento que derrubou o Presidente João Goulart e foi,
sem dúvida, um dos vetores de divulgação do fantasma do comunismo”,
vide João Amado – Historiador.
“Grande
parte dos jornalistas que tiveram suas crônicas coletadas para este livro,
Alceu de Amoroso Lima, Antônio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Carlos
Heitor Cony, Edmundo Moniz, Newton Rodrigues, Otto Lara Resende, Otto Maria
Carpeaux, entre outros, foram aqueles que logo se
arrependeram
do apoio dado ao golpe.”
“Jornalistas
que apoiaram o golpe de 64, antes dele fazer aniversário, já eram adversários
do regime que ajudaram a instalar”, continua Alzira Alves.
“Ao perseguir
figuras que nada tinham de comunistas ou subversivas, eram apenas liberais
e até apoiaram o golpe, a ditadura, por assim dizer, perdia a razão.”
De fato,
comunistas são contra uma sociedade de classes, privilégios classistas, e renda
mal distribuída para algumas classes.
Quem se
considera superior, a ponto de não pagar imposto de renda, não é socialista
muito menos comunista.
Mas
notem que Amado, professor de História, considera ter que pagar imposto de
renda uma “perseguição” classista.
Antonio
Calado, professor, escritor e professor escreveria:
“O Golpe
foi certo, mas seus desdobramentos errados”. Calado se tornou um de seus
grandes opositores, um ano depois.
Se os
militares fossem de fato de direita,
como jornalistas, professores de história e escritores não pararam de divulgar,
eles provavelmente teriam incluído nesta lista classista.
Razões e
apoio para isto não faltavam nos primeiros dias do “Golpe”.
“Golpe”
de mau gosto, de fato.
Os
militares traíram justamente quem os haviam inicialmente apoiado.
E não
há ninguém mais odiado neste país que um traidor.
Jornalistas
também não pagavam imposto predial1, imposto de transmissão1, imposto
complementar2, isenção em viagens de navio, transporte gratuito ou com
desconto nas estradas de ferro da União, 50% de desconto no valor das passagens
aéreas e nas casas de diversões. 3,4
Devido a
estas isenções na compra de casa própria, a maioria dos jornalistas tinha
pesadas dívidas, e a queda de 15% nos seus salários causou sérios problemas
financeiros e familiares.
Some-se
a inflação galopante que se seguiu, o baixo crescimento do PIB, e levaria uns
10 a 15 anos para jornalistas, escritores e professores recuperarem o padrão de
vida que tinham antes do duro “golpe” financeiro que os militares causaram.
Não é de
se espantar que passado 50 anos os militares continuam sendo perseguidos
por comissões da verdade, reportagens, e tudo o mais, apesar dos militares hoje
serem outros.
Foi uma
desfeita e tanto. Colocaram estas classes a nu.
Nenhum
jornalista, professor ou escritor, nem mesmo os de esquerdaescreveram
um artigo sequer contra este privilégio que desfrutavam que durou quase 30
anos.
Enquanto
IPI e ICMS pagos pelas empresas servem para financiar infraestrutura, estradas,
portos, etc, é justamente o imposto de renda que usamos para reduzir a
pobreza, cuidar dos inválidos, pagar o Bolsa
Família.
Dispensar
jornalistas cegos, professores paraplégicos, escritores com deficiências
mentais de pagar imposto de renda seria mais do que justificável, afinal são
estes que merecem ajuda para poderem competir com jornalistas, professores e
escritores de posse de tudo que é necessário para serem autossuficientes do
estado.
Mas é
justamente o imposto de renda que nossos intelectuais brilhantemente
conseguiram burlar, e por sinal reclamam até hoje.
Em 2013,
a Revista Exame da Editora Abril, comenta esta
isenção da seguinte forma.
A
isenção (infelizmente) foi revogada em 1964, por meio da Emenda Constitucional
nº 9 de 22 de julho de 1964.
Alberto
Dines, do Observatório de Imprensa, em 2012 comenta:
“Getúlio,
muito inteligentemente, atuou para melhorar o padrão socialdo
jornalista. A legislação do Getúlio deu grandes vantagens.”
Em
discurso no dia do Professor na Associação do Ensino Superior, conclama:
“Os
professores mais antigos devem sentir saudades dos tempos em que os professores
eram realmente respeitados e valorizados, como acontecia, por exemplo,
durante a vigência da Constituição Federal de 1946 artigo 203.“
Por que
então os militares foram tão burros, segundo Alberto Dines, de se indispor
justamente com a imprensa?
De serem
acusados de desrespeitar e não valorizar os professores deste país?
Por que
foram fazer esta medida logo no início, quando ainda estavam com outros
problemas para resolver, e não cinco anos depois?
Duas
possibilidades.
Uma é
que este privilégio classista estava na garganta de todo militar, advogado,
médico, enfermeira, bombeiro, policial, pela sua hipocrisia e pelo seu abuso
onde até arcebispo estava sendo beneficiado.
A
segunda hipótese, é que Castelo Branco de fato pretendia ficar 18 meses,
somente até o fim de mandato de João Goulart.
Tanto é
que manteve o Congresso, mudou algumas leis como esta, e aboliu 13 partidos,
achando que o problema do Brasil era a profusão de partidos, e que a solução
seria forçar a ter dois, como na maioria dos países do mundo.
Prever o
passado é um exercício fútil, mas se os militares tivessem sido mais
maquiavélicos, não teríamos a reação contrária que surgiria anos depois, quando
o imposto de renda de fato começou a ser cobrado.
Os
poucos jornalistas de direita da época, ficaram mudos e inertes. Os jornalistas
de esquerda tinham razão, e puderam exercer o seu papel de oposição e
influenciar toda uma nova geração de jornalistas.
E foi
esta súbita mudança de tom dos jornalistas, professores de Sociologia,
História, Política e Ciências Sociais, que assustou a ala mais radical do
Exército a não devolver o poder como Castelo pretendia e ficar 21 anos.
Me
lembro de que na época de se propor uma nova constituinte ou não, para derrubar
a Constituição de 1967 votada na época dos militares, vários professores de
Ciência Política sugeriram que deveríamos é reinstituir a de 1946.
Na época eu não sabia deste artigo
203.
Quero
deixar bem claro que não conheço nenhum militar, jamais fui procurado na vida
por um militar para discutir assuntos deadministração,
professor que era.
Tudo aqui
é fruto de pesquisa na Internet, que quatro anos atrás havia uma única
referência, muito pouco para ser prova histórica. Hoje já temos umas 34
referências, é só pesquisar o trecho da Constituição suprimido.
Para os
militares se redimirem e reerguerem a imagem do Exército e das Forças
Armadas, seu orçamento e capacidade de combater o narcotráfico internacional e
outros problemas, acho que deveriam ser também tão cínicos quanto e assim
proporem a volta do artigo 203.
E desta
vez, para garantir que ela nunca mais seja revogada, incluir a classe de
militares, já que ética no Brasil não vale para nada.
art 203.
“Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista,
professor, militar, médico, enfermeira e policial.”
Algo
para os jovens militares, jornalistas, médicos, enfermeiras pensarem.
1 Art
27 – Durante o prazo de quinze anos, a contar da instalação da Assembleia
Constituinte, o imóvel adquirido, para sua residência, por jornalista que outro
não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim
previsto neste artigo, do respectivo imposto predial.
2. LEI
Nº 986, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1949.
3. Jânio
de Freitas “Até a década de 60, os jornalistas gozaram do
privilégio, por exemplo, de não pagar Imposto de Renda e de só pagar 50% das
passagens aéreas. Uma das consequências, para citar uma de tantas, era o
grotesco princípio de gratidão que proibia publicar-se o nome da companhia de
avião acidentado.”
4.
Alberto Dines “O Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro era uma agência
de viagens. Era uma corrupção tremenda.”
5. O
Luto dos Jornalistas Em Santa Catarina, antes da regulamentação, todo
mundo era “jornalista”. Queriam os privilégios da isenção do Imposto de Renda e
desconto de 50% nas passagens aéreas. Até o arcebispo tinha
carteira de jornalista.
Stephen Kanitz
– Artigos e Comentários
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