LUIZ FELIPE
PONDÉ
Há muito
me ocupo do que seria uma tipologia da esquerda contemporânea. Calma! Um dia
chegarei a tipologia da direita, aguardo apenas um pouco porque essa, pelo
menos entre nós brasileiros, apenas começa a se acomodar em clichês suficientes
para formar uma tipologia minimamente científica. A esquerda, velha como é, já
tem seus clichês comportamentais.
Primeiro,
a clássica, que deixaria a esquerda pós-moderninha, criada nos campi das
universidades, em pânico. Essa esquerda confessa suas taras: que morram todos
os reacionários. Corrupção é uma ferramenta válida, desde que usada para o
partido e a revolução. Multiculturalismo, e sua mania de parques temáticos
étnicos, é coisa de gente riquinha besta, com medo de sangue. Essa é a esquerda
que, de fato, teme dizer seu nome.
Quase
extinta porque sonhou em destruir o capitalismo. E ninguém tem nada para botar no lugar do capitalismo sem por em risco
seu próprio capital.
Existe
também a esquerda sindicalista. Essa, se retirada a metafísica social de
redenção do "mundo do trabalho", é quase sempre formada de gente que
adora a contribuição sindical obrigatória, nunca "trabalhou de fato",
e enche as ruas com infelizes que ganham um lanche para fazer número. É
bastante agressiva quando colocam em risco a sua renda paga pelos cofres
públicos.
A
esquerda dos "sem" e das vítimas está sempre cobrando algo da chamada
"sociedade" -esse conceito vago, mas de grande utilidade retórica.
Essa esquerda se alimenta do velho ressentimento humano, produzido em larga
escala pelo capitalismo e seu método de produção de riqueza pela competição
selvagem.
Há
também a esquerda descendente dos hippies. Gente que quer mudar o mundo com a
horta da varanda de sua casa e ainda acha o uso de drogas algo
"questionador do sistema". Tem pouco dinheiro e se dedica a
"arte e política".
Claro, a
esquerda dos campi universitários é essencial. Composta de gente da classe
média ou média alta, professores e alunos (os funcionários são, na sua maioria,
ligados à esquerda sindical porque são mais pobres e nunca vão a congressos que
discutem a desigualdade social), se constitui naquela que impacta a cultura e a
opinião pública.
Gosta de
tramar contra a desigualdade social comendo queijo e tomando vinho, quando não
organizando festivais literários, de cinema ou teatro. Quando
"prega", quase ninguém entende porque mistura jargão psicanalítico
com um marxismo banhado numa jacuzzi cheia de óleos naturais para a pele e
geleia "sugarless".
Não
esqueçamos da esquerda de Hollywood e seus prêmios pautados por "race,
class and gender", faturando milhões com super-heróis Marvel. Essa adora
chorar em público.
A
esquerda "sexual" é obcecada por suas idiossincrasias individuais que
tentam transformar em pautas pedagógicas para crianças recém saídas do berço.
Ligadas a essa, está toda a gama de pautas de gênero genéricas.
Há a
esquerda dos "recursos humanos" e das palestras corporativas sobre
capitalismo consciente. A mais aguada de todas, quase um marketing vagabundo.
Usa expressões como "gestão do futuro" e "humanismo
empresarial". Não gaste dinheiro com ela.
Também
existe a esquerda da moçada que mora perto de onde trabalha e, por isso,
confunde seu bairro com uma Amsterdã universal. Pode chegar suada no trabalho
porque é dona do próprio negócio. São os "hackers urbanos", tem
vocação para experimentalismo urbano e sonha com o Haddad como presidente dos
EUA.
A
multiculturalista só sobrevive quando tem muito investimento para deixar todas
as culturas ali expostas num estado que agrade todo mundo que as visita.
Claro
que não podemos esquecer da esquerda artística em geral, que delira com o
politicamente correto e tem de si uma tal imagem de santidade política que
deixaria Jesus envergonhado. Bienais de todos os tipos são seu templo.
E a
"esquerda de mercado"? É a que sabe que para se vencer no mercado
cultural deve-se gritar "Fora Temer!". E para não dizer que não falei
de religião, existe a esquerda católica, essa mesma que domina o mercado da
teologia. Amém.
FOLHA DE SÃO PAULO
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