sexta-feira, 15 de junho de 2018

Supremo proíbe que investigados sejam levados à força para depor

Rafael Moraes Moura Amanda Pupo

Judiciário em decisão apertada, por 6 votos a 5, plenário da Corte decide vetar um instrumento largamente utilizado pela Lava Jato; ação foi ajuizada no STF por PT e OAB

BRASÍLIA - O STF proibiu ontem, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios, sob o argumento de que a medida, prevista no Código de Processo Penal desde 1941, viola a Constituição. A discussão teve origem em duas ações apresentadas pelo PT após a coercitiva de Lula e pela OAB. O procedimento vinha sendo usado pela Operação Lava Jato até ser vetado por liminar do ministro Gilmar Mendes, no fim do ano passado.

O Supremo Tribunal Federal proibiu ontem, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios com o argumento de que pode haver violação de direitos previstos na Constituição – como o de ir e vir, de ficar em silêncio e o de não se incriminar. A medida, prevista no Código de Processo Penal em vigor desde 3 de outubro de 1941, era um dos instrumentos largamente usados pela Operação Lava Jato, mas criticada por advogados criminalistas.

A discussão no plenário da Corte girou em torno de duas ações, apresentadas pelo PT e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contestavam a condução à força de investigados para a realização de interrogatórios. A ação do PT foi ajuizada em abril de 2016, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente condenado e preso pela Lava Jato, ter sido levado coercitivamente para depor na Polícia Federal.

O procedimento vinha sendo utilizado em investigações da PF até o fim do ano passado, quando foi vetado pelo ministro Gilmar Mendes em decisão liminar (provisória). Depois do veto, as prisões temporárias cumpridas pela PF cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme revelou o Estado no mês passado.

O julgamento, iniciado em 7 de junho, se estendeu por três sessões plenárias do STF. O tema dividiu a Corte. Acompanharam o entendimento de Gilmar os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Rosa Weber e Dias Toffoli. Pela legalidade da condução coercitiva se manifestaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin (relator da Lava Jato no Supremo), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente do STF, Cármen Lúcia.

Com o placar apertado (6 a 5), a decisão de ontem evidenciou mais uma vez o racha na Corte, que recentemente já registrou divisão em outras matérias de natureza penal – como a negativa ao habeas corpus proposto pela defesa de Lula e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

“A condução coercitiva é um ato gravoso, que solapa o perfil do conduzido. É um ato que cerceia a liberdade de ir e vir do cidadão, que fragiliza o homem no que alcança e coloca em dúvida o próprio caráter, e visa ao interrogatório, que se realizará em termos de perguntas, mas não necessariamente de respostas”, criticou Marco Aurélio. “Devemos abandonar o calor das emoções. Em época de crise, como a vivenciada no Brasil atualmente, devemos até mesmo ser ortodoxos na interpretação do arcabouço normativo legal.”

Para Lewandowski, a condução coercitiva cria um “estado psicológico no qual o direito ao silêncio se torna dificultado”. Ele ressaltou em seu voto que a jurisprudência “garantista” (com posições mais favoráveis aos réus) da Corte não é “nenhuma novidade” e que sempre foi construída a partir de casos de “pessoas pobres, desempregadas, subempregadas e de pequeno poder aquisitivo”.

Foi uma resposta às colocações de Fachin e Barroso, que criticaram o tratamento desigual no sistema de justiça brasileiro, que puniria poderosos com menos rigor. “Voltar-se contra as conduções coercitivas sem prévia intimação, sem presença de advogado, nada tem a ver com a proteção de investigados ricos”, disse o ministro.

Celso de Mello, por sua vez, defendeu as garantias constitucionais dos investigados e ressaltou o direito ao silêncio e da não autoincriminação. “Se revela inadmissível sob a perspectiva constitucional a condução coercitiva do investigado, do suspeito ou do réu”, afirmou o decano.

Para Toffoli, que assumirá a presidência do STF em setembro, “nenhum juiz no Brasil tem poder geral de cautela em matéria de atingir a liberdade de ir e vir de ninguém”. Ele disse que a Corte deve “zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir e a garantia do contraditório, da ampla defesa e a garantia da não autoincriminação”.

Divergência. Para Cármen Lúcia, que votou por manter a condução, “todo e qualquer abuso é inaceitável, mas para os excessos, há meios jurídicos adequados”. “Abusos praticados em investigação têm de ser resolvidos nos termos da lei, mas não aniquilam o próprio instituto ( da condução coercitiva)”, ressaltou a ministra, que criticou a “espetacularização de práticas”, considerado por ela um “mal gravíssimo que precisa ser impedido”.

‘Tempos estranhos’. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reagiu em sua conta no Twitter à decisão do STF. “Pois é. A prisão preventiva deve ser melhor. Tempos estranhos”, escreveu o ex-chefe do MPF.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Paiva, considera que a condução coercitiva “é um instrumento jurídico menos gravoso” e a decisão da Corte pode aumentar pedidos de prisão temporária. “A decisão do STF estabelece um parâmetro que pode refletir diretamente no aumento dos pedidos de prisão temporária, como forma de evitar riscos à investigação criminal.”

Para a advogada criminalista Sylvia Urquiza, o processo penal tem regras claras. “A condução coercitiva só é autorizada pelas regras se a prévia e regular intimação de testemunhas e peritos não for obedecida por três vezes.”

Colaboraram Fausto Macedo e Luiz Vassallo

O Estado de São Paulo


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