Alexander
Busch
O próximo
governo vai ter que cortar gastos estatais, senão a ameaça é de inflação
galopante. Mas os brasileiros não parecem dispostos a engolir essa pílula
amarga.
A greve dos caminhoneiros teve o apoio da maior parte da população
brasileira: 87% foram a favor do bloqueio das estradas por 11 dias, mesmo que a
maioria tenha logo ficado sem combustível nem gás de cozinha, e nos
supermercados os alimentos tenham rareado.
Achei isso surpreendente, até porque o governo cedeu logo às
exigências dos motoristas. Mais espantoso, porém, eu achei uma outra
constatação da sondagem do fim de maio: 87% dos brasileiros eram contra as
concessões aos grevistas serem financiadas via impostos ou aumento no preço da
gasolina.
A conta deveria... sim, ser paga por quem? O Estado, a Petrobras? Pois
isso só pode querer dizer que todos os brasileiros terão que pagar impostos
mais altos para cumprir as exigências da classe, sejam elas justas ou não.
Duas semanas mais tarde, afinal de contas, dois terços dos consultados
achavam que, no total, a greve tinha trazido mais danos do que vantagens. O que
certamente tem a ver com o fato que, desde então, ficaram bem mais altos os
preços da gasolina e do gás, assim como da maior parte dos alimentos, e
permanecem nesse nível elevado.
Eu me pergunto se essa insatisfação com o resultado da greve pode ser
uma primeira indicação de que lentamente os brasileiros se dão conta de que
gastos estatais crescentes acabam sendo pagos por eles mesmos, de que a conta
não é paga num passe de mágica por um poderoso Estado.
Pois os gastos do Estado no Brasil, que há 15 anos aumentam sem parar,
são até agora pagos com dívidas e impostos. Se o próximo governo não conseguir
reduzir seus gastos (ou aumentar ainda mais as arrecadações), no médio prazo
nada restará ao país senão amortizar o déficit através da inflação, como o país
já fez várias vezes em sua história, para sanear o orçamento público. Com altos
custos sociais, pois a inflação atinge sobretudo os pobres.
Não tem que ser assim. Martin Raiser, do Banco Mundial no Brasil,
divulgou recentemente um estudo mostrando que seria possível reduzir os gastos
públicos, sem incrementar a taxação já alta. Seria possível poupar 5% do PIB
cortando despesas ineficazes, sem prejudicar os pobres. Pois os gastos do
Estado brasileiro são profundamente injustos.
"O Estado tira dinheiro dos pobres e dá para os ricos, na forma
de subsídios e estímulos à indústria", aponta Raiser. Os altos
funcionários públicos – muito bem pagos e privilegiados, em comparação com o
setor privado – contam entre os beneficiados do sistema tributário socialmente
injusto, da mesma forma que os filhos dos mais abastados, que podem estudar de
graça nas universidades federais. Dois terços dos estudantes das universidades
estatais vêm dos 10% das famílias mais ricas do país. Além disso, setores
inteiros são financiados com subsídios, sem qualquer plano nem controle. A
lista vai longe.
Mas tenho dúvidas de que se vá chegar a um consenso político e mudar
algo na relação entre os gastos estatais e os privilegiados – sobretudo quando
vejo os meus amigos da classe média desempregados e subempregados.
Quanto mais perdura a crise da economia, mais promissor e atraente é
para eles um emprego no Estado, com bom salário, segurança alta, numerosos
privilégios e aposentadoria precoce e alta. Em vez de sacudir o sistema, todos
preferem tentar se acomodar sob as asas do Estado.
Eu temo que, no médio prazo, o Brasil vai mais uma vez sanear o
orçamento público com um choque inflacionário – com consequências sociais e
políticas potencialmente explosivas. Tomara que eu esteja enganado.
DW
– Deutsche Welle
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