Claudia Safatle
O país experimenta caminhos que não
o equilíbrio fiscal
Há 35
anos, desembarcou em Brasília a economista Ana Maria Jul, chefiando a missão
técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil havia quebrado, das
reservas cambiais contavam-se as moedinhas, e o governo brasileiro buscou ajuda
junto ao emprestador de última instância, o FMI. Dentre os compromissos
firmados naquele acordo constava a meta de redução da necessidade de
financiamento do setor público de 13,8% do PIB em 1982 para 7,9% do PIB em 1983
e para níveis bem mais baixos no período do acordo de três anos. Essa era a
medida do déficit nominal.
Começava,
ali, a percepção de que o gasto público precisava de maior controle e
transparência.
A
inflação deveria cair dos 100% em 1982 para 70% em 1983 e 40% em 1984, conforme
previa o acordo. Os técnicos do fundo insistiram na desindexação dos salários
que acabaram sendo reajustados com base em 80% da inflação.
Havia,
também, um forte ajuste a ser feito nas contas externas do país. Poucas semanas
após a assinatura da carta de intenções junto ao FMI, o governo fez a
maxidesvalorização de 30% do cruzeiro em relação ao dólar. No ajuste, o déficit
em conta corrente caiu de US$ 16 bilhões para R$ 94 milhões entre 1982 e 1984,
mas a inflação não deu trégua. O FMI queria mais controle monetário e mais de
corte das despesas públicas.
A
primeira carta foi um fracasso e outra dezena de tentativas foram escritas. O
objetivo final dos programas de negociados com o fundo monetário era
reconstruir as condições de pagamento aos credores externos.
Antes da
negociação com o FMI, no início de 1980, o então ministro Delfim Netto anunciou
a prefixação da correção monetária em 45% e da taxa de câmbio em 40% durante o
ano. Mas a inflação permaneceu nos três dígitos.
Entre
pedidos de perdão pelo descumprimento das metas e renegociações, o governo
brasileiro foi obtendo, junto ao fundo monetário, mudanças metodológicas para
as contas públicas até chegar ao resultado primário que vigora hoje e que
expurga as despesas com os juros da dívida pública.
Com o
fim do regime militar e a ascensão de José Sarney à Presidência da República,
os brasileiros passaram a conviver com uma inflação elevadíssima e uma
sequência de planos econômicos heterodoxos que congelavam os preços, criavam
gatilho para reajustes salariais e testavam, em vão, várias alternativas de
política econômica, inclusive o confisco da poupança do Plano Collor.
Em 1994,
no governo Itamar Franco, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso
comandou a equipe de economistas, os mesmos que elaboraram o Cruzado, que
concebeu o bem-sucedido Plano Real, que derrubou a inflação de 2.477,15% em
1993 para patamares mais civilizados, de um dígito. Atualmente, sob o regime de
metas para a inflação, o IPCA está na casa dos 3%.
O Real,
ancorado na taxa de câmbio, descuidou das contas públicas até que, em 1998, o
governo de FHC teve que recorrer ao FMI, reiniciando os acordos que terminaram
em 2006, quando o então presidente Lula quitou a dívida com o Fundo.
A partir
do segundo mandato de FHC, sob acordo com o FMI, deu-se curso a uma política de
austeridade. O esforço fiscal foi excepcional para sair de um déficit de 0,87%
do PIB em 1997 e chegar a um superávit primário de 2,86% do PIB em 1999.
Por dez
anos, até 2008, o país manteve a política de superávits primários das contas
públicas da ordem de 3% do PIB e obteve um crescimento médio de 3,45% do PIB. A
partir daí os superávits começaram a decrescer até se transformarem em déficit
em 2014, situação que perdura hoje. A expansão média do PIB 2009 a 2017 foi de
1,20%. É certo que o "boom" das commodities ajudou bastante a
atividade econômica durante o periodo de Lula. Mas sabe-se que esses surtos são
passageiros.
O
déficit primário atingiu o ápice em 2016, ano em que a então presidente da
República Dilma Rousseff foi afastada do governo com a aprovação do seu
impeachment em agosto. O governo Dilma, além das pedaladas. testou alternativas
de política econômica que não o tripé de FHC, representado pelo superávit
primário, câmbio flutuante e metas de inflação. Instituiu um programa
desenvolvimentista conhecido como "nova matriz econômica". Ela
ignorou os limites do gasto público e quase levou o Estado brasileiro à
insolvência, deixando contratada uma recessão profunda e prolongada. De
superavitária a União passou a viver de mais endividamento.
Dilma
deixou de herança déficit primário de 2,49% do PIB e R$ 4,3 trilhões de dívida
bruta do governo geral, equivalente a 69,95% do PIB. Hoje a dívida é de R% 5,04
trilhões, o que corresponde a 76,02% do PIB, segundo dados de abril do Banco
Central.
Receitas
crescentes com impostos ajudaram os governos a cumprir metas de superávit
fiscal. As despesas, porém, assumiram trajetória de crescimento mais rápido,
lideradas pela Previdência Social que consumiu, no ano passado, 57% dos gastos
totais.
Nos
últimos 35 anos o país testou várias políticas econômicas em busca do
crescimento. Do congelamento de preços ao confisco da poupança, houve uma longa
lista de experimentos.
Os erros
e acertos, porém, não foram suficientes para criar uma consciência na classe
política de que a boa gestão das finanças públicas é crucial para a
estabilidade e, inclusive, para o bom desempenho das políticas de combate à
desigualdade. Equilíbrio fiscal não deve ser um objetivo passageiro.
Ricardo
Lagos, socialista, presidente do Chile de 2000 a 2006, disse ao assumir que
seria rigoroso na política fiscal para poder ser ousado nas políticas sociais.
Ana
Maria Jul, que era a expressão da austeridade com sua pasta preta e tailleur
singelo, virou musa do carnaval no bloco do irreverente Pacotão, criado por
jornalistas de Brasília para satirizar os Três Poderes.
A
política fiscal, nessas três décadas, foi do déficit ao superávit e, novamente,
para o déficit. O presidente Temer conseguiu a aprovação da PEC do teto do
gasto público, iniciativa relevante para retomar a confiança no governo. Para
cumprir o teto do gasto será imperativo aprovar a reforma da Previdência. Mas
não só ela. A política fiscal responsável é, provavelmente, um ingrediente básico da receita do crescimento.
Valor
Econômico
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