AFONSO BENITES
Maioria da Câmara contou com ajuda
dos 'puxadores de voto' para atingir quociente eleitoral. Só ex-humorista
Tiririca elegeu cinco parlamentares que não alcançaram o mínimo necessário
O Brasil
acompanhou minuto a minuto a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff
neste domingo pela televisão e redes sociais. Muitos dos que estavam contra ou
a favor da destituição da mandatária se depararam pela primeira
vez com o que é uma sessão na Câmara. O desfile na tribuna de figuras que
enalteceram suas cidades locais e saudaram mãezinhas, noras, netos, filhos e
esposas deixaram muita gente ressabiada. A falta
de identificação com a postura informal, religiosa, e até desrespeitosa de alguns deputados fez os
brasileiros se perguntarem: mas quem elegeu estas pessoas?
A
resposta pode chocar muita gente, mas a verdade é que a grande maioria não foi
eleita com votos diretos de seu eleitor. Apenas 36 dos deputados federais
brasileiros eleitos em 2014 conseguiram os votos de urnas necessários para
obter uma das 513 cadeiras da Câmara na atual legislatura. Isso quer dizer que
só 7% dos parlamentares superaram o mínimo necessário de votos – o chamado
quociente eleitoral – para garantir um espaço na Casa legislativa, o mesmo
número da eleição de 2010. E os outros 477? Como chegaram lá?
Diferentemente
das eleições para governador ou presidente, que funciona pelos votos da maioria
(eleição majoritária, ou, vence quem tem mais votos no primeiro turno, e 50%
dos votos mais um se houver segundo turno), deputados e vereadores se elegem
pelo sistema proporcional. O tal quociente eleitoral define o jogo: a soma das
vagas de deputados dividido pelo número de votos válidos durante uma eleição. É
esse número mágico que define quem passa pelo crivo popular direto de fato. E
aí estão os tais 36. Eduardo Cunha, Chico Alencar, Jair Bolsonaro, Tiririca e
Celso Russomano, por exemplo, integram esse seleto grupo.
Os
demais 477 acabam entrando beneficiados pelo número que ultrapassa esse
quociente e que pode ser distribuído para outros parlamentares do partido dos
candidatos mais votados. Os votos de legenda, por exemplo, entram nessa conta
do quociente eleitoral. É por isso que as legendas apostam nos chamados
“puxadores de votos”: nomes mais famosos que atraem atenção dos eleitores. O
palhaço Tiririca, por exemplo, eleito em 2010 por primeira vez com o slogan
“Vote em Tiririca, pior que está não fica”, é o melhor exemplo. A inofensiva
mensagem garantiu-lhe mais de um milhão de votos em 2014 quando concorreu pelo
PR por São Paulo, número muito acima do quociente necessário proporcionalmente
para o tamanho do seu partido e para as vagas disponíveis para os deputados
paulistas na Câmara. Com ele se elegeram o Capitão Augusto, que teve somente
46.900 votos e Miguel Lombardi (32.000), ambos do PR.
Em 12
das 27 unidades da federação, os eleitos em 2014 tiveram de contar com votos
que não eram seus, mas que foram dados aos seus partidos ou companheiros de
coligação (parceria entre dois ou mais partidos). O Distrito Federal foi um
desses locais. O cálculo para eleger um deputado aqui era assim: dividiu-se os
1,45 milhão de votos válidos por oito, que é o número de parlamentares locais.
Chega-se ao quociente de 187.100. Só está eleito quem tiver essa votação. Quem
não a tiver, precisa somar os votos dos companheiros de coligação ou os de
legenda.
O modelo
eleitoral voltou ao foco por causa da votação do impeachment da presidenta
Dilma, quando se escancarou a falta de preparo de boa parte dos deputados que
lá estavam. As justificativas para apoiar ou não a destituição da presidenta
demonstrou, por exemplo, que vários deles não analisaram fundamentos jurídicos,
ou até mesmo políticos, que interferem em um processo de impedimento de um
mandatário. Uma multidão entre os 511 votantes (dois se ausentaram) disse que
votava pela família, por Deus e até em homenagem a um torturador da ditadura
militar, a alusão ao pequi ou contra o ensino da sexualidade para as crianças.
Um
levantamento feito pela Secretaria Geral da Mesa da Câmara e divulgada no site
do Legislativo, logo após a eleição de 2014, mostrou que além de Cunha, Chico
Alencar e Tiririca estão também Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE), o apresentador
de TV Celso Russomanno (PRB-SP), os pastores Eurico (PHS-PE) e Marcos Feliciano
(PSC-SP) além do ex-militar Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Do grupo de 36 eleitos
diretamente, foram registrados 27 votos pelo impeachment de Rousseff, sete
contra e ainda houve uma ausência (Clarissa Garotinho, do PR-RJ) e um dos
deputados, Felipe Carreras (PSB-PE), não votou por está licenciado do cargo.
Sistema proporcional X majoritário
O debate
sobre o modelo de votação é complexo porque a alternativa 'lógica', num
primeiro momento, parece ser que a votação por maioria, como a para governador
ou presidente ou senadores, fosse mais justa também para os deputados. Mas,
cientistas políticos explicam que esse modelo enfraqueceria os partidos e
deixaria de fora segmentos importantes da sociedade. “Imagine o que aconteceria
com um candidato que defendesse bandeiras LGBT”, pergunta o cientista político
Vivaldo de Sousa.
Há,
também, um lado do próprio eleitor brasileiro que não se interessa tanto em
quem está no Legislativo, ficando mais preocupado em quem será seu presidente
ou Governador.
Onda conservadora
Nota-se
que a onda conservadora domina boa parte dos votos dos candidatos mais votados
diretamente. Seis dos 36 deputados diretamente são representantes da bancada
evangélica.E esse conservadorismo, interferiu no apoio ou não ao Governo. Desde
2012, a gestão petista já vinha perdendo apoioo Congresso. Naquele ano
começaram a ganhar força os parlamentares dos grupos de ruralistas, de representantes da Segurança Pública e de
evangélicos, a chamada bancada BBB (boi, bala e bíblia). Na ocasião, o
primeiro “B” e o último da sigla se uniram para interferir na votação do Código
Florestal. A eleição de 2014 só serviu para encorpar ainda mais essa frente
parlamentar e transformar o atual Congresso Nacional em um dos mais
conservadores do país.
Na
radiografia do Congresso elaborada pelo Departamento Intersindical de Análise
Parlamentar (DIAP) há uma possível explicação para essa onda conservadora e antipetista. “Houve, em quase
todos os Estados, alianças entre partidos de esquerda e de direita, cujos votos
tanto poderiam eleger pessoas identificadas com as pautas sociais e com os
direitos humanos, como poderiam sufragar candidatos conservadores, contrários à
proteção ao meio ambiente, às conquistas sociais e aos direitos de minorias
étnicas, etárias, de gênero, entre outras. Prevaleceu a segunda hipótese,
porque os conservadores apresentaram-se como ‘populistas’, ‘messiânicos’, com
grande visibilidade em suas comunidades, e contrários a ‘tudo que está aí’, e,
em geral, em coligações nas quais tinham certeza de que atingiriam o quociente
eleitoral”.
A falta
de identificação com movimentos sociais faz com que os parlamentares se sintam
livres para flutuar conforme seus próprios interesses ou de acordo com os
humores de seus eleitores. Na votação do impeachment de Dilma, por exemplo, vários
parlamentares que se comprometeram com a presidenta ou com seus articuladores a
não apoiar a destituição dela acabaram mudando de lado de última hora. O
efeito-manada, quando alguns dos parlamentares acompanharam a votação de uma
maioria já consolidada, também interferiu no processo de impeachment, segundo
admitem diversos membros da bancada governista.
Colaborou Carla Jiménez
EL PAÍS
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