Ricardo
Noblat
Digo o que
você quer ouvir e você finge que acredita
O truque é velho, embora não tão velho assim, mas costuma funcionar.
Meses antes de eleições, os políticos mais abastados encomendam pesquisas para
saber o que pensam as pessoas sobre os assuntos que possam lhes render mais
votos. E depois ajustam seus pontos de vista às opiniões expressas pela maioria
dos entrevistados.
Parece democrático, mas não é. Não passa de um engodo. Que quase
sempre resulta em estelionato eleitoral. Os políticos servem aos eleitores o
que os eleitores querem ouvir, mas não necessariamente o que eles pensam. E
assim mentem, escamoteiam. E assim também transfiguram a realidade que
enfrentarão mais tarde se eleitos.
Fernando Henrique Cardoso fez isso, por exemplo, para se reeleger em
1998. Não precisou de pesquisas para saber que perderia a eleição se admitisse
a verdadeira situação falimentar do país, muito menos que seria forçado a
desvalorizar o real. Negou que pretendesse fazê-lo. Mas o fez logo no primeiro
mês do seu segundo mandato.
Dilma Rousseff agiu da mesma forma para se reeleger em 2014. Jamais
admitiu promover um duro ajuste fiscal se eleita. Dizia que ajuste era discurso
da oposição ao seu governo, interessada em derrotá-la. Uma vez reeleita, tentou
fazer o ajuste. Cortou gastos com projetos sociais. Faltou-lhe vontade e também
apoio para completar a tarefa.
Nenhum dos atuais candidatos à sucessão presidencial de outubro
próximo deu sinais de que pretenda aproveitar a campanha para enfrentar com
realismo os problemas acumulados pelo país. Serão capazes de enumerá-los,
naturalmente, de apontar os culpados por eles ao gosto e de acordo com as
conveniências de cada um.
Mas, quanto ao que eles se dispõem a fazer de fato? O que farão
exatamente, não importa o que pensem ou desejem os eleitores? Como governarão,
por exemplo, sem ceder aos vícios de um sistema político que apodreceu, mas que
resiste a desmoronar e que continuará ativo ainda por muito tempo, sabe-se lá
até quando?
Enquanto os eleitores preferirem escutar só os que lhes agrada, e os
candidatos, por oportunismo e ambição, só disserem o que eles querem escutar, a
democracia seguirá como um jogo de esconde-esconde. Não ouço o que me
contraria. Não digo o que possa contrariá-lo. Finjo acreditar no que ouço. Eu
finjo acreditar no que digo.
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do Noblat
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