André Shalders,
Leandro Machado e Luiza Franco
Em
dezembro de 2013, a ex-presidente Dilma
Rousseff (PT) lançou um apelido que acabou pegando: o Brasil
realizaria a "Copa das Copas" em 2014, disse a petista. Torcedora do
Atlético Mineiro, Rousseff também elogiou o escrete canarinho, que seria
"forte" e "cheio de novos craques geniais". O fim da
história dentro de campo é conhecido: no dia 8 de julho, a Seleção Brasileira
sofreu a famosa derrota de 7 a 1 para o time da Alemanha, em Belo Horizonte.
A derrota
no estádio do Mineirão ficou na memória coletiva dos brasileiros. Mas há um
outro "7 a 1" cujos efeitos são sentidos até hoje: a um dia do início
da Copa
da Rússia, dezenas de obras planejadas para o mundial de futebol de 2014
continuam inconclusas em 10 das 12 cidades que sediaram jogos naquele ano.
Baseada em dados de governos estaduais, prefeituras e da Controladoria-Geral da
União (CGU), a BBC News Brasil encontrou pelo menos 41 obras ainda inacabadas,
paralisadas ou mesmo abandonadas.
Na
maioria, são obras viárias e de mobilidade urbana: viadutos, ampliação de
avenidas, trens de superfície (VLTs) e corredores de ônibus (BRTs). Há também
três aeroportos cujas obras de ampliação ainda não foram concluídas, nas
cidades de Salvador (BA), Cuiabá (MT) e Belo Horizonte (MG).
As obras
inconclusas da Copa de 2014 vivem várias realidades diferentes. A maior parte
foi interrompida ou está em andamento. Algumas foram totalmente abandonadas e
não há previsão de quando (e se) serão retomadas.
Há
construções nos quais o dinheiro público já foi gasto em estudos e primeiras
instalações, antes de a ideia ser completamente abandonada. Em Brasília, a
construção de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) chegou a ser iniciada,
ligando o aeroporto ao centro da cidade. R$ 20 milhões foram investidos, mas o
projeto acabou deixado de lado (leia mais detalhes abaixo).
Não dá
para dizer que as cidades não tiveram tempo para planejar e executar as
demandas: em 13 de janeiro de 2010, o então ministro do Esporte, Orlando Silva
(PCdoB) assinou a primeira versão da Matriz de Responsabilidade da Copa - o
documento também foi subscrito pelos prefeitos das 12 cidades que sediaram o
evento, além dos governadores. A Matriz trazia a relação das principais obras:
estádios, reforma de aeroportos, etc., além do montante a ser investido pelas
esferas de governo (prefeituras, Estados e União).
O
levantamento da BBC News Brasil leva em conta tanto as obras que estavam na
Matriz quanto aquelas que foram prometidas por prefeituras e governos para a
Copa - mesmo as que não integraram o documento, ou foram removidas da versão
final.
Para
tentar agilizar as obras da Copa, o governo também criou o chamado "Regime
Diferenciado de Contratação", o RDC. Polêmica, a medida reduzia as regras
e diminuía o rigor exigido no processo de licitação de uma obra pública. Por
exemplo: em vez de ter de entregar às empresas que disputariam a licitação um
projeto detalhado, com todos os custos, o governo passou a poder entregar só um
"anteprojeto de engenharia".
A
maioria dos projetos era de responsabilidade das prefeituras e governos
estaduais - alguns deles com financiamento do governo federal. As
administrações alegam uma série de problemas que atrapalharam a conclusão como
falta de dinheiro, interdições da Justiça, problemas de licitação e abandono
das obras por parte das construtoras.
Abaixo,
um resumo das obras da Copa de 2014 inconclusas ou abandonadas, em cada uma das
12 cidades-sede do evento.
Belo Horizonte
Desde 2014, Confins recebeu uma série de obras que ampliaram sua capacidade em 5,3 milhões de passageiros por ano (hoje, o aeroporto tem capacidade de receber até 17,1 milhões de pessoas a cada ano). Mesmo assim, estão inconclusas a ampliação da pista de pouso (que deve ficar pronta até o fim deste ano), e a reforma de um dos terminais de passageiros. No caso do terminal, as obras foram suspensas por decisão da Justiça Federal de Brasília, ainda no começo de 2015, e a Infraero, responsável pelas obras, agora aguarda a solução do caso na Justiça.
Desde 2014, Confins recebeu uma série de obras que ampliaram sua capacidade em 5,3 milhões de passageiros por ano (hoje, o aeroporto tem capacidade de receber até 17,1 milhões de pessoas a cada ano). Mesmo assim, estão inconclusas a ampliação da pista de pouso (que deve ficar pronta até o fim deste ano), e a reforma de um dos terminais de passageiros. No caso do terminal, as obras foram suspensas por decisão da Justiça Federal de Brasília, ainda no começo de 2015, e a Infraero, responsável pelas obras, agora aguarda a solução do caso na Justiça.
Em Belo
Horizonte, a prefeitura ainda não conseguiu concluir o corredor de ônibus que
passa pelas avenidas Antônio Carlos, Pedro I e Vilarinho, embora a maior parte
da estrutura já esteja em operação.
Os
corredores de ônibus do tipo BRT (sigla para Bus Rapid Transport, ou Transporte
Rápido por Ônibus) são chamados na capital mineira de "Move". O
corredor inconcluso tem 14,7 quilômetros de extensão, e liga o estádio do
Mineirão ao aeroporto de Confins. O trecho que falta é justamente o da avenida
Pedro I. Em junho de 2014, durante os jogos, um trecho de viaduto caiu no local
e matou duas pessoas.
Segundo
a Prefeitura de Belo Horizonte, devido à finalização do contrato com a empresa
Cowan, estão pendentes alguns serviços complementares, como sinalização,
paisagismo e obras na via no entorno. A previsão de novas licitações para a
conclusão dos trabalhos está prevista para 2018.
O custo
total da obra é de R$ 685,12 milhões.
Brasília
Na
capital federal, são quatro obras previstas para a Copa de 2014 que nunca
saíram do papel: a urbanização do entorno do estádio Mané Garrincha; um jardim
projetado pelo paisagista Burle Marx, no centro da capital; a reforma do
calçamento dos setores hoteleiros da cidade; e um trem de superfície (do tipo
VLT), ligando o aeroporto ao centro.
O caso
mais importante é o do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O projeto custaria R$
1,5 bilhão (valores de 2010), e teria extensão de 22,6 quilômetros. As obras
começaram a ser feitas, e pelo menos R$ 20 milhões foram investidos. O trabalho
foi suspenso diversas vezes pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), e em abril de 2011, pela Justiça Federal. O consórcio
responsável acabou mencionado no escândalo da Caixa de Pandora, que resultou na
queda do ex-governador José Roberto Arruda (PR).
Em 2012,
o VLT de Brasília se tornou a primeira obra da Copa oficialmente cancelada. Em
nota à BBC News Brasil, o governo de Brasília disse que um novo projeto de VLT
fará parte do "Plano de Desenvolvimento do Transporte Público sobre
Trilhos do Distrito Federal", o PDTT/DF, que está "em fase final de
elaboração".
Brasília
também desistiu de outra obra prevista para a Copa: a urbanização do entorno do
estádio Mané Garrincha e a construção de túneis por baixo do Eixo Monumental,
ligando o estádio a espaços culturais da cidade, como o Clube do Choro. O
investimento previsto era de R$ 285 milhões, mas a obra foi cancelada no fim de
2014, após a Copa do Mundo. O governo local, então sob Agnelo Queiroz (PT) não
viu mais necessidade de concluir a melhoria. Em 2017, o atual governador,
Rodrigo Rollemberg (PSB), decidiu arquivar o projeto.
Cuiabá
A
capital de Mato Grosso é uma das cidades com mais obras da Copa inconclusas:
nove.
E também
ostenta um dos piores exemplos do "legado" do torneio: o VLT da
cidade é hoje a obra inacabada da Copa mais cara do país. A
obra já consumiu R$ 1,06 bilhão de reais, mas só 30% do projeto está pronto
(inicialmente, a previsão era de que o projeto todo custasse R$ 1,4 bilhão). A
construção foi alvo de uma operação da Polícia Federal (Descarrilho, em agosto
passado).
Segundo
o governo do Estado, o contrato com Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande foi
rescindido após instalação de processo administrativo pelo Governo do Estado
para apurar infrações contratuais.
Ainda de
acordo com as autoridades, uma nova licitação está em andamento. Os valores
para a conclusão das obras ainda estão sendo calculados.
Cuiabá
também deixou pelo caminho as obras de dois Centros de Treinamento (COTs). Um
deles, o COT Professor João Batista Jaudy, na Universidade Federal de Mato Grosso,
está 82% construído. As obras estão em andamento (foram retomadas em abril
passado, segundo o governo do Estado, com um orçamento estimado em R$ 17,25
milhões). O outro, na Barra do Pari, está paralisado, Até agora, 69,2% da
construção está concluída.
O Estado
diz que reiniciará as tratativas com a construtora para que ela retome os
trabalhos ou para que haja uma rescisão contratual.
Além
disso, também não estão concluídas a reforma do aeroporto Marechal Rondon (sob
responsabilidade da Infraero), uma via elevada (a Trincheira Jurumirim), as
ampliações de três avenidas (Parque do Barbado, 8 de Abril e Estrada do
Moinho). Por fim, ainda há pendências na Arena Pantanal, embora o estádio tenha
recebido quatro jogos da Copa de 2014. O Estado não respondeu sobre o motivo
dos problemas no estádio.
Curitiba
Na
capital do Paraná, as pendências se referem à mobilidade urbana: três
ampliações de vias, sob responsabilidade do governo do Estado, e a reforma de
um terminal de ônibus, a cargo da prefeitura da capital.
A
principal obra viária é um corredor de ônibus ligando o aeroporto mais
importante do Estado, no município vizinho de São José dos Pinhais, à
rodoferroviária de Curitiba. Segundo o governo do Estado, 70% da obra está
pronta, e a previsão é de que o trabalho seja concluído no fim deste ano. Até o
momento, a obra já consumiu R$ 44,4 milhões (a previsão inicial, na Matriz de
Responsabilidade, era de R$ 65,2 milhões).
Outras
duas obras sob responsabilidade do governo estadual também estão inconclusas: a
ampliação do corredor Marechal Floriano Peixoto, e a implementação de um
sistema de monitoramento de trânsito.
A
prefeitura de Curitiba, por sua vez, ainda não concluiu as melhorias no
Terminal Santa Cândida, que foi entregue incompleto em fevereiro de 2016, ano
de eleições municipais. À BBC News Brasil, a prefeitura disse que fechou em
maio um novo contrato para a conclusão do projeto, previsto agora para
novembro.
Fortaleza
Assim
como Brasília e Cuiabá, a capital do Ceará também teve problemas para tirar do
papel a obra de um VLT, uma espécie de metrô de superfície. Além do VLT,
Fortaleza também não concluiu a ampliação do aeroporto Pinto Martins - a
empresa que administra o terminal, a francesa Fraport, diz que investirá R$ 800
milhões para terminar tudo.
O ramal
Parangaba-Mucuripe do VLT de Fortaleza está hoje 75% concluído, mas ainda não
opera em sua capacidade máxima. De dez estações previstas, só quatro estão em
"operação assistida", transportando pessoas no período da manhã e de
forma gratuita.
À BBC
News Brasil, a Secretaria de Infraestrutura do Governo do Ceará informou que
outras quatro estações devem começar a operar de forma experimental no início
de julho deste ano. E o restante da obra deve ser concluído até o fim do
segundo semestre.
Manaus
Na
capital do Amazonas, dois projetos da Copa de 2014 sequer começaram a ser
construídos: um corredor de ônibus (BRT) ligando a Arena da Amazônia até o
centro da cidade e dois Centros de Atendimento ao Turista (CATs).
Alegando
que os recursos do governo federal não foram liberados a tempo, a prefeitura de
Manaus desistiu da obra do BRT ainda em 2012. O investimento previsto era de R$
1,2 bilhão, mas o dinheiro não foi aplicado.
A
justificativa é a mesma para a não construção dos CATs: o dinheiro oferecido pelo
Ministério do Turismo não foi utilizado porque "não houve tempo
hábil" de aprontar as estruturas para a Copa do Mundo, disse a prefeitura
à BBC News Brasil.
Natal
Sede do
estádio Arena das Dunas, Natal tem três obras programadas para a Copa ainda
inacabadas.
Estava
prevista uma reforma de 55 quilômetros de calçadas para torná-las acessíveis
para cadeirantes, por exemplo. Só 5% foram concluídos.
Um
projeto de drenagem no entorno da Arena das Dunas segue incompleto, com 80% das
obras feitas, a um custo de R$ 194 milhões.
A
construção de um corredor de ônibus foi abandonada.
Procurada,
a Prefeitura de Natal não se pronunciou até a publicação deste texto.
Porto Alegre
Em Porto
Alegre, os atrasos se concentram na construção, reforma ou ampliação de vias
públicas, como viadutos e avenidas. Ao todo, são nove vias em obras - e o valor
total a ser investido é de R$ 1 bilhão, segundo informou a prefeitura da
capital gaúcha à BBC News Brasil. Deste total, a prefeitura já investiu pouco
mais da metade (R$ 525 milhões). Outros R$ 475 milhões devem ser gastos antes
de que todas as obras sejam concluídas.
Das nove
obras paradas, três já foram retomadas. A mais adiantada, um viaduto na avenida
Ceará, deve ficar pronta em setembro. As outras seis obras ainda estão paradas,
segundo a prefeitura, mas todas já têm ao menos uma previsão de quando voltarão
a ser tocadas. A mais atrasada é o corredor de ônibus da avenida João Pessoa:
só 50% da obra física está pronta, e a previsão de conclusão é para dezembro de
2019.
"As
obras de mobilidade de Porto Alegre foram impactadas pela grave crise
financeira enfrentada pela Prefeitura", disse a administração municipal em
nota à BBC News Brasil. Para dar seguimento, o município conseguiu um
financiamento de R$ 120 milhões com o banco estatal gaúcho, o Banrisul, além de
remanejar verbas de outras áreas.
Recife
A
capital de Pernambuco tem quatro projetos viários previstos para 2014 ainda
inconclusos.
Dois
ramais de BRTs (corredores de ônibus), que ligam todas as regiões da cidade,
ainda não foram finalizados. Na linha Norte-Sul, foram entregues 26 estações,
mas duas ainda estão em construção e devem ser entregues em 2019. No trecho
Leste-Oeste, 16 das 22 paradas previstas estão operando. Segundo o governo
estadual, as restantes estão em obras ou ainda em fase de projetos. Para o
governo, o atraso ocorreu porque o consórcio construtor abandonou as obras.
A
estrutura viária Ramal da Copa, que liga o estádio Arena Pernambuco, em São
Lourenço da Mata, e o terminal de Camaragibe, no Recife, ainda não está
completa. Segundo o governo, as empresas construtoras também abandonaram as
obras, que foram retomadas recentemente.
Já a
ampliação do terminal de Camaragibe também foi abandonada pelo consórcio. O
governo pernambucano afirma que uma nova licitação está sendo preparada, mas
não deu prazo para a conclusão do projeto.
Salvador
A
capital baiana ainda tem algumas intervenções pendentes no aeroporto
internacional Luís Eduardo Magalhães, e a construção de um corredor de ônibus
(BRT) - que acabou retirado da Matriz de Responsabilidade da Copa, depois de
ficar claro que não estaria pronta a tempo do mundial.
No
aeroporto, ainda faltam obras na área de check-in dos passageiros e na fachada,
segundo a Infraero. Ficaram prontas intervenções no pátio de manobra das
aeronaves e uma nova torre de controle, entregues em 2013 e 2014,
respectivamente. No começo deste ano, o controle do aeroporto passou a ser de
uma empresa francesa, a Vinci Airports.
Depois
de excluir o BRT da lista de obras para a Copa, a Prefeitura de Salvador acabou
concluindo a contratação do primeiro trecho de obras em março deste ano. São
2,9 quilômetros de extensão, ao custo de R$ 212 milhões para os cofres
públicos. Segundo a previsão das autoridades, o BRT terá capacidade de
transportar 31 mil pessoas quando estiver pronto, o que deve demorar mais dois
anos e quatro meses.
Procurada,
a Prefeitura de Salvador não se pronunciou até a publicação deste texto.
BBC
– Brasil-SP
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