Martin
Fritz
Muitos
ignoram que, como consequência do encontro entre Trump e Kim Jong-un, a margem
de manobra de Pequim na verdade encolheu. A questão norte-coreana ameaça deixar
de ser moeda política para os chineses.
No dia 12 de junho, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, e o
presidente americano, Donald Trump, assinaram, em Cingapura, um entendimento
histórico para melhorar as relações bilaterais.
Enquanto os jornalistas que cobriam o encontro no local só tiveram
acesso ao conteúdo da declaração conjunta bem mais tarde, uma tradução perfeita
para o chinês já estava em circulação no país governado por Xi Jinping poucos
minutos após a assinatura.
Pouco depois, o porta-voz do ministério chinês do Exterior, Geng
Shuang, anunciava que a iniciativa chinesa "suspensão contra
suspensão" já estava em andamento. Ele se referia à proposta de distensão
feita pela China no ano passado: Pyongyang abriria mão de testes nucleares,
enquanto os EUA abandonariam os exercícios militares conjuntos com os
sul-coreanos na península.
Porém, no momento em que esse sucesso foi proclamado pelo porta-voz
diplomático da China, Trump ainda nem havia anunciado que EUA e Coreia do Sul
encerrariam as manobras militares, que são entendidas como provocação pela
Coreia do Norte.
Segundo o jornal japonês Nikkei, a cronologia dos acontecimentos
em Cingapura e Pequim indica que a China foi informada a todo momento – também
durante o histórico encontro – sobre o conteúdo da declaração por escrito
e sobre os compromissos estabelecidos.
Na avaliação do diário, as informações exclusivas foram uma espécie de
agradecimento pelo fato de Kim Jong-un ter ido a Cingapura a bordo de um jato
da Air China. O Nikkei especula ainda que a China também teria arcado
com os custos do voo.
Uma semana depois, a estreita cooperação entre Coreia do Norte e China
parece continuar. Na terça-feira (19/06), Kim e Xi se encontraram na China pela
terceira vez em três meses.
Órgãos de imprensa ocidentais que cobriram a visita de dois a Pequim
publicaram que Kim teria informado Xi sobre o encontro com Trum, o que faz
pouco sentido. Na realidade, essa visita pode ter sido a próxima jogada do
xadrez diplomático de Kim.
A China é tida como a verdadeira vencedora da cúpula de Cingapura,
porque a Coreia do Norte e os EUA cumpriram a exigência mais importante de
Pequim: um compromisso com a desnuclearização da Península Coreana e o
encerramento de manobras militares americanas e sul-coreanas.
A imprensa ocidental avaliou que o encontro enfraqueceu a posição dos
Estados Unidos no Leste Asiático. Mas essa interpretação ignora que, como
consequência do encontro, a margem de manobra da China na verdade encolheu.
É que, até agora, a China pôde fazer valer, diante dos EUA, sua
influência sobre a Coreia do Norte – de certa maneira, podendo esperar uma boa
conduta de Washington em troca.
Mas, desde a cúpula, EUA e Coreia do Norte – e, consequentemente,
também Trump e Kim – passaram a ter uma possibilidade direta de comunicação.
Com isso, dependem muito menos da China do que antes.
Os dois líderes agora se conhecem pessoalmente. Trump deu seu número
de telefone direto a Kim para que os dois chefes de Estado possam conversar
sobre problemas sem a mediação da China. Isso restringe a margem de manobra de
Pequim em relação a Washington e Pyongyang.
O resultado do encontro em Cingapura é um complexo triângulo entre
Kim, Trump e Xi, segundo comentou Bilahari Kausikan, especialista em Coreia do
Norte e ex-vice-ministro do Exterior de Cingapura, em declarações ao diário
americano The New York Times.
De Xi, Kim espera um afrouxamento das sanções. Em contrapartida, o
presidente chinês poderia pedir que a Coreia do Norte diminua suas negociações
nucleares com os EUA. Dessa forma, Washington dependeria mais do apoio chinês
no trato com Pyongyang. E Trump teria que moderar a imposição de tarifas à
China, segundo o possível cálculo de Pequim.
Mas a relação direta de Kim com Trump restringe o potencial ameaçador
de Xi em relação ao líder norte-coreano. O jovem ditador também pode conseguir
um alívio das medidas punitivas com negociações diretas com os Estados Unidos.
Na última quarta-feira (13/06), já houve apoio para esse diálogo,
vindo da Coreia do Sul. O presidente Moon Jae-in exortou a Coreia do Norte a
apresentar passos concretos para o encerramento de seu programa nuclear. Ao
mesmo tempo, segundo Seul, os EUA precisam explicar, na forma de amplas
medidas, qual será a sua contrapartida para Pyongyang.
Por isso, a manutenção de todas as sanções até o fim da desnuclearização
parece pouco provável, conforme reforçou o secretário de Estado
norte-americano, Mike Pompeo, na semana passada em Seul.
Um ponto possível de influência da China sobre a Coreia do Norte
continua sendo o acordo de paz que nunca foi assinado entre Pyongyang e Seul,
oficialmente em guerra desde o cessar-fogo de 1953, que interrompeu a Guerra da
Coreia (1950 – 1953) e continua em vigor até hoje.
Kim precisa desse compromisso porque, assim, os EUA, que lutaram na
guerra ao lado da Coreia do Sul, não podem mais atacar o seu país tão
facilmente. Mas a China também fez parte do conflito ao lado do Norte e, por
isso, teria que participar das negociações do acordo. E, também nesse ponto,
Kim não precisa do auxílio da China, ao menos por enquanto – já que, antes de
mais nada, Coreia do Norte e EUA teriam de dialogar sobre um encerramento
formal do seu estado de guerra.
DW
– Deutsche Welle
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