BBC-Mundial
A
principal ativista ambiental da Rússia é uma das centenas de milhares de
pessoas - a maioria jovens com alta escolaridade - que fizeram as malas e
deixaram o país nos últimos anos. Os russos têm até um nome para o fenômeno:
"poravalism" (algo como "movimento da hora de cair fora").
A repórter da BBC Lucy Ash conta quais são as razões apresentadas por elas:
"Se
tenho saudades de casa?", diz Evgenia Chirikova. "Na verdade, não.
Muita
gente aqui fala minha língua. Eles são amigáveis, cheios de energia e curiosamente
educados. Estou vivendo na Rússia dos meus sonhos!"
Ela fala
da Estônia, onde tem morado nos últimos dois anos e meio, fugindo da
perseguição política que sofreu por ser ativista ambiental e por criticar o
presidente Vladimir Putin.
Chirikova
se tornou militante há 11 anos, depois de conhecer com a família a floresta
Khimki, antigo local caça dos czares, cheio de carvalhos centenários, javalis
selvagens e borboletas raras.
"Eu
estava grávida, planejando um piquenique com minha filha mais velha e meu
marido, quando vi uma coisa estranha", conta. "Havia cruzes vermelhas
pintadas em diversos carvalhos e bétulas. Me perguntei porque essas árvores
perfeitamente saudáveis precisariam ser cortadas."
Khimki
era uma reserva natural, conhecida como o "pulmão verde" de Moscou.
Chirikova e o marido, Mikhail, tinham se mudado para a região justamente para
fugir do caos do centro e para estarem próximos à natureza.
Ao
voltar do passeio, Chirikova ligou para a autoridades ambientais para relatar o
que tinha visto. Ela tinha suposto que uma empresa estivesse ilegalmente
tentando burlar a lei.
Mas
ficou abismada ao descobrir que o desmatamento tinha sido aprovado para a
construção de uma rodovia que cortaria a floresta pelo meio - mesmo havendo
outras rotas possíveis menos agressivas para o ambiente.
Membros
do Ministério de Recursos Naturais disseram a ela que a decisão tinha sido
aprovada pessoalmente por Vladimir Putin - que depois, já como
primeiro-ministro, assinou um decreto flexibilizando a proteção à floresta para
permitir obras de "transporte e infraestrutura".
Chirikova suspeitava de que a
verdadeira razão para a autorização era abrir terreno para o mercado
imobiliário.
Ela
deixou seu emprego como engenheira para organizar uma oposição ao projeto. O
primeiro protesto do seu grupo, Salve a Floresta Khimki, reuniu 5 mil pessoas e
colheu 50 mil assinaturas - uma das maiores demonstrações em favor do ambiente
na história da Rússia.
Sua
atuação convenceu o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento e o
Banco Europeu de Investimento a pararem de financiar a rodovia.
Perseguição
Mas o
sucesso teve um custo: Chirikova foi presa várias vezes, outros ativistas foram
agredidos e jornalistas que cobriam a história foram perseguidos.
Quando o
editor do jornal de Khimki, Mikhail Beketov, levantou suspeitas de que
políticos locais estariam lucrando com o projeto, seu cachorro foi morto, seu
carro foi incendiado e ele foi agredido fisicamente de maneira tão brutal que
sofreu sequelas no cérebro e nunca recuperou a habilidade de falar. Morreu de
ataque cardíaco alguns anos depois.
Chirikova
se lembra de visitá-lo na UTI. Ele havia perdido diversos dedos, tinha tido uma
perna amputada e perdido parte do crânio após apanhar com uma barra de ferro.
"Minhas
pernas começaram a tremer tão violentamente que sentei no chão do
hospital", diz ela. "Pela primeira vez, eu estava realmente com medo.
Qualquer um que tivesse capacidade de fazer isso com outra pessoa não tinha
nenhum princípio moral. Eu me dei conta de quão mafioso era o regime que tinha
tomado o poder no meu país."
Chirikova foi atacada de outra forma
- através do seu ponto fraco, seus filhos.
"As
autoridades espalharam mentiras sobre mim, dizendo que eu batia nas minhas
filhas e não as alimentava direito", diz ela. "Um cara do serviço
secreto apareceu no meu prédio e pediu para meus vizinhos assinarem um
documento dizendo que eu era uma péssima mãe."
Sua
filha mais velha começou a ter medo de ir para a escola por causa de diversos
homens mascarados que ficavam em carros observando a família. Quando alguém
batia na porta, as meninas se escondiam debaixo da cama.
Eventualmente
a família teve de se mudar para um bairro mais próximo ao centro de Moscou. Mas
a perseguição continuou, dessa vez na forma de ameaças por telefone.
Chirikova
diz que suas filhas tiveram que fazer três anos de terapia para se recuperar. E
que sua ansiedade não parava de piorar, principalmente quando o serviço social
ameaçou separá-la de suas filhas.
"Eu
ficava acordada de madrugada, imaginando o que faria se fosse presa e minhas
filhas, mandadas para um orfanato", diz ela. "No fim, foi isso que me
fez tomar a decisão de sair do país."
Mesmo
tendo ganhado um prestigioso prêmio internacional por sua campanha, a ativista
não conseguiu impedir a construção da rodovia ligando Moscou a São Petersburgo.
Ela acha, no entanto, que os planos originais foram modificados e, assim, uma
área menor da floresta foi destruída.
Da
Estônia, ela continua a incentivar outros ativistas que ainda estão na Rússia
por meio de seu site.
Debandada
Entre os
anos 2000 e 2014, aproximadamente 1,8 milhão de russos deixaram o país, de
acordo com Alina Polyakova, diretora de pesquisa para a Europa no think
tankAtlantic Council, um centro de análises políticas em Washington.
Ela
afirma que esse movimento tem se intensificado e que a migração de tanta gente
- em sua maioria jovens com alta escolaridade - é uma "ameaça
significativa à segurança nacional da Rússia".
Calcular
o número exato de pessoas que abandonaram o país é complicado, pois a maioria
mantém seu passaporte russo mesmo quando consegue documentos de outros países.
Mas as estatísticas oficiais do país apontam que 350 mil pessoas deixaram a
Rússia só em 2015 - dez vezes mais que em 2010.
No último andar de um shopping em
Berlim, a capital alemã, outra expatriada conta sua história à BBC.
Asya
Parfenova, de 33 anos, era jornalista em Moscou e foi parte do movimento de
Observação das Eleições em 2012 e 2013. Ela escreveu sobre situações como o
transporte de pessoas entre diversas regiões eleitorais - aparentemente para
votarem mais de uma vez - e urnas suspeitas.
"Sou
provavelmente a única dos meus amigos que participaram da observação das
eleições que nunca esteve na cadeia", diz.
A
jornalista criou uma empresa que lhe permitiu conseguir um visto de trabalho na
Alemanha. Ela hoje administra um Escape Room - um espaço para um jogo em que os
participantes ficam trancados em um quarto e precisam resolver diversos enigmas
para poder escapar.
"Gosto
de regras claras, e não temos isso na Rússia", diz ela. "O governo
está sempre vendendo a ideia de estabilidade, mas na verdade o país é o lugar
menos estável possível no momento, porque ninguém consegue prever o que vai
acontecer amanhã ou como as leis vão passar a ser interpretadas - e isso é
muito ruim para os negócios."
Parfenova
diz que muitos empreendedores russos de sucesso estão tentando fincar os pés em
mercados estrangeiros. "Eles querem preparar, digamos, uma 'rota de
saída', um refúgio seguro caso se torne insustentável continuar na
Russia."
Hora de dar tchau
A
palavra "poravalism" - que dá a ideia um ideia de um movimento da
"hora de cair fora" - virou até uma gíria, segundo o crítico de
música Artemy Troitsky, que também trocou sua terra natal pela Estônia.
Em 2011,
ele e outros diversos intelectuais e representantes da oposição participaram de
protestos contra fraudes nas eleições. Todos usavam fitas brancas, e Putin os
ridicularizou dizendo que elas pareciam camisinhas. Em uma resposta bem
humorada, Troitsky subiu ao palco vestido com uma capa branca emborrachada.
No mesmo
ano, ele enfrentou uma enxurrada de processos por difamação. Mas o que o fez
deixar o país também foi a preocupação com os filhos.
Logo
após a Russia anexar a Crimeia, em 2014, e a guerra na Ucrânia que se seguiu,
Troitsky diz ter visto surgir um "perverso festival de nacionalismo,
militarismo e ortodoxia".
"Passava
mal com as coisas que meus filhos acabavam ouvindo na escola. Minha filha me
disse que 'fascistas estavam prestes a invadir o país e que tínhamos que nos
defender, e que Putin era uma ótima pessoa etc. etc.", conta ele, que,
apesar de tudo, diz ter muitas saudades de casa e continuar imerso na cultura
russa.
Ele às
vezes visita o país, e diz ter esperanças de poder voltar de vez.
Gerações
mais novas, no entanto, talvez não sejam tão apegadas, ele ressalva. Só um
quarto dos filhos dos seus amigos, jovens de 20 e poucos anos, ficaram no país.
O restante está estudando, trabalhando e construindo sua vida no exterior.
Londres é um dos destinos populares
entre os russos que decidiram deixar o país.
Um dos
que moram na cidade, Mikhail Khodorkovsky passa a maior parte do seu tempo na
internet, tentando modificar seu país pelo lado de fora.
Ele
comandava a petrolífera Yukos antes de ser preso, em 2003, sob acusações vistas
como tendo motivações políticas. Depois de dez anos atrás das grades, ele
escreveu a Putin pedindo sua soltura para que pudesse dizer adeus à mãe, que
estava morrendo no exterior. Mas uma vez fora do país, recebeu alertas de que,
caso voltasse, seria alvo de novos casos criminais.
Assim
como Chirikoba, Khodorkovsky hoje vê a internet como seu "campo de
batalha". Diz que as pessoas podem pensar que ele, do escritório de sua fundação,
a Open Russia, estaria por fora da realidade do país. "Eu preciso
convencê-los do contrário. Então vivo realmente o tempo todo no mundo virtual.
É uma escolha que fiz."
A voz de quem fica
Questionada
sobre o que ama na Rússia, Nadya Tolokonnikova responde: "Isso é como
perguntar o que você ama em sua mãe. É simplesmente minha mãe, e não consigo me
imaginar minha vida sem ela."
Tolokonnikova
foi alçada à fama aos 22 anos, quando ela e outras duas artistas da banda punk
Pussy Riot foram presas por cantarem "Virgem Maria, mãe de Deus, nos livre
de Putin" na Catedral de Moscou.
Tolokonnikova
passou quase dois anos em um campo de detenção, costurando uniformes da polícia
por 16 horas por dia. Mesmo assim continuou comprometida a permanecer no país.
"A
língua é o fator número um, porque me sinto uma idiota tentando expressar meus
pensamentos em uma língua diferente. Você não consegue usar detalhes, nuances e
melodia em uma língua estrangeira da mesma forma como faz com a sua. Isso é
precioso para mim. Além disso, há a cultura, os ícones e a religião. O cinema e
a literatura. O povo russo é selvagem, perigoso, criativo e extremamente
corajoso", afirma ela.
"Eu amo fazer parte dessa
comunidade de pessoas corajosas que estão arriscando suas vidas para mudar seu
país. Dá um sentido para minha vida."
Depois
de ser libertada, ela fundou um site de notícias independentes focado no
sistema de Justiça, o MediaZona. Também criou o Zona Prova, que faz campanha
por melhores condições prisionais.
Ela diz
ter visto diversas presas gravemente doentes terem a medicação negada enquanto
estava atrás das grades em Mordovia, no norte do país.
Tolokonnikova
diz que a maior parte de seus leitores têm menos de 35 anos, mentes inquietas e
estão impacientes por mudanças. Ela acredita que uma sede por aventura, por
ações significativas e por orgulho - que não pode ser confundido com
nacionalismo - talvez faça que alguns jovens não saiam do país e traga outros
de volta.
As pessoas que protestaram contra
corrupção em diversas cidades neste ano também são motivo de esperança para
ela.
"São
os verdadeiros patriotas. Não o tipo de patriota apoiador de Putin, que prefere
viver no exterior e ganhar dinheiro com a indústria de petróleo e gás. As
pessoas protestando nesse momento contra Vladimir Putin querem tornar a vida
melhor para o seu país", afirma a ativista.
"Eles
querem desenvolver a economia, a arte, a mídia. Querem ter canais de TV
melhores, não só essa maquina de propaganda oficial que a televisão é
hoje."
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