Jean-Philip
Struck
Em
relatório, grupo de estudos do renomado Sciences Po aponta que próximo
presidente não terá forças para "romper inércia política" e que Lava
Jato não vai ser sustentável sem reforma ampla do sistema.
O Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC), ligado
ao renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), fez um
balanço pessimista sobre as chances de o Brasil superar seus problemas
políticos e apontou que o Congresso é o grande obstáculo para que o país realize
mudanças profundas no seu sistema.
O capítulo do relatório dedicado ao Brasil afirma que o país
"entrou em 2017 em um período de estabilização mas também de estagnação
econômica" e é "bastante improvável que o próximo presidente conte
com influência política junto ao Congresso" para "tirar o país da
inércia".
"Uma visão intuitiva e ingênua sugeriria que a pressão ligada à
multiplicação de escândalos poderia levar os atores políticos a trabalhar em
conjunto em uma reforma política de grande escala. Uma análise mais detalhada
dos fatos mostra que não é assim", diz o texto.
"As elites no poder conseguem resistir à mudança e geram uma
força de inércia que retarda ou bloqueia qualquer projeto destinado a
transformar o cenário, as regras e as práticas políticas."
O documento detalha como o Congresso é capaz de derrubar ou
preservar um presidente, conforme as vantagens políticas que pode obter, sempre
em nome da preservação dos privilégios de seus membros.
"Michel Temer não sofreu a mesma iniciativa de demolição política
que a experimentada por Dilma Rousseff em 2016. Podemos ver aqui o papel
decisivo desempenhado pelo Congresso na manutenção dos equilíbrios
políticos", afirma o relatório.
"Mas os congressistas não só têm o poder de derrotar um
presidente ou de preservar um. Eles também são os cérebros do sistema
político, prevenindo há várias décadas qualquer iniciativa de reforma
política que possa pôr em perigo os seus próprios interesses e prejudicar a sua
vida política. Como o próprio Michel Temer afirmou em 2015, quando ainda era
vice-presidente da República, 'o Congresso é o senhor absoluto da reforma
política'."
Lava Jato
não é suficiente
O capítulo brasileiro no relatório foi elaborado por Frédéric Louault,
vice-presidente do OPALC e professor da Universidade Livre de Bruxelas, na
Bélgica. No texto, Louault aponta que, apesar dos avanços, a operação Lava Jato
não é suficiente para pressionar o Congresso e forcar mudanças, e que
iniciativas mais amplas nos campos eleitoral e constitucional são necessárias.
"É improvável que a onda de choque causada pela operação Lava
Jato signifique no curto prazo uma alternância do quadro político e das
práticas. Mesmo que uma limpeza do sistema pareça inevitável, as elites
políticas brasileiras já demonstraram no passado a sua capacidade de resistir a
mudanças, de recuperação ou mesmo de regeneração", diz o relatório.
O relatório segue o raciocínio afirmando que iniciativas como a lei
anticorrupção de 2013 e a repressão contra crimes de corrupção "não são
suficientes" para "quebrar os hábitos políticos que se perpetuam há
séculos". "O impacto das ações policiais e judiciárias não pode ser
sustentável sem uma reforma profunda do sistema político."
O texto ainda aponta que "o Brasil é, portanto, vítima de seu
Congresso e prisioneiro de seu sistema eleitoral, estabelecido pela
Constituição de 1988". Ainda segundo o OPALC, o complicado sistema de
eleições proporcionais estabelece "um presidencialismo de coalizão baseado
na individualização do comportamento político, fragmentação e instabilidade de
alianças".
"Incapaz de confiar uma maioria estável no Congresso, o
presidente da República torna-se 'refém' de uma base aliada heterogênea e deve
fazer largas concessões para governar."
Repensar a
Constituição
Segundo o OPALC, foram realizadas algumas iniciativas para reformar o
sistema eleitoral, como a criação de um fundo de campanhas e o estabelecimento
de um teto de gastos em campanhas. Só que qualquer iniciativa de reforma apenas
focada no aspecto eleitoral não é suficiente.
Também é
preciso repensar aspectos mais amplos, especialmente a Constituição.
"O tema da reforma política, que está no cerne da agenda
legislativa a cada grande crise do sistema representativo (Collorgate em 1992,
Mensalão em 2005, Lava Jato em 2015) produziu até agora apenas alguns efeitos
concretos sobre as condutas políticas", afirma o relatório.
"Como o cientista político Sérgio Abranches apontou em 2005, é
improvável que uma reforma política eleitoral tenha um impacto significativo e
sustentável se ela não ocorrer paralelamente a uma reflexão mais profunda sobre
a reforma constitucional."
Por fim, o relatório prevê com pessimismo que o próximo ocupante
do Planalto não deve conseguir romper o ciclo de estagnação junto a um
Congresso avesso a mudanças e que só tem em mente os seus próprios interesses.
"Enquanto o Brasil celebra em 2018 o trigésimo aniversário da
Constituição de 1988, os debates sobre a reformulação desta Carta não estão na
agenda", dizem os estudiosos franceses. "Dado o contexto atual –
marcado por uma crescente polarização política, a fragilidade do sistema
partidário e a prioridade dada às políticas de estabilização macroeconômica – é
pouco provável que o próximo presidente da República tenha influência junto ao
Congresso para romper com a inércia política e tomar uma iniciativa nesse campo."
DW-Deutsche Welle
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