Luiz
Carlos Azedo
O PT
fracassou porque o poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à
adesão ao programa que havia dado errado no governo Geisel
A crise ética, o impeachment de Dilma Rousseff e a condenação do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, a 12 anos e 1 mês
de prisão em regime fechado, levaram a liderança petista a realizar um
movimento de “esquerda, volver!”, na esperança de reagrupar forças para tentar
sobreviver. Já não se trata de voltar ao poder, com Lula na Presidência, porque
esse projeto se inviabilizou.
É sobrevivência mesmo, inclusive para alguns dos que mais se destacam
na narrativa do “golpe” e da “fraude”, como a presidente do PT, senadora Gleisi
Hoffman (PT-PR), e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que deverão deixar o
Senado e disputar uma cadeira na Câmara. A estratégia é transformar Lula numa
vítima da “ditadura do Judiciário”, organizar uma suposta “resistência
democrática” e, com isso, reagrupar forças políticas e sociais, como o PSol e o
MST, que haviam se descolado do projeto petista por seu “transformismo” numa
“frente de esquerda” pela democracia entre aspas.
O conceito de “transformismo” foi cunhado por Karl Marx no livro O 18
de Brumário, de Luís Bonaparte, que analisa a crise política que levou à
restauração da monarquia na França, no período que vai de 1848 a 1851. No
calendário da Revolução Francesa, a data corresponde ao 9 de novembro do
calendário gregoriano. Foi escrito nos meses de dezembro de 1851 e março de
1852, originalmente para um semanário político de Nova York, que fracassou com
a morte prematura de seu editor, Joseph Weydemier. Os artigos foram publicados
pela revista Die Revolution.
Nessa época, o jovem Marx, como nos mostra o filme em cartaz assim
intitulado, sobrevivia dos recursos que ganhava como jornalista e escritor. O
livro começa com uma frase que se tornou lugar-comum: “Hegel observa, em uma de
suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história
do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a
primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Tem tudo a ver com o que
está acontecendo com o PT.
Destaca Marx logo no parágrafo seguinte, também famoso: “Os homens
fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas
as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. De nada
adianta, agora, os petistas buscarem “os espíritos do passado, tomando-lhes
emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens”, sem fazer uma
autocrítica dos erros tremendos que cometeram quando estavam no poder.
Aggiornamento
É que a passagem de Lula pelo poder e a de Dilma não representaram um
“aggiornamento” político. O termo italiano significa atualização e foi
consagrado pelo papa João XXII no Concílio Vaticano II. O “transformismo” é
outra coisa: significa uma mudança ditada pelo pragmatismo e pelo oportunismo,
no qual um determinado partido e sua representação parlamentar se descolam da
base social que lhes deu origem e passam a cuidar dos seus próprios interesses.
Foi isso o que aconteceu com os partidos na crise francesa que levou à ditadura
do sobrinho de Napoleão, dando origem a um outro conceito muito conhecido:
“bonapartismo”. De certa forma, até corremos o risco de um governo bonapartista
após as eleições de 2018.
Não é preciso chover no molhado e tecer detalhes do fracasso petista,
mas é importante assinalar que a tentativa de renascer das cinzas com o velho
discurso radical, nacional-libertador, é uma farsa política que dará com os
burros n’água. A deriva petista para o centro fracassou porque a chegada ao
poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão a um programa
que já havia dado errado no governo Geisel, durante o regime militar. Não foi
um aggiornamento verdadeiro, no qual o maior partido de esquerda do país,
surgido da transição à democracia, houvesse se atualizado programaticamente.
Isso tem um preço, simples assim.
E o que aconteceu com a esquerda moderada, socialdemocrata, que
confrontou o PT e apostou no impeachment de Dilma? Está diante do mesmo
problema, precisa se atualizar programaticamente, com autocrítica e revisão
teórica, e não apenas aderir a teses ultraliberais por pragmatismo político.
Esse é outro tipo de “transformismo” que contribui para a fragmentação das
forças de centro do espectro político porque não há uma real convergência com
os liberais em termos de construção de um novo projeto democrático para o país.
A ultrapassagem da crise de financiamento do Estado brasileiro e a construção
de um novo consenso nacional pressupõe um programa exequível de governo, em
sintonia com a sociedade, e não com as forças que ainda se locupletam do velho
patrimonialismo.
Correio
Braziliense
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