Zander Navarro
(*)
Concorrentes correm à nossa frente e
a estatal dorme embalada pelos sonhos do passado
A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na maturidade dos seus
44 anos, tem sido corriqueiramente apresentada como um luminoso e excepcional
caso na apodrecida constelação do Estado. Seria uma das raras estrelas com
algum brilho – a “joia da Coroa”. Destoaria da generalizada inoperância dos
órgãos públicos. Seria eficiente e até supostamente organizada sobre rígidos
cânones fundados no mérito. Mais ainda, seria a principal responsável pelo
sucesso da agropecuária, setor que, felizmente, vem salvando a nossa economia
há anos.
Mas esse
é o senso comum. As afirmações são acompanhadas de rala comprovação e partem da
visão superficial de uma sociedade que se deleita com o divertimento de enganar
a si mesma. Um provável estratagema mental coletivo operado para escapar da
assombrosa realidade que nos cerca.
Existem
inúmeros resultados e fatos notáveis associados à organização no passado e, com
justiça, precisam ser sempre exaltados. Desafortunadamente, no entanto, a
realidade atual é bem diferente. A Embrapa custa US$ 1 bilhão anualmente aos
contribuintes e emprega 10 mil empregados em (pasmem) 47 unidades espalhadas
por quase todos os Estados. E vai criar mais uma em Alagoas. Mas seu verdadeiro
tamanho operacional é o de uma universidade federal de porte médio, como a do
Paraná ou a do Rio Grande do Sul, se comparados seus pesquisadores e os
professores, também pesquisadores, dessas instituições (em torno de 2,5 mil).
Com uma diferença crucial: as universidades também formam profissionais. Em
cada uma delas, são pouco mais de cem cursos. A Embrapa desenvolve pesquisa
agrícola, sem cursos nem alunos. E aqui começam os problemas. Não são recentes,
surgiram desde o final da década de 1990, sem reação eficaz de seus dirigentes.
Sendo o espaço limitado, esboçam-se a seguir os quatro maiores impasses
concretizados ao longo desse período.
Primeiramente,
à luz das espetaculares transformações de um setor que rapidamente emerge como
o principal produtor de alimentos do mundo, a Embrapa não se preocupou nem em
entender essas mudanças, para achar um lugar virtuoso para si, nem ajustou como
deveria a sua agenda de pesquisa às demandas crescentes da agropecuária.
Grandes empresas, normalmente multinacionais, ocuparam o seu lugar no
fornecimento de tecnologias, nas principais cadeias do agronegócio. Os 1,1 mil
projetos ora em desenvolvimento ilustram a absurda e disparatada fragmentação
do seu rol de pesquisas. Não existem focos de prioridade. É como se a empresa
se tivesse transformado numa universidade, embora sem oferecer cursos. E isso
acontece porque a Embrapa não tem, de fato, nenhuma estratégia própria.
Sua
missão institucional é uma vaga afirmação de inocentes noções. O mantra atual é
“entregar valor à sociedade”. O que isso significaria? É, na verdade, uma fuga
da realidade. Ante o desafio, seu presidente deveria esclarecer à sociedade a
inquietante pergunta: afinal, para que serve mesmo a Embrapa, uma das raras
estatais totalmente dependentes do Tesouro?
O
segundo dilema foi a substituição de, acreditem, dois terços dos pesquisadores,
por meio de concursos realizados em especial durante os anos petistas. Em troca
desse favorecimento, Lula envolveu a empresa na África, buscando votos para
tentar a vaga no Conselho de Segurança da ONU e, também, eleger o chefe da FAO.
Houve a citada substituição de
pesquisadores e hoje a Embrapa é dominada por uma nova geração, usualmente de
extração urbana e escassos vínculos com a produção agropecuária e as realidades
rurais. Somados às centenas de cargos comissionados, os custos correntes
explodiram e, por isso, nos últimos anos a proporção do
orçamento destinada diretamente à pesquisa vem caindo para apenas 4% a 6% do
total.
Os
outros impasses são de natureza moral. O terceiro é um fato estatístico gerador
de amplas implicações. A Embrapa, grosso modo, paga o dobro dos salários das
universidades federais e suas pesquisas cada vez mais se afastam das demandas
da produção. Seus pesquisadores, inexistindo uma estratégia institucional,
estão encurralados diante deste chocante dilema moral: como justificar seu bem
remunerado trabalho, desenvolvendo conhecimentos de escassa aplicabilidade
prática? Uma comprovação: a Embrapa praticamente não realiza pesquisas
econômicas, mas apenas com foco agronômico e tecnológico. Como justificar essa
bizarra orientação, quando a agropecuária é a mais decisiva atividade econômica
em nossos dias?
Finalmente,
o quarto impasse é também moral. E simples de ser enunciado. O desenvolvimento
da agropecuária está fomentando uma impressionante concentração da riqueza (o
que será reafirmado pelos dados do novo censo). Como justificar que uma
gigantesca e cara empresa pública, sustentada por toda a sociedade, trabalhe
cada vez mais e quase que exclusivamente para os ricos segmentos do
empresariado rural?
O ano
entrante é decisivo para a Embrapa. Seu atual presidente será provavelmente
substituído. Não poderia estatutariamente ser reconduzido. Haverá também a
substituição do atual titular do Ministério da Agricultura, onde está alocada a
empresa. E teremos eleições presidenciais. Qual será o futuro da Embrapa? É um
cenário imprevisível, para o qual a organização está despreparada. Seu
funcionamento interno é autoritário e não permite debater a situação e a
construção de cenários plausíveis. E existe enorme resistência da direção em promover
as mudanças urgentes e necessárias.
Nenhum
país do mundo com importância agrícola deixa de ter uma empresa de pesquisa
pública forte e “encharcada na realidade”. Nossos concorrentes estão correndo à
nossa frente. A Embrapa, no entanto, permanece adormecida em berço esplêndido,
embalada pelos sonhos do passado.
O Estado de São Paulo
(*)
Comentário do editor do blog-MBF: onde
foi que o lullopetismo meteu a mão que não deu merda ?
“... a proporção do orçamento destinada diretamente à pesquisa vem
caindo para apenas 4% a 6% do total”.
Não custa lembrar que nas
Universidades públicas, como USP e algumas outras, toda verba destinada à
Universidade, que não é pouca, não cobre mais a folha de pagamento.
Este é o X da questão para o próximo
Presidente. Ou enfrenta o corporativismo do setor público, ou serão mais 4 anos
perdidos.
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