Armando Castelar
Pinheiro
Há décadas o Brasil cresce bem menos
que a média dos emergentes. Perdemos, e muito, com essa complacência
Um amigo
observou faz um par de meses que os economistas estavam perdendo credibilidade,
pois viviam anunciando que a deterioração fiscal levaria a uma grande crise e,
ano após ano, esta não acontecia. Este ano provavelmente a coisa vai pelo mesmo
caminho.
O mesmo
poderia ser dito em relação às reformas estruturais: há décadas que se escrevem
artigos e coletâneas defendendo a necessidade de reformas, pouco é feito, mas
as coisas vão andando. Este ano provavelmente veremos mais alguns volumes com
esse perfil. É um trabalho válido, que gera ideias às vezes aproveitadas em
reformas efetivas, mas que se mostrou incapaz de dotar o país de políticas de
boa qualidade.
Obviamente,
a ideia de que ignorar os problemas fiscais ou a necessidade de reformas não
teve consequências é uma ilusão. Os números são claros em mostrar que há
décadas o Brasil cresce bem menos que a média dos emergentes, ou a média
mundial, e que está empobrecendo relativamente, sem sinal de que esse processo
será revertido. Perdemos, e muito, com essa complacência.
Há algum
tempo me pergunto por que isso? Por que os analistas econômicos têm sido
incapazes de convencer a sociedade dos benefícios de uma política econômica de
melhor qualidade? Ou, colocado de outra forma, por que o eleitor tem
sistematicamente se recusado a apoiar boas políticas econômicas?
As
respostas oferecidas a essa pergunta têm se mostrado, no meu entender,
insuficientes. Uma delas é que a redemocratização resultou em um "contrato
social" entre diferentes grupos da sociedade, um "troca-troca"
que passa por estabelecer benefícios para todos eles às custas das gerações
futuras. Este "contrato" teria, de um lado, o aumento do gasto social
e das transferências explícitas de renda e, de outro, os muitos privilégios que
beneficiam grupos específicos, na forma de proteção contra a competição,
subsídios financeiros, benefícios tributários, transferências de renda por meio
de estatais etc.
Meu
desconforto com essa explicação tem dois lados. Um, que ela pressupõe um alto
grau de racionalidade do eleitor, em especial em conhecer que políticas são
melhores para ele ou ela, e de selecionar o candidato que irá defender essas
políticas. Como conciliar isso com a preferência demonstrada nas pesquisas
eleitorais por candidatos claramente populistas? Ou que os candidatos de
esquerda sejam mais populares no Leblon do que nas áreas pobres do Rio de
Janeiro?
O outro
lado é que não se explica porque a sociedade não entrou em outro contrato, com
uma melhor política fiscal e reformas estruturais, que permitiriam ao Brasil
crescer mais rápido e, portanto, gerar um excedente que poderia ser
redistribuído de forma a beneficiar todos. Ora, as pessoas não topam isso
exatamente porque não acreditam que contratos sociais sejam respeitados.
Sem
querer menosprezar a importância dos grupos de interesse mais ou menos amplos,
ou simplificar demais a discussão sobre o "contrato social", me
parece que a explicação para o fraco desempenho econômico do Brasil está na
forma como a nossa democracia tem levado à escolha de políticas econômicas.
Alguns
analistas têm tocado nessa questão. Seu ponto central é defender a necessidade
de uma reforma política, que essencialmente alteraria a forma de seleção dos
nossos representantes no Legislativo e de como estes prestariam contas aos
eleitores.
Mas não
é a isso que me refiro. Eu acredito que alterações dessa natureza serão
ineficazes sem uma mudança na forma como os eleitores decidem seu voto e isso
passa, no meu entender, por alterar a cabeça da sociedade brasileira, seus
valores, seus preconceitos e preferências ideológicas. Se queremos boas
políticas econômicas, temos de convencer o eleitor disso, mesmo que não sejamos
capazes de racionalmente provar-lhe os benefícios que elas trariam para o país.
Como
fazer isso? Certamente indo além de volumes técnicos focados em refinar teses
já conhecidas. É preciso alcançar um público mais amplo, construir narrativas
assimiláveis por ele, trabalhar as emoções. É notável, por exemplo, que a
reforma da previdência só ficou mais popular quando a propaganda oficial elegeu
um culpado ("as corporações"). A raiva, e não o bom senso, pode
acabar sendo a alavanca que viabilizará a reforma.
São
várias as dimensões que precisam ser trabalhadas. Um exemplo é a memória
nacional. Esta, explica José Murilo de Carvalho no seu bom livro "O Pecado
Original da República", "é a história ajustada às necessidades da
construção da identidade nacional". Construímos uma identidade nacional
que valoriza políticas econômicas que são, pelo menos hoje em dia, disfuncionais.
Que deifica políticos "pais dos pobres", mesmo que desrespeitem as
leis e abracem a corrupção.
O ano de
2018 trará muito debate sobre que caminhos o Brasil deve seguir nos próximos
anos. Se quisermos participar efetivamente desse debate, temos de ser capazes
de conversar com um público mais amplo, sermos mais convincentes e pensar mais
sobre o que move de fato as pessoas na hora do voto.
Valor Econômico
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