sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O fiscal, as reformas e a democracia

Armando Castelar Pinheiro

Há décadas o Brasil cresce bem menos que a média dos emergentes. Perdemos, e muito, com essa complacência

Um amigo observou faz um par de meses que os economistas estavam perdendo credibilidade, pois viviam anunciando que a deterioração fiscal levaria a uma grande crise e, ano após ano, esta não acontecia. Este ano provavelmente a coisa vai pelo mesmo caminho.

O mesmo poderia ser dito em relação às reformas estruturais: há décadas que se escrevem artigos e coletâneas defendendo a necessidade de reformas, pouco é feito, mas as coisas vão andando. Este ano provavelmente veremos mais alguns volumes com esse perfil. É um trabalho válido, que gera ideias às vezes aproveitadas em reformas efetivas, mas que se mostrou incapaz de dotar o país de políticas de boa qualidade.

Obviamente, a ideia de que ignorar os problemas fiscais ou a necessidade de reformas não teve consequências é uma ilusão. Os números são claros em mostrar que há décadas o Brasil cresce bem menos que a média dos emergentes, ou a média mundial, e que está empobrecendo relativamente, sem sinal de que esse processo será revertido. Perdemos, e muito, com essa complacência.

Há algum tempo me pergunto por que isso? Por que os analistas econômicos têm sido incapazes de convencer a sociedade dos benefícios de uma política econômica de melhor qualidade? Ou, colocado de outra forma, por que o eleitor tem sistematicamente se recusado a apoiar boas políticas econômicas?

As respostas oferecidas a essa pergunta têm se mostrado, no meu entender, insuficientes. Uma delas é que a redemocratização resultou em um "contrato social" entre diferentes grupos da sociedade, um "troca-troca" que passa por estabelecer benefícios para todos eles às custas das gerações futuras. Este "contrato" teria, de um lado, o aumento do gasto social e das transferências explícitas de renda e, de outro, os muitos privilégios que beneficiam grupos específicos, na forma de proteção contra a competição, subsídios financeiros, benefícios tributários, transferências de renda por meio de estatais etc.

Meu desconforto com essa explicação tem dois lados. Um, que ela pressupõe um alto grau de racionalidade do eleitor, em especial em conhecer que políticas são melhores para ele ou ela, e de selecionar o candidato que irá defender essas políticas. Como conciliar isso com a preferência demonstrada nas pesquisas eleitorais por candidatos claramente populistas? Ou que os candidatos de esquerda sejam mais populares no Leblon do que nas áreas pobres do Rio de Janeiro?

O outro lado é que não se explica porque a sociedade não entrou em outro contrato, com uma melhor política fiscal e reformas estruturais, que permitiriam ao Brasil crescer mais rápido e, portanto, gerar um excedente que poderia ser redistribuído de forma a beneficiar todos. Ora, as pessoas não topam isso exatamente porque não acreditam que contratos sociais sejam respeitados.

Sem querer menosprezar a importância dos grupos de interesse mais ou menos amplos, ou simplificar demais a discussão sobre o "contrato social", me parece que a explicação para o fraco desempenho econômico do Brasil está na forma como a nossa democracia tem levado à escolha de políticas econômicas.

Alguns analistas têm tocado nessa questão. Seu ponto central é defender a necessidade de uma reforma política, que essencialmente alteraria a forma de seleção dos nossos representantes no Legislativo e de como estes prestariam contas aos eleitores.

Mas não é a isso que me refiro. Eu acredito que alterações dessa natureza serão ineficazes sem uma mudança na forma como os eleitores decidem seu voto e isso passa, no meu entender, por alterar a cabeça da sociedade brasileira, seus valores, seus preconceitos e preferências ideológicas. Se queremos boas políticas econômicas, temos de convencer o eleitor disso, mesmo que não sejamos capazes de racionalmente provar-lhe os benefícios que elas trariam para o país.

Como fazer isso? Certamente indo além de volumes técnicos focados em refinar teses já conhecidas. É preciso alcançar um público mais amplo, construir narrativas assimiláveis por ele, trabalhar as emoções. É notável, por exemplo, que a reforma da previdência só ficou mais popular quando a propaganda oficial elegeu um culpado ("as corporações"). A raiva, e não o bom senso, pode acabar sendo a alavanca que viabilizará a reforma.

São várias as dimensões que precisam ser trabalhadas. Um exemplo é a memória nacional. Esta, explica José Murilo de Carvalho no seu bom livro "O Pecado Original da República", "é a história ajustada às necessidades da construção da identidade nacional". Construímos uma identidade nacional que valoriza políticas econômicas que são, pelo menos hoje em dia, disfuncionais. Que deifica políticos "pais dos pobres", mesmo que desrespeitem as leis e abracem a corrupção.

O ano de 2018 trará muito debate sobre que caminhos o Brasil deve seguir nos próximos anos. Se quisermos participar efetivamente desse debate, temos de ser capazes de conversar com um público mais amplo, sermos mais convincentes e pensar mais sobre o que move de fato as pessoas na hora do voto.

Valor Econômico


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