Míriam Leitão
O Brasil
pode ficar na mesma situação do governo americano: precisará pedir autorização
para elevar a dívida pública. Para não quebrar a regra de ouro, o governo terá
que pedir ao Congresso a aprovação de um crédito especial especificamente para
a rolagem. Nos EUA, isso não tem muito impacto no custo da dívida. Aqui, o
prêmio de risco subirá muito quando isso acontecer.
E quando
acontecerá? Em 2019 e nos anos seguintes. A pessoa eleita este ano terá que
enfrentar esse espinhoso problema. A regra de ouro estabelece que o governo não
pode emitir dívida num valor maior do que o volume de investimento. Mas as
contas preliminares para o ano que vem mostram que faltarão entre R$ 150 bi a
R$ 200 bi para cumprir a regra. Há no texto da Constituição a possibilidade de
o governo pedir um crédito suplementar para uma questão específica. E a questão
específica, no caso, será crédito para a rolagem da dívida.
Os
Estados Unidos não têm meta de resultado primário, mas têm teto de dívida a ser
cumprido. Quando se aproximam do teto, o Congresso usa isso para pressionar o
governo, como fez na administração Barack Obama. Se não aprovar o aumento do
teto, o governo tem que fazer o shut down, fechar as portas. Mas como os EUA
emitem uma das dívidas que têm mais demanda no mundo, não há maiores
consequências em termos de custo. No Brasil, uma eventual briga com o Congresso
sobre ter ou não recursos para rolar a dívida pode produzir uma elevação
drástica da taxa de risco cobrada pelos investidores.
É isso
que se conversa no governo quando o assunto é a regra de ouro. Explica-se que a
ideia de propor que ela seja suspensa por alguns anos não foi para aumentar os
gastos, porque eles estarão contidos no teto. O problema seria a capacidade do
próximo governo administrar a dívida, porque ele teria que pedir sempre esse
crédito suplementar. Mas, admite-se na área econômica que o debate da regra de
ouro foi um desastre e ficou difícil falar sobre o assunto.
Antes
disso, contudo, haverá outro tema na pauta: a reforma da Previdência. E de novo
há uma complexidade a ser superada.
O
governo tem estudado a melhor maneira de afinar o discurso para falar da crise
das contas públicas, porque haverá fatos contraditórios sendo divulgados. No
final da próxima semana será anunciado o déficit de 2017 com uma grande queda
em relação à meta. A redução pode se aproximar de R$ 40 bi, um recuo ainda
maior do que os R$ 30 bi que eu publiquei aqui na coluna. O déficit menor pode
ser entendido como um sinal de melhora na economia. Porém, na outra semana o
governo vai anunciar o congelamento de parte do Orçamento, ou seja, o
contingenciamento. E, além disso, continuará trabalhando pela reforma da
Previdência.
Se o
déficit está caindo, pode parecer exagero tanto o contingenciamento — que deve
chegar a R$ 20 bilhões — quanto o discurso de que a Reforma da Previdência é
urgente. Mas, na verdade, mesmo em queda, o déficit será de 2% do PIB, e isso é
muito. Em relação a 2018, as frustrações de receitas já chegam a R$ 20 bi. Em
alguns casos, a perda poderá ser diminuída, como na reoneração da folha
salarial. Se for aprovada, o governo terá apenas que esperar a noventena antes
de cobrar o imposto. Há riscos que ainda não são realidade, mas podem se
tornar, como o caso da privatização da Eletrobras. A receita da venda está no
Orçamento, calculada em R$ 12 bi. Se a privatização não acontecer, frustra-se
essa receita. Por outro lado, o leilão de pré-sal que já foi aprovado, e que
deve render R$ 8 bilhões, não entrou no Orçamento. Se acontecer, é dinheiro
extra.
A
reforma da Previdência permitiria em 2019 um ganho em torno de R$ 10 bilhões, e
esse valor aumentaria até R$ 40 bilhões por ano. Mais do que a dimensão da
redução de despesa, a aprovação teria um efeito sobre a expectativa. As
projeções da dívida pública com ou sem reforma são bem diferentes. O novo
governante começará a administrar o Brasil com um rombo crescente e
descontrolado na Previdência e tendo que fazer uma difícil negociação com o
Congresso para rolar a dívida. Se o mundo da política tivesse juízo, todos os
postulantes ao cargo estariam querendo a reforma. Ela fará falta ao próximo
governo.
O Globo
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