Gil Alessi
Estudo conclui que efeito de
escândalos de corrupção nas urnas pode ser atenuado e até mesmo apagado com
gastos de campanha
Há
décadas se atribui ao brasileiro uma "memória curta", especialmente
quando o assunto é política. O bordão vem à tona com força de dois em dois
anos, sempre que é preciso ir às urnas novamente. Uma
mala de dinheiro aqui, um punhado de dólares na cueca ali... Parece que
tudo pode ser perdoado (ou esquecido) pelo eleitor na hora de digitar o número
de seu candidato favorito. Apesar disso, em um ano marcado por escândalos de
corrupção que respingaram no presidente Michel Temer e em
boa parte do Congresso, da esquerda à direita, muitos acreditam em uma depuração
da classe política em 2018. Mas uma pesquisa aponta que no final das
contas, tudo depende do dinheiro. Ou ao menos tudo dependia até agora. Segundo
o estudo O Custo Político da Corrupção: Escândalos, Financiamento de
Campanha e Reeleição na Câmara dos Deputados, dos cientistas políticos Marcus
Melo, Ivan Jucá e Lúcio Rennó, a capacidade dos deputados federais envolvidos
em escândalos se reelegeram dependeu nas eleições anteriores de quanto eles
desembolsaram na campanha.
Ou seja,
quanto mais dinheiro um parlamentar tem para bancar propaganda eleitoral e
outras despesas do tipo, mais curta fica a memória do brasileiro com relação
aos seus malfeitos. E agora, com o fim
do financiamento empresarial de campanha determinado pelo Supremo
Tribunal Federal, fica a pergunta: será que os parlamentares que estão na
mira da Justiça conseguirão fazer o eleitor esquecer?
O estudo
conclui que apesar dos deputados afetados por escândalos de corrupção terem uma
redução em seu desempenho nas urnas (correndo, em muitos casos, o risco de não
se elegerem), esse efeito pode ser atenuado ou e até mesmo apagado com gastos
de campanha. A pesquisa abrange os pleitos de 1994 a 2010, e guarda semelhanças
com o que pode estar por vir em 2018, tendo em vista que o levantamento
contempla as eleições realizadas em meio a um dos mais marcantes casos de
corrupção do país, o Mensalão (2005).
"O
custo da corrupção é claramente sentindo na carteira dos candidatos: eles podem
ser reeleitos, mas terão que arrecadar 72% a mais, na média, do que seus
colegas que não estão envolvidos em escândalos, e 91% a mais do que gastaram na
eleição anterior ao escândalo", conclui a pesquisa, publicada em 2016. Isso equivaleria a
aproximadamente 2 milhões de reais, valor atingido por apenas 10% das
candidaturas. Mas a eleição de 2018 coloca ainda outra variável até então
inédita nesta equação: será a primeira eleição para o Congresso feita
com financiamento público de campanha, ou seja, sem doações de empresas.
Será que os candidatos citados por delatores da Operação Lava Jato conseguirão
atingir o valor necessário para que a propaganda suplante o suposto delito no
imaginário do eleitor?
Para
viabilizar o pleito deste ano, foi aprovada pelo Congresso em 4 de outubro
passado um
fundo bilionário para custear o processo eleitoral. No total, serão
realocados mais de 2 bilhões de reais para esta finalidade (o antigo fundo
partidário somava 1 bilhão de reais). Ainda não é possível saber quanto cada
deputado terá disponível para gastar com propaganda, tendo em vista que o cálculo
depende do número total de candidatos bem como do tamanho da bancada atual de
sua legenda, mas é consenso que o valor será menor do que o das eleições
anteriores. Além do fim da farra das doações de grandes grupos empresariais -
motivado em grande parte pelas descobertas da Lava Jato -, até mesmo as doações
de pessoas físicas aos candidatos foram restritas (a um limite máximo de 10
salários mínimos por cargo em disputa), e colocou-se limite no auto
financiamento do candidato (200.000 reais), que até então era ilimitado.
O
professor de ciência política da Universidade de Brasília Lúci Rennó, um dos
autores do estudo, afirma que a tendência no Brasil é que os partidos não ajam
como um "filtro" para políticos acusados de corrupção. "Aqui as
legendas protegem suas lideranças envolvidas em escândalos ao invés de
puni-las", diz. Segundo o pesquisador, apesar de eventuais danos de imagem
que a sigla possa sofrer, "é provável que elas apostem em alguns nomes
conhecidos do público, mesmo que eles tenham alguma pendência jurídica ou
condenação".
Apesar
disso, Rennó acredita que a taxa de reeleição este ano pode cair com relação à
eleição passada. "É um fenômeno que verificamos durante o Mensalão e o
caso Sanguessugas. E a Lava Jato teve um amplitude maior ainda, houve um choque
informacional muito grande para o eleitor com relação a estes escândalos",
diz. O professor também aposta no aumento
de votos brancos e nulos, tendo em vista pesquisas de opinião que revelam
um descrédito do eleitor com o Legislativo como um todo. "Este aumento no
número de brancos e nulos poderia, em última instância, favorecer candidatos
que dependem do quociente eleitoral para conseguirem uma vaga", afirma.
O legislativo que cai no
esquecimento
Quanto à
"memória curta" do eleitor, Rennó acredita que ela é também uma
decorrência das particularidades e da complexidade do nosso sistema político.
“Ele facilita o esquecimento, porque é complicado entender como funcionam as
eleições legislativas no país: existem muitas regras, quociente eleitoral, e
tudo isso provoca uma dificuldade de entender porque um candidato não foi
eleito”, afirma. “Isso dificulta a capacidade do eleitor de acompanhar o
trabalho de seu representante”, conclui.
Nara
Pavão, cientista política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma
que deputados e senadores são "blindados" pela pouca exposição. “A
acusação de corrupção pesa mais contra o candidato do Executivo, uma vez que o
Legislativo tem bem menos visibilidade”, diz. No entanto, ela acredita que está
em curso na sociedade uma “campanha anti corrupção”, que pode fazer com que
haja uma renovação maior na Câmara.
“Pesquisas
mostram que o eleitor não pune seu candidato por envolvimentos com escândalos.
Agora é preciso ver se em meio a uma crise política como essa isso continuará
sendo verdade”.
A
expectativa é de que os parlamentares tentem compensar a falta de recursos
privados se valendo de uma outra novidade da reforma política: a permissão para
impulsionar conteúdo eleitoral na Internet, com destaque para o Facebook e outras
redes sociais. Até então este tipo de propaganda era vetada pela lei eleitoral.
Na era das notícias falsas, este tipo de investimento parece um prato cheio
para os candidatos compensarem a falta das doações empresariais. Para a
professora Nara Pavão, a tendência é que as redes sociais tenham um impacto
cada vez maior no pleito, podendo até mesmo ser decisiva para o eleitor. “As
eleições que levaram Donald Trump ao poder são um exemplo claro de como as fake
news podem decidir um pleito”, afirma.
EL PAÍS
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