GREGORIO BELINCHÓN
Na esteira de Catherine Deneuve,
atrizes francesas fazem ressalvas ao movimento feminista Time’s Up
Poucas
vezes tantas estrelas do cinema francês se reúnem num mesmo lugar. Talvez só no
festival de Cannes e nos prêmios César. Então os encontros Unifrance, um fim de
semana em que os cineastas e atores do cinema francês se instalam num hotel de
Paris para promover seus filmes para a imprensa europeia, são um ótimo lugar
para conversar sobre a atualidade com estrelas locais como Juliette
Binoche, Fanny Ardant, Marion Cotillard, Isabelle Huppert e Mathieu Amalric. E
essa atualidade está marcada pelo movimento Time’s
Up e seu lema #MeToo, e pela réplica que apareceu na França, na forma
de uma carta, publicada
no último dia 9 no jornal Le Monde, em que conhecidas personalidades
da cultura francesa, como
a atriz Catherine Deneuve, a escritora Catherine Millet, a cantora Ingrid
Caven, a editora Joëlle Losfeld, a cineasta Brigitte Sy, a artista Gloria
Friedmann e a ilustradora Stéphanie Blake, se insurgem contra o “puritanismo”
sexual desatado pelo caso Weinstein.
“O
estupro é um crime. Mas a sedução insistente ou desajeitada não é um crime, nem
a galanteria é uma agressão machista”, diziam as signatárias do manifesto.
“Desde o caso
Weinstein vem ocorrendo uma conscientização sobre a violência sexual exercida
contra as mulheres, especialmente no âmbito profissional, onde certos homens
abusam de seu poder. Isso era necessário. Mas essa liberação da palavra se
transforma no contrário: mandam que falemos como se deve e nos calemos sobre o
que incomoda, e as que se recusam a se render a essas ordens são vistas como
traidoras e cúmplices”, defendem as autoras da carta, lamentando que as
mulheres sejam retratadas como “pobres indefesas sob o controle de demônios falocratas”.
Deneuve
precisou matizar sua adesão ao manifesto. No último dia 15, publicou uma
carta no jornal Libération em que salienta sua condição de “mulher
livre” que pretende continuar a sê-lo. “Saúdo fraternalmente todas as vítimas
de atos odiosos que possam ter se sentido agredidas por esse artigo publicado
no Le Monde, e apenas a elas apresento meu pedido de desculpas”, dizia.
“Evidentemente, nada no texto pretende apresentar o assédio como algo bom. Se
assim fosse, não o teria assinado.”
Em
Paris, Juliette Binoche, Isabelle Huppert, Fanny Ardant e Marion Cotillard,
outro quarteto de estrelas do cinema francês, deram sua opinião sobre a troca
de manifestos durante suas entrevistas à imprensa. Binoche aludiu às suas declarações ao Le Monde em que contava ter sofrido
três abusos sexuais ao longo da vida (aos 7, aos 18 e aos 21 anos),
mas que nunca foi alvo de assédio por parte do produtor Harvey Weinstein. Em
seguida, respondeu à pergunta do EL PAÍS: “Acho importante diferenciar as
coisas, não cair em perseguições, porque é preciso fugir de fanatismos”.
Afirmou se sentir instintivamente a favor de suas colegas assediadas, mas
observou que é importante entender os graus e as nuances, numa frase que deu a
entender seu apoio tácito às declarações de Deneuve. Binoche recebeu em Paris,
na sexta-feira, o Prêmio do Cinema Francês pelo conjunto da sua carreira.
Mais
contundente foi Fanny Ardant, meia década mais jovem que Deneuve, mas ainda
parte da sua geração: “Apoio suas declarações, apoio as mulheres assediadas,
mas daí não podemos passar a perseguições nem a puritanismos”, disse. Marion
Cotillard, por sua vez, declarou-se totalmente de acordo com o Time’s Up.
“Sinto-me parte integrante do #MeToo, de suas reivindicações, de sua luta.”
Cotillard afirmou dias atrás à publicação The Hollywood Reporter que
não voltaria a trabalhar com Woody Allen, com quem colaborou em Meia-Noite
em Paris: “Não acredito que venha a acontecer, porque a experiência que tivemos
juntos foi muito estranha. Admiro seu trabalho, mas não tivemos conexão no
set”.
Finalmente,
nesta segunda-feira Isabelle Huppert afirmou, depois de recusar uma pergunta
anterior sobre o #MeToo, que não convém misturar as coisas: “Estive no Globo de
Ouro e fui de preto, que aliás é uma cor elegante para o tapete vermelho,
porque acredito na luta
contra o assédio. Nunca o sofri e sempre lutei por meu lugar como atriz.
Mas acredito que não podemos colocar todos os problemas no mesmo cesto: a
igualdade salarial é uma coisa, a sedução é outra, os assédios sexuais são
outra... Misturar os assuntos gera confusão”.
Houve um
cineasta que também se arriscou a entrar na polêmica: o diretor e ator Mathieu Amalric. Respondendo
a este jornal, disse: “Não quero falar do #MeToo... Bom, sim. Olhe, o que
acontece dentro de uma filmagem na verdade não interessa a ninguém, a menos que
haja um crime. Isso não é o importante. O fundamental é que o movimento consiga
que não haja fanatismos, e ao mesmo tempo que se espalhe para toda a sociedade.
Para mim, quem realmente me preocupa é a faxineira do metrô que sofre assédios
e agressões por parte do seu chefe. Esta onda não pode ficar só no cinema,
seria reduzida a uma mera curiosidade. Pensemos na gente da rua”.
EL PAÍS
Nenhum comentário:
Postar um comentário