sexta-feira, 10 de novembro de 2017

São os norte-coreanos, não Trump, que derrubarão Kim

Rachel Judah -  EJ Robinson

Notícias do mundo exterior chegam à Coréia do Norte através de canais ilegais
De quem Kim Jong-un mais tem medo? Não é de Trump, de Xi e nem de Putin, mas do seu próprio povo. Existe um antigo provérbio coreano que diz que "está escuro diretamente debaixo da lanterna". Isso significa que, às vezes, a resposta está bem debaixo do seu nariz. Enquanto o mundo se concentra em forças externas para encontrar uma solução para o problema da Coreia do Norte, ninguém presta atenção ao que realmente está acontecendo dentro do país.

Na verdadeira Coreia do Norte, além dos testes com mísseis, a história está prestes a se repetir. De acordo com um relatório da ONU, publicado no início deste ano, 4,4 milhões de norte-coreanos vivem à beira da fome. Isso é quase um quinto da população. É um cenário surpreendente, especialmente porque há menos de duas décadas três milhões de norte-coreanos morreram de fome durante a chamada "Marcha Árdua".

De acordo com Jihyun Park, uma desertora norte-coreana que agora vive em Manchester, "todo mundo está no limite. Sessenta anos acreditando no Querido Líder, no Grande País, para nada. Eles estão cansados de viver." Kim Jong-un pode ter conseguido impor o poder e o medo sobre o resto do mundo, mas esqueceu seu próprio povo. Park diz que o povo norte-coreano acolheria uma guerra já que como "eles morrerão de qualquer maneira, não importa como morrerão".

O novato Kim Jong-un não achou fácil perpetuar o legado do pai e do avô, e acredita que precisa se tornar um super-herói nuclear para manter seu povo marchando em direção à ordem. Mas os norte-coreanos não são mais tão dóceis como antes. Desde a fome dos anos 1990, uma rede de Jangmadangs (mercados negros) introduziu o capitalismo rudimentar, o que lhes mostrou um novo caminho a seguir na comercialização de mercadorias na fronteira com a China. As pessoas alcançaram o mundo exterior e não são facilmente enganadas pela propaganda do governo.
Desertores como Park também representam uma ameaça para o regime. Ao longo da última década, dezenas de milhares como ela fugiram do reino do eremita na esperança de uma vida melhor, e eles se esforçam ao máximo para manter contato com suas famílias. O grupo ativista "Combatentes pela Coreia do Norte livre" lança pen drives, DVDs e literatura pró-democracia no Norte por meio de balões. Notícias do mundo exterior chegam ao país através desses canais ilegais.

Em vez de assumir cegamente que existe apenas uma solução para o problema e aumentar as participações através de espetáculos no Twitter, devemos procurar fortalecer a população da Coreia do Norte. Devemos concentrar nossa energia em criar um movimento de oposição local forte o suficiente para derrubar Kim Jong-un e permitir que as pessoas tomem o caminho para mudanças democráticas e não para a guerra.
Mas como se empodera uma população faminta? Não enviando assistência internacional. A ajuda alimentar é desviada para o Exército e acaba ajudando Kim Jong-un a desenvolver sua base militar. A dinastia de Kim usou sua população faminta como isca em meados da década de 1990 para extrair subsídios internacionais, que nunca chegaram às pessoas mais necessitadas.

Não é apenas uma ajuda alimentar que precisa ser reduzida pela entrada de moeda estrangeira crucial. Dezenas de milhares de norte-coreanos são enviados para o exterior para trabalhar como escravos e enviar para casa mais de 1,5 bilhão de libras por ano, de acordo com a ONU. Nós devemos deixar de oferecer essas permissões de trabalhadores. Além disso, devemos reprimir o abuso da imunidade diplomática por coreanos que, no passado, foram pegos contrabandeando ouro.

A informação precisa fluir - sem ajuda alimentar, sem moeda forte - e os refugiados precisam fluir. Embora possa soar brutal, deve se permitir que os norte-coreanos cuidem de seu próprio monstro. O colapso do culto ao Grande Líder é apenas uma questão de tempo. O que devemos planejar são as consequências, pois é quando os norte-coreanos precisarão da nossa ajuda mais do que nunca.

Rachel Judah é jornalista. EJ Robinson é um autor norte-coreano que mora em Londres. Eles escreveram este artigo para o "Independent".

O Globo

Nenhum comentário: